Saneamento do Rio de Janeiro é vendido por R$ 22,6 bi
Empresas compram parte mais lucrativa da empresa e estado fica com parte que demanda maior investimento. Foi o primeiro megaprojeto de concessão após regulamentação do novo marco regulatório do saneamento
Publicado 30/04/2021 19:55 | Editado 30/04/2021 21:25
O leilão de concessão da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae) do Rio de Janeiro resultou na venda de três blocos por R$ 22,69 bilhões, com ágio de até 187% em um dos blocos, apesar da Assembleia Legislativa ter aprovado a suspensão do leilão no dia anterior. O processo ocorreu nesta sexta-feira (30), na bolsa de valores B3, em São Paulo, e contou com a presença do presidente da República, Jair Bolsonaro, que foi recebido com protestos, e do governador do Rio, Claudio Castro, e de ministros.
Em aproximadamente uma hora de leilão, os três blocos mais valiosos da companhia já tinham sido arrematados. O bloco mais barato, que reúne bairros da Zona Oeste da cidade e seis municípios, não recebeu oferta e deve ter nova licitação. Uma parte da Cedae continuará estatal e responsável pela captação e tratamento da água – as concessionárias vão comprar a água do estado para distribuir à população. O problema da geosmina, que contamina a água fornecida, por exemplo, será responsabilidade do Estado que terá que investir para resolver. As empresas lucram apenas com a distribuição da água que o estado vai fornecer.
Os recursos obrigatórios previstos para investimento em favelas é pequeno e as empresas alegam que precisarão que o Estado resolva os obstáculos de segurança pública, por exemplo, para poderem cumprir a meta. O contrato de concessão é considerado bem genérico em relação a essas áreas informais, o que pode se tornar brechar para fugir ao investimento privado. O contrato de concessão prevê que as concessionárias terão que cumprir metas, no entanto, falta estrutura de pessoal na Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro (Agenersa), que é a responsável por essa fiscalização.
A companhia foi dividida em quatro blocos. O bloco 1, o mais caro entre os quatro e que contempla 18 bairros ricos da Zona Sul da capital e 18 municípios, foi arrematado pelo consórcio Aegea, por R$ 8,2 bilhões, com ágio de 103,13%. O bloco 2, o segundo mais valioso que engloba 20 bairros da Zona Oeste da capital e dois municípios, ficou com o consórcio Iguá Projetos, por R$ 7,286 bilhões, com ágio de 129,68%. O bloco 3, o mais barato entre os quatro em oferta, que tem outros 22 bairros da Zona Oeste da capital e seis municípios, não obteve proposta, pois o único interessado, o consórcio Aegea, não prosseguiu na oferta. O bloco 4, que conta com 106 bairros do Centro e Zona Norte da capital e sete municípios, foi arrematado pelo consórcio Aegea por R$ 7,203 bilhões, com ágio de 187,75%.
O bloco 1 inclui a zona sul do município do Rio, o município de São Gonçalo e mais 16 municípios do interior do estado. O bloco 2 inclui os bairros cariocas de Barra da Tijuca e Jacarepaguá, mais os municípios de Miguel Pereira e Paty do Alferes. O bloco 3, que não foi arrematado, inclui os bairros da zona oeste do Rio, mais seis municípios do interior e da região metropolitana. O bloco 4 inclui os bairros do centro e da zona norte da capital, mais oito municípios da Baixada Fluminense.
Os vencedores do leilão deverão universalizar o fornecimento de água e esgoto para mais de 12,8 milhões de pessoas em até 12 anos, objetivo previsto no novo marco regulatório do saneamento. O projeto deve gerar 45 mil empregos e investimentos de cerca de R$ 30 bilhões.
O presidente Bolsonaro falou rapidamente ao final do leilão e destacou a importância do ato. “Este é o momento que marca a nossa história e a nossa economia. Um governo voltado para a liberdade de mercado, na confiança dos investidores e na crença de que o Brasil pode ser diferente”, afirmou.
