Celso Marconi: Revendo Labirinto do Brasil, revendo Walter Benjamin

Silvio Tendler conseguiu reunir declarações “geniais” de muitos amigos de Glauber. Nos depoimentos, temos a demonstração de quem foi o cineasta Glauber, o verdadeiro criador de um caminho aprofundado para a cultura brasileira.

Revi o filme de Silvio Tendler Labirinto do Brasil, que fez muito sucesso depois de exibido no Festival de Brasília de 2003. É por causa desse filme que acho desnecessário o filme de César Meneghetti Glauber Claro, que os críticos selecionados colocaram como “o melhor filme brasileiro” durante a Mostra Paulista de Cinema de 2020.

Por aí vemos como é a estória de prêmios – sempre tudo combinado. Acredito que eles nem viram um décimo dos filmes brasileiros exibidos ali. O filme de César Meneghetti tem algo importantíssimo, que é todo o discurso de Glauber lá na entrada do teatro de Veneza, onde aconteceu um Festival de Cinema. Esse grito estridente de Glauber, assistido por dezenas de jornalistas e muitas outras pessoas partidárias do seu cinema, vale O Cinema. Ele protestou contra a premiação do filme de Louis Malle para Melhor Filme contra o seu filme A Idade da Terra, que era concorrente. Se Tendler tivesse todo esse discurso filmado, quando fez seu filme Labirinto do Brasil, então teríamos uma obra perfeita. Na dimensão do cineasta Glauber Rocha.

Mas, no roteiro musical, o filme de Silvio poderia ser modificado. Por exemplo, todo seu fim poderia ser o fim do filme de Meneghetti com o discurso e mais duas músicas brasileiras bem populares e belíssimas. Em vez de usar o que chamam de “música fúnebre”, Sílvio poderia colocar músicas populares brasileiras que então ele daria ao mesmo tempo o tom triste da perda do “ente querido” e, ao mesmo tempo, a alegria da convivência com uma figura excepcional.

Silvio Tendler conseguiu reunir declarações “geniais” de muitos amigos de Glauber, como João Ubaldo Ribeiro, Orlando Senna, Arnaldo Carrilho, Rubens Gerchman, Jards Macalé, Sérgio Ricardo, Paulo Autran, Norma Benguell e muitos outros. A forma como Glauber escolheu Paulo Autran para participar do seu filme Terra em Transe mostra como temos aí um diretor especial, e não um simples “fazedor de filmes”.

Nos depoimentos, temos a demonstração de quem foi o cineasta Glauber, o verdadeiro criador de um caminho aprofundado para a cultura brasileira. E temos também a figura simples de um ser humano que faz besteiras e não sabe realmente viver neste nosso mundo complicado.

Quando não estou muito bem da cabeça, busco, por exemplo, assistir novamente a filmes como esse Labirinto do Brasil. Silvio construiu uma obra que realmente estivesse próxima do tipo de cinema que era propagado por Glauber. E para isso ele se responsabilizou por três setores fundamentais: direção, roteiro e montagem. Com isso manteve em suas mãos e cabeça o núcleo central do filme.

(Olinda, 12. 1. 21)

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REVENDO TEXTOS DE WALTER BENJAMIN

Walter Benjamin é um filósofo alemão que não tinha nem tem a pose de um Kant. Parece mais um filósofo francês, e certamente que o fato de ele ter vivido muitos anos em Paris lhe possibilitou essa forma blasé de um “à vontade” de quem está flanando pelos jardins parisienses, mesmo quando está em profunda meditação filosófica. Ele morreu nos Alpes franceses, pois, à semelhança de Sócrates, tomou veneno quando estava fugindo dos nazistas alemães que haviam invadido a França. Ele é da Escola de Frankfurt, mas em geral Theodor Adorno é considerado mais filósofo do que ele.

Eu li o livro Estética e Sociologia da Arte, lançado pela editora Autêntica, que reúne vários textos de Benjamin, todos falando em arte e cultura. Não são artigos desconhecidos, mas o significado dessa edição é mais pelo fato de trazer extenso debate sobre o famoso texto de Benjamin, A Obra de Arte na Época da Possibilidade de sua Reprodução Técnica. Não tem o texto completo desse ensaio, mas as “anotações” das muitas modificações que foram surgindo durante alguns anos e entre as várias edições. Todos os artigos certamente se referem ao mesmo tema.

O filósofo alemão Walter Benjamin (1892-1940)

O que é mais fundamental é ver como nos anos 20 e 30 do século passado Benjamin abordava a importância da reprodução para a obra de arte. Enquanto praticamente os intelectuais rejeitavam a fotografia e o cinema, Benjamin discutia até que ponto a reprodução e os meios mais presentes como a fotografia tinham modificado a arte. Conheci muitos intelectuais aqui no Recife que mesmo nos anos 50 ainda desprezavam o cinema como arte. Então a fotografia era inteiramente alijada.

