Demonstração de força de Bolsonaro junto ao Exército fracassou
Mudanças no alto escalão militar causaram desconforto, dado o hábito de Bolsonaro de se esconder atrás do Exército e ameaçar uma ruptura institucional sempre que está em dificuldades políticas ou com a popularidade em baixa
Publicado 02/04/2021 13:34
O presidente da República, Jair Bolsonaro, quis demonstrar força com as trocas no Ministério da Defesa e no Alto Comando das Forças Armadas, mas a tentativa não foi bem-sucedida. A avaliação é de Victor Young, pesquisador do Centro de Estudos em Relações Econômicas Internacionais do Instituto de Economia da Unicamp. Ele participou de live do Vermelho nesta quarta-feira (31).
A semana começou agitada em Brasília, com o ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, anunciando que deixaria o cargo na segunda-feira (29). A crise entre Araújo e o Senado havia se exacerbado no domingo, com o ex-chanceler atacando a senadora Kátia Abreu (PDT-TO).
Poucas horas depois, o ex-ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, informou que também estava deixando o ministério após ser dispensado por Jair Bolsonaro, que decidiu nomear para o posto seu chefe da Casa Civil, general Braga Netto. Para o lugar de Braga Netto, Bolsonaro puxou outro general, Luiz Eduardo Ramos, que estava na Secretaria de Governo. Assim, abriu espaço na Secretaria para uma indicada de Arthur Lira (PP-AL): a deputada Flávia Arruda (PL-DF).
“Como em qualquer outro governo, sempre que muda o Congresso, sempre que muda um pouquinho o cenário político, fazer algum tipo de reforma ministerial é comum. Teve governos que fizeram reformas ministeriais muito mais amplas”, opina Young, lembrando que presidentes anteriores trocaram, inclusive, ministros da Defesa, que até o governo Michel Temer foram sempre civis. “O que acontece é que, no governo Bolsonaro, esse tipo de troca e a forma com que foi conduzida faz com que opinião pública fique um pouco em polvorosa”, acrescenta o pesquisador.
De fato, as mudanças no alto escalão militar causaram desconforto, dado o hábito de Bolsonaro de se esconder atrás do Exército e ameaçar uma ruptura institucional sempre que está em dificuldades políticas ou com a popularidade em baixa, ambas as condições presentes no momento. Além disso, as trocas promovidas pelo presidente nas Forças Armadas foram além de Fernando Azevedo.
Horas após o anúncio da queda, o Alto Comando do Exército se reuniu e planejava uma demissão coletiva em desagravo a Fernando Azevedo e também a Edson Pujol, comandante do Exército, e, dizia-se, o alvo verdadeiro de Bolsonaro ao derrubar o ex-ministro. O presidente considerava Pujol excessivamente “neutro” pois, entre outras coisas, defendia medidas científicas contra a pandemia. Ciente da reunião, o Planalto se antecipou e dispensou os comandantes do Exército, Marinha e Força Aérea para não parecer isolado. Os novos nomes para o Comando foram anunciados ontem.
Victor Young vê os movimentos em relação ao Exército como uma tentativa de demonstrar força em um momento em que Bolsonaro cedia à pressão do Centrão em duas frentes: entregava a cabeça de seu chanceler e colocava uma representante do grupo político de Lira dentro do Palácio do Planalto.
“Eu penso que o governo, recentemente, se enfraqueceu. A gente viu pelas pesquisas de opinião. Depois, pela entrada [em cena] de um personagem político importante, que foi o Lula. Acho que ele [Bolsonaro] percebeu isso como uma ameaça ao seu projeto político de reeleição. Quando ele fez essa reforma dessa maneira, meio que fazendo um exercício de força frente aos militares, eu entendo que, primeiramente, ele quis mostrar algum tipo de autoridade, ao mesmo tempo que fazendo um chamado para alguma ala militar que quisesse aderir ao seu projeto de governo.”
Para o pesquisador, no entanto, o objetivo político de Bolsonaro não foi alcançado. “A meu ver, não deu muito certo. Isso não foi muito bem visto entre os militares, pela forma como foi feito. Eles consideraram uma forma indelicada, com um pouco de falta de consideração. Porque, afinal de contas, eles são militares de alta patente. O Bolsonaro é um militar que, na hierarquia, estaria abaixo, mas que no momento está acima [por ser o comandante-em-chefe das Forças Armadas]”.
Victor Young também comentou a substituição do olavista Ernesto Araújo por Carlos Alberto França, diplomata de carreira com a difícil missão de recuperar a imagem combalida do Brasil no exterior. A mídia tem apontado certa inexperiência de França, que nunca chefiou uma embaixada.
“Ele não tem experiência em liderança, mas, se chegou à posição de embaixador, quer dizer que tem uma carreira diplomática. Ele vai ter que lidar com a situação com a qual vai se deparar [no cenário externo] e com uma pressão interna que está ali dentro do Palácio, tentando dar palpite, e muitas vezes mais atrapalha do que ajuda na solução desse grande problema, que é o problema do momento, da saúde pública. Vai ser cobrado sobre o plano, por exemplo, para compra de vacinas.”
Confira a entrevista na íntegra: