Mulheres e luta de classes: o exemplo das trabalhadoras em telecomunicações

Palestra proferida no evento “Conversa entre mulheres 3” realizado pelo Sintetel-SP em 8 de março de 2021.

Gonçala Cruvinel (de óculos), liderança das telefonistas paulistas na greve de 1985 l Foto: Sintetel

Eu quero primeiro agradecer a Mariangela, a Edna, a Cenise e ao Almir Munhoz, presidente do sindicato, por me convidarem para participar desta atividade tão importante. E parabenizar o Sintetel (Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações no Estado de São Paulo) por sua história de quase 80 anos já, um grande feito em um país grande complexo e desigual como o Brasil.

Vou começar minha fala destacando a greve das telefonistas paulistas pela redução da jornada de trabalho de oito para seis horas diárias, na década de 1960. Uma reivindicação vitoriosa que conquistou a jornada de 36 horas semanais, que mais tarde virou Lei para as companhias telefônicas de todos os estados brasileiros. O movimento projetou as mulheres do Sindicato. Mas, logo depois veio a ditadura militar e a Telebrás, como uma empresa estatal, ficou sob comando direto dos militares.

Quero destacara também o papel da Gonçala Cruvinel, não só para o Sintetel, mas para todo o movimento sindical, sendo ela uma das pioneiras a criar e dirigir uma secretaria da mulher dentro de um sindicato, em 1986. Secretaria que é especialmente importante por se tratar de uma categoria que abrange tantas mulheres e que faz do Sintetel uma referência para a luta das mulheres trabalhadoras. Ela também participou da criação da secretaria das mulheres da Força Sindical, em 1991, com a Nair Goulart, ex-dirigente do Sindicato do Metalurgicos São Paulo e outras companheiras. E, é importante destacar, que a Força foi a primeira central a criar uma secretaria da mulher.

A Gonçala teve uma grande projeção na greve da Telesp de 1985. Naquela época, em pleno movimento pelas Diretas Já que tomava conta do Brasil, houve uma onda de greves. A Telesp, que pertencia ao sistema Telebrás, era comandado pelo governo militar, e os embates ocorreram por mais espaço e mais presença do sindicato no local de trabalho. A greve foi, desta forma, um processo de maior politização da categoria.

Logo depois teve a abertura política, o fim da ditadura, mas começou um longo período de recessão, desemprego, informalidade, marcado pela ascensão do neoliberalismo, com o fim da guerra fria e o fim da União Soviética, e uma sensação de triunfo (ainda que falsa e transitória, como vimos depois) da economia de mercado e estado mínimo.

Isso impactou as grandes empresas estatais como a Telebrás. E, naquele contexto de ascensão neoliberal ocorreu outro grande marco para a história dos telefônicos, iniciado em 1997, com a Lei Geral de Telecomunicações (LGT), que abriu o mercado para os serviços de telefonia, e culminou na privatização em julho de 1998.

O sindicato fez diversas campanhas contrárias a esse processo. Lançou uma cartilha explicando aos seus representados o perigo que a privatização representava para seus empregos, mas o avanço da política neoliberal dava o tom naquele momento e os principais movimentos, na maioria das categorias, não só nos telefônicos, se davam em torno mais de contenção das perdas do que pela reivindicação de mais conquistas.

Então houve uma grande informalização, perdas decorrentes da privatização e uma mudança no perfil da categoria. Inclusive, como entraram várias empresas multinacionais, como a Telefônica, que hoje é Vivo, e acho que é a maior do setor, o sindicato intensificou sua ação internacional através da UNI Global, fundada em 2000 justamente para ter mais força frente às multinacionais.

Debate realizado no dia 8 de março pelo Sintetel-SP

No livro sobre os 70 anos do Sintetel, que o Centro de Memória Sindical produziu junto com o sindicato em 2012, o jornalista e assessor da Fenattel (Federação Nacional dos Trabalhadores em Telecomunicações e Operadores de Mesa Telefônica), José Luiz Passos Jorge, falou sobre a mudança de perfil que a categoria viveu após a privatização. Segundo ele:

Até 1997 o perfil era: maioria homens, tempo médio no emprego 25 anos. Idade média dos trabalhadores de 40 a 45 anos. Nível técnico e médio. Remuneração média até cinco salários mínimos.

Em 2011 o perfil era: maioria mulheres, tempo médio no emprego 2 anos. A idade média 18 a 25 anos. Nível cursando universidades (não necessariamente ligada à área). Remuneração média de um a um e meio salário mínimo e jornada de meio período.

Então isso fez também com que a presença das mulheres crescesse no sindicato e aumentasse a importância da secretaria.

Para finalizar quero fazer uma reflexão. Quero dizer que a história não é uma linha reta em rumo à salvação ou à perdição. Ela caminha através de avanços e recuos porque o que a move são interesses conflitantes. Interesses dos trabalhadores e trabalhadoras em ter mais direitos, mais dignidade, melhores condições, e, do outro lado, interesses da classe que se beneficia da situação como está, das desigualdades do mundo capitalista.

O Sintetel, por exemplo, teve uma fase de organização e luta dos trabalhadores, depois uma fase de intervenção do regime militar, depois uma fase de maior politização e mais participação dos trabalhadores, daí veio a privatização e uma fase de reorganização da categoria, o fortalecimento de um braço internacional, e hoje o sindicato é forte apesar do desmonte que a categoria sofreu com a privatização.

Carolina Ruy l Foto: Reprodução

Na nossa história geral também há esse movimento. Houve muitos avanços desde a Proclamação da República, em 1889, mas não se chegou a uma situação ideal justamente porque existe sempre este conflito de classes. E devemos ter em mente que a pauta das mulheres, sendo as mulheres consideradas “minorias”, assim como os negros e os homossexuais (o que não significa minoria numérica populacional, mas grupos em desvantagem com relação ao grupo dominante, que é o homem branco e hétero), é uma pauta progressista, uma pauta da mudança e da emancipação nacional, não é uma pauta conservadora, de manutenção de privilégios. E nas fases retrógradas, fases de recuos, prevalece a mentalidade de que as mulheres devem se dedicar a cuidar apenas da casa e dos filhos e não disputar espaço no mercado de trabalho.

A situação que vivemos desde 2016, desde o governo Michel Temer, é muito grave. Não só houve uma perda de direitos, com a reforma trabalhista que foi a maior perda de direitos em uma tacada na história, como, o que é pior, chegamos a recordes de informalidade e desemprego, não só pela pandemia, mas pela política econômica adotada. E quando a situação social está ruim, para as minorias está pior. Pior para as mulheres e pior ainda para as mulheres negras.

Isso é muito concreto e podemos constatar através de dados e estatísticas. Por exemplo, em novembro de 2020 a taxa desemprego geral era 14,6%. Esse número era de 12,8% para os homens e 16,8% para as mulheres. No dia 4 de março de 2021, o IBGE divulgou uma pesquisa que mostra que mais da metade das mulheres com crianças de até 3 anos estão fora do mercado, 54,6%. Isso sem falar no aumento da violência doméstica e dos casos de feminicídio durante a pandemia.

A situação da mulher hoje no mercado ainda é de fragilidade. Mas seria muito pior se não fosse uma história de lutas e de conquistas que nos orgulhamos de lembrar. Não fosse a luta das mulheres, não votaríamos, nem poderíamos realizar um debate como esse. Obrigada e sigamos na luta!

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