Em discurso, o governador Claudio Castro destacou o aspecto social do leilão, que, segundo ele, vai ampliar o saneamento básico para a população do estado do Rio de Janeiro. “Apesar do inquestionável êxito econômico dessa operação, eu gostaria de ressaltar o alcance social dessa concessão: 12 milhões de pessoas serão beneficiadas com água encanada e coleta e tratamento de esgoto. São questões básicas, mas que ainda são um problema em nosso país inteiro”.
Já o ministro da Economia, Paulo Guedes, usou a palavra confiança para descrever o resultado do leilão. “São mais de R$ 50 bilhões que são colocados nesses compromissos social, econômico, ambiental, de saúde pública. Essa confiança é a palavra que resume o quadro que nós observamos agora”.
Liminares dos trabalhadores
Além da suspensão do leilão pelos deputados estaduais na Assembleia Legislativa do Rio, para que a venda ocorresse, foi necessário derrubar várias liminares que questionavam a privatização da estatal. O Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro concedeu liminar aos funcionários da Cedae suspendendo o leilão da empresa fluminense de saneamento, na segunda-feira (26).
A liminar atendia um mandado de segurança impetrado pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Saneamento Básico e Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro (Sintsama) e pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgoto de Campos e Região Norte e Noroeste do Estado do Rio de Janeiro (Staecnon).
Na decisão, justificava-se que não há “qualquer informação, no processo de privatização, sobre o destino dos trabalhadores e postos de trabalho”. Foi exigido da empresa que elabore um estudo de impacto socioeconômico na relação com seus trabalhadores, prestadores de serviços e terceirizados. Também exigia que fossem elaboradas alternativas para a dispensa em massa, antes do processo de concessão de áreas da Cedae.
O modelo desenhado pelo BNDES para o leilão prevê 35 anos de concessão das áreas de distribuição de água e coleta e tratamento de esgoto. Na semana passada, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux cassou uma outra liminar que tinha suspendido o leilão a pedido de deputados estaduais que contestam o prazo de 35 anos de concessão.
Sucateamento
A Cedae foi manchete do noticiário nos últimos anos, por problemas na qualidade da água oferecida ao povo do Rio de Janeiro. Moradores de mais de 50 bairros do Rio e de municípios da Baixada Fluminense observaram que a água esteve com aspecto amarronzado, odor forte e sabor de terra. A Cedae identificou a substância Geosmina, produzida por algas, mas afirmou que não havia risco à saúde e que a água pode ser consumida.
Problemas desse tipo são frequentemente usados para justificar a privatização do serviço. No entanto, a queda na qualidade da prestação de serviço está associada a um processo sistemático de sucatização da empresa, que demorou anos para consolidar um serviço de qualidade.
O funcionário da Cedae, Ary Girota, denunciou as condições de trabalho imposta pela atual gestão, que tem impactado no trabalho desenvolvido pela estatal. “Os trabalhadores da Cedae estão sendo submetidos a um regime de trabalho extenuante, uma mudança radical das escalas de trabalho, com a desculpa de melhoria das condições do mesmo, mas isso não ocorreu. Pelo contrário, isto provocou o adoecimento da força de trabalho, além de demissões de técnicos competentes, com outra desculpa infundada, amparada na questão de cunho salarial”, afirma Girota.
Para combater a geosmina, a Cedae colocou trabalhadores apenados, sem qualificação para o serviço, para aplicação de carvão ativado no tratamento da água, que começaram a passar mal. O presidente do Sintsama, Humberto Lemos, disse que a aplicação de carvão ativado deveria ocorrer de forma mecanizada, sem que os trabalhadores tivessem contato direto com a substância. Ainda segundo denúncias recebidas pelo sindicato, os trabalhadores não dispunham de equipamentos de proteção individual adequados, como máscaras e luvas.
Apesar de ser uma empresa estatal rentável para os cofres públicos, com lucro histórico de R$ 832 milhões em 2018, quase o triplo do ano anterior, a Cedae foi alvo das privatizações do governo do estado. A venda da empresa foi uma das condições para que o governo do Rio entrasse no Regime de Recuperação Fiscal proposto em 2017 pelo governo federal. O regime deu ao Rio a possibilidade de adiar o pagamento de dívidas à União, mas estabeleceu regras injustas para o estado, na opinião de diversos especialistas.
Com informações da Agência Brasil