O que a Constituição permite em caso de baixa adesão à vacinação?
Caso a adesão á vacina seja baixa, pode-se recorrer à obrigatoriedade. Se o governo federal se omitir, os estados podem obrigar, mas as inseguranças jurídicas estão colocadas.
Publicado 15/12/2020 21:49
Nesta segunda (14), a USP reuniu alguns de seus maiores especialistas nos vários aspectos envolvendo a imunização da população brasileira contra o coronavírus. O evento Vacinas e covid- 19: Uma visão multidisciplinar foi transmitido pelo Canal USP no YouTube para uma audiência que atinge, só neste primeiro dia, mais de 10 mil usuários. A maioria cheia de perguntas e atenta a um tema que neste momento interessa a qualquer pessoa: uma vacina que, se não der fim a esta pandemia, ao menos poderá inaugurar um capítulo menos trágico dela – são mais de 180 mil mortos pela doença até agora no País.
Na última sessão do dia, o professor da Faculdade de Direito (FD) da USP Virgílio Afonso da Silva discutiu a legalidade da vacinação compulsória de acordo com as leis brasileiras. A conclusão foi de que é possível usar a lei para obrigar as pessoas a se vacinarem, mas apenas no caso de a imunização voluntária ter adesão muito abaixo do esperado. A discussão sobre a legalidade centrou-se no direito constitucional.
“Podemos dizer, bem resumidamente, que duas coisas cabem ao direito constitucional: organizar o Estado, ou seja, determinar o que compete a cada um dos poderes, e assegurar os direitos essenciais dos indivíduos”, explicou o professor. A discussão sobre a compulsoriedade da vacina orbita entre esses tópicos.
No caso de uma República Federativa, como o Brasil, a Constituição define o que diz respeito à União e o que é responsabilidade dos Estados e municípios. Em muitas esferas, como na saúde, por exemplo, a Constituição permite que ambos atuem em favor da população. Nesse caso, a União é responsável por dar as diretrizes gerais sobre o que deve ser feito e agir como articuladora para garantir que tudo ocorra bem.
“Quando o federalismo funciona bem, essa questão não chega a trazer problemas. Mas quando o governo federal insiste em ser omisso, os espaços que ele deveria ocupar logo são preenchidos”, conta Virgílio. Assim, em um cenário ideal, a imunização feita em apenas um Estado não faz sentido, mas se o governo se omite os Estados tomarão a frente.
O artigo terceiro da Lei 13.979, de 2020, criada para isso, deixa claro que as autoridades podem decretar vacinação compulsória. Mas o pesquisador diz que o assunto levanta uma série de controvérsias, “para definir se isso é possível, dependemos de várias outras áreas e contextos, não há uma resposta única que independe do momento”, explica.
De um lado, há o direito fundamental à saúde, por outro, o direito fundamental à liberdade individual. No direito constitucional, a questão da necessidade é levantada quando esse embate entre as liberdades é colocado. É preciso saber se o objetivo —no caso, a segurança da população em razão da imunidade — pode ser atingido por outro meio. Se a resposta for sim, a vacinação compulsória não é constitucional.
A alternativa seria a vacinação voluntária. A vacinação compulsória implicaria na imposição de restrições aos que se recusarem a se vacinar, e isso pode aumentar a desigualdade no País. “Se as restrições forem ao acesso de serviços públicos, como a saúde, por exemplo, a população pobre se verá prejudicada, visto que os ricos têm dinheiro para usar serviços privados”, explica. Vacinação voluntária deve ser a primeira alternativa.
O evento foi organizado pela Pró-Reitoria de Pós-Graduação, pelo Instituto de Estudos Avançados e pela Superintendência de Comunicação Social.