Tem muita gente que despreza o pensamento de Benjamin pela presença do seu materialismo dialético. Inclusive o filósofo, sendo judeu, pensava também utilizando o lado metafísico de sua religião. Walter Benjamin era um ser humano que buscava, sem se preocupar com escolas e princípios e sem rigidez. Embora fosse partidário do socialismo da União Soviética, ao mesmo tempo sem esconder os seus esquemáticos caminhos, muitos impostos por dirigentes como Stalin.

Nesse livro temos o ensaio Breve História da Fotografia, onde ele situa a força dela para transformar a pintura, principalmente aqueles quadros em que os artistas faziam a reprodução da pessoa. O retrato. A mudança que muitos pintores fizeram e se transformaram em fotógrafos, influenciando assim no valor artístico da fotografia. Tem um artigo excelente sobre o filme de Eisenstein, O Encouraçado Potemkim, respondendo a um crítico que havia desprezado a obra sem entender a sua essência como autêntica obra de arte cinematográfica.

Um outro ensaio de tamanho bem maior analisa a literatura da França nessa época do ponto de vista da formação técnica, inclusive demonstrando um extenso conhecimento sobre os escritores atuantes na época. O que Benjamin buscava mais era encontrar ou mostrar até que ponto os escritores falavam sobre a realidade social dos franceses e não somente se prendendo ao estilo ou à técnica literária. E destacava André Gide e Marcel Proust, que eram verdadeiros revolucionários na técnica, embora não fossem tão técnicos como outros.

(Olinda, 6. 1. 21)

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A POESIA DE RUPI KAUR

Mesmo quando eu escrevia no Jornal do Commercio profissionalmente, sempre tive condições de escrever sobre assuntos variados. Claro que nunca tentei escrever sobre engenharia ou biologia, a não ser que tratasse esses conhecimentos como poesia. Meus assuntos principais foram cinema e artes plásticas. Quando editor do “Caderno C”, fazia matérias sobre quaisquer aspectos da cultura. Particularmente da cultura em Pernambuco.

Agora, quando escrevo me sinto tão livre que posso comentar o livro de uma jovem norte-americana de origem indiana, Rupi Kaur, que faz sucesso comercial me parece que no mundo todo. O seu livro que li foi Outros Jeitos de Usar a Boca e quem ler esse título e se atrair pensando em erotismo ficará redondamente enganado. Não há nada de erótico nessa poesia de Rupi Kaur, a não ser o erotismo que existe na filosofia de um monge budista.

A poeta Rupi Kaur

É uma poesia que não busca encontrar uma linguagem poética, pois para ela qualquer forma de escrever pode ser poética. Ela conta de certa forma emoções. E também discute a forma de tentar buscar alguém que dela se afastou. No final, existe uma frase onde ela dá a impressão de que aquele que se separou dela é mesmo cada leitor. Para mim, falar dessa jovem poeta é como falar de um Jaci Bezerra ou de um Alberto Cunha Melo quando eles eram jovens. Vale a pena ler.

(Olinda, 12. 1. 21)

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O CINEMA DE HARUKI MURAKAMI

Quando comecei a ler e-book, foi Haruki Murakami o primeiro autor que me atraiu e o livro inicial foi a trilogia 1q84. Depois, li vários trabalhos desse escritor japonês. Entretanto, até há pouco nunca havia pensado que sua obra deveria ter dado lugar a uma grande produção cinematográfica.

Na verdade, despertei para isso após reler o romance Norwegian Wood e certamente porque descobri que vários filmes já foram realizados a partir de estórias de Haruki e esse deu o filme Como na Canção dos Beatles – Norwegian Wood, que é realizado pelo cineasta vietnamita Tran Anh Hung e ganhou prêmios inclusive no Festival de Veneza. Mas parece que o filme mais conhecido a partir de obra de Haruki é Em Chamas, que se inspirou no conto Burn burning e foi realizado pelo sul-coreano Lee Chang-dong.

O escritor japonês Haruki Murakami

No YouTube inclusive tem a entrevista que a equipe do filme deu no Festival de Cannes. Um documento interessante sobre a encenação que é uma entrevista nesses festivais no outro dia depois da exibição do filme. Mas também descobri que existe um curta feito em 1983 pelo japonês Naoto Yamakawa que se chama A girl, she is 100%. No site que eu mais encontro filmes, o Making Off, há três filmes a partir de estórias de Haruki Murakami, mas não consegui baixar.

Aliás, baixei o Em Chamas, mas está sem som. Enfim, fica o registro de que o autor tem um cinema a partir de sua obra. Mesmo que não seja tão popular no cinema quanto é a sua literatura. Certamente, pelo fato de que apesar de utilizar tramas bem intrigantes, Murakami busca falar com certa profundidade do que liga as pessoas. E o espectador de cinema “para divertir” deve achar isso muito difícil.

(Olinda, 17. 1. 21)

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