Voei para um tempo além da sala, à procura de um esclarecimento para a confusão em que me encontrava. E voltei a repetir os frevos mais amados, indispensáveis.
Publicado 15/02/2021 10:03
Ontem à noite, quando a desesperança queria me atacar, fiquei a ouvir frevos no YouTube. E como era sexta-feira deste carnaval deserto, cujo nome é carnaval bolsonaro, eu parei, perturbado. Era como se eu estivesse a sonhar um sonho incompreensível. Então voei para um tempo além da sala, à procura de um esclarecimento para a confusão em que me encontrava.
E voltei a repetir os frevos mais amados, indispensáveis.
Sem querer, repetia como um mantra estes nomes que se tornaram tão íntimos:
Felinto, Pedro Salgado, Guilherme, Fenelon
Que coisa mais estranha, que coisa mais de bruxa! É esquisito amar até a pronúncia destas palavras mágicas: Filinto, Pedro Salgado, Guiherme, Fenelon. Então para compreender a estranheza fui mais para dentro dela. Mergulhei em Valores do Passado:
Bloco das Flores, Andaluzas,
Cartomantes
Camponeses, Apois Fum e o Bloco
Um Dia Só
Os Corações Futuristas,
Bobos em Folia
Pirilampos de Tejipió
A Flor da Magnólia
Lira do Charmion, Sem Rival
Jacarandá, A Madeira da Fé
Crisantemos, Se Tem Bote e
Um Dia de Carnaval
Pavão Dourado, Camelo de Ouro
e Bebé
Os queridos Batutas da Boa Vista
E os Turunas de São José
Príncipe dos Príncipes brilhou
Lira da Noite também vibrou
E o Bloco da Saudade
Assim recorda tudo que passou
Mas que absurdo. Valores do Passado possui versos inteiros somente de nomes de blocos. No entanto, por que ficamos como sonâmbulos perdidos a sonhar entre essa esquisitice?
Então pude saber de tanto refletir e sonhar. A razão de amar o estranho é o encanto da arte. O feitiço da arte. A humanidade da construção estética. É pela arte que o estranho se torna mais que conhecido. E não adianta nem mesmo, para explicar a vitória do desconhecido, falar que esse afeto vem de uma memória proustiana da infância. Não. Evocação Nº1 foi sucesso imediato no Rio e em São Paulo, já em 1957. Como foi que paulistas e cariocas adoraram ouvir aqueles nomes estranhos de Filinto, Pedro Salgado, Guilherme, Fenelon e Apois Fum?
Foi pela arte, é pela realização estética que recebemos a pancada de nomes que se transformam em gosto único. Tanto em Evocação número 1 quanto em Valores do Passado. A canção realizada nos desidrata de toda estranheza dos nomes de blocos que são versos. E se tornam, dentro da gente, valores muito além do carnaval. São a história dos que se foram e continuam a ser e serão. Os nossos queridos e queridas que são valores imortais.
Esta é a extensão: ouvir esse frevo e pensar em Gregório Bezerra, Rosa Luxemburgo, Graciliano Ramos, Machado de Assis, Soledad Barrett, José Carlos Ruy, Marco Albertim, Tarcísio Pereira, Capiba, Nelson Ferreira, Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto, Paulo Freire… Com eles bem podíamos cantar uma canção com o título de Corações Futuristas. Mas não temos a felicidade, o dom de compor frevo. Então escrevo que estes valores, pela arte que se reflete em nossa reconstrução íntima, são Valores do Futuro:
Bloco das Flores, Andaluzas,
Cartomantes
Camponeses, Apois Fum e o Bloco
Um Dia Só
Os Corações Futuristas,
Bobos em Folia
Pirilampos de Tejipió
A Flor da Magnólia
Lira do Charmion, Sem Rival
Jacarandá, A Madeira da Fé
Crisantemos, Se Tem Bote e
Um Dia de Carnaval
Pavão Dourado, Camelo de Ouro
e Bebé
Os queridos Batutas da Boa Vista
E os Turunas de São José
Príncipe dos Príncipes brilhou
Lira da Noite também vibrou
E o Bloco da Saudade
Assim recorda tudo que passou
E concluo à semelhança de Celso Marconi, que é outro valor do presente e do futuro: Olinda, 13.02.2021.
Foi muito bom ler a letra da música que me apaixonou. Menina ainda. Até hoje me emociona. Meu pai era pernambucano. Obrigada!
Grato, Kátia. Forte abraço