Haroldo Lima, piloto das tempestades

Até seus últimos dias, Haroldo navegou por mares bravios.

Foto: Manuel Porto

Galeria F da penitenciária Lemos de Brito, Salvador. 1979. Lá, os três últimos presos políticos do Brasil. Haroldo dentre eles.

Cá fora, nós, os que não viemos ao mundo para aceitá-lo do jeito que ele é.

Queríamos Haroldo entre nós, vivo e livre. E o visitamos muitas vezes na cadeia, preparando sua liberdade.

Daí começou a amizade profunda de um homem com nossa geração.

Haroldo saiu da cadeia após três anos de isolamento, muita tortura e quase morte.

Chegou à liberdade sem nenhuma queixa pessoal, sem lamentos. Sabia que não tínhamos tempo a perder: havia uma ditadura a combater e derrubar!

Era jovem à época. Não tanto quanto nós. Mas era jovem o suficiente para querer lutar e nos ensinar o caminho da luta.

Haroldo engenheiro, Haroldo, pai e marido amoroso, Haroldo comunista e patriota, Haroldo deputado, Haroldo irmão mais velho, que nos tratava a todos com imenso carinho e nos chamava de baixinho, ou baixinha. E não nos negava nunca um abraço.

Poderia ter optado por uma vida tranquila, mas arriscou tudo pela causa em que acreditava. E seguiu ativo, guerreiro, presente e esperançoso. Até que a doença maldita o abateu, querendo ficar.

Até seus últimos dias, Haroldo navegou por mares bravios. Não temia. Nas noites mais tenebrosas e nas doces horas de farras, era sempre o mesmo. Da poesia condoreira de Castro Alves à dramaturgia cortante de Bertold Brecht, tudo emocionava e falava forte em Haroldo. E nos contagiava.

E Haroldo foi construindo em nós, e conosco, o sonho coletivo.

Reuniões clandestinas. Informes. Análises. Tática e estratégia.

E o dedo em riste. Não para afrontar, mas para apontar rumos.

E a voz firme apontando caminhos e propondo ação.

Um dia Haroldo me disse da imensa gratidão que tinha por aquele grupo de meninos e meninas que o acolheu do lado de fora e seguiu com ele na busca da construção de um mundo melhor.

No meu egoísmo, não lembro de ter agradecido a ele por ter sido um de nós. O melhor de nós. O maior de nós.

O caríssimo irmão Haroldo se foi?

Não se foi. Estará sempre por aqui. Em lições de vida e camaradagem.

Autor