Quilombos do Amapá relatam violência policial e racismo
Reportagem do Amazônia Real noticia descaso do poder público com comunidade de remanescentes de quilombolas Casa Grande
Publicado 03/12/2020 17:35
No quarto dia de apagão no Amapá, em 9 de novembro, os moradores da comunidade de remanescentes de quilombolas Casa Grande organizaram um protesto. Como o restante da população amapaense, eles estavam sem energia elétrica e nenhuma notícia de quando o problema seria resolvido. Revoltas populares explodiram em várias partes, mas em poucas se viu uma reação policial tão desproporcional quanto nesta comunidade. Mais de 13 carros da Polícia Militar e a Tropa de Choque do Bope se locomoveram para acabar com a manifestação das 45 famílias.
O episódio é revelador do descaso das autoridades e do racismo estrutural quando o assunto envolve os povos quilombolas. Naquela ocasião, os moradores obstruíram o tráfego de veículos na rodovia AP-170, que passa pelo meio da localidade, para chamar a atenção da Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA). Eles interromperam o fluxo em dois momentos. No primeiro, às 14 horas, policiais chegaram e convenceram os moradores a liberarem a pista com a promessa de conseguir um carro-pipa rapidamente. Às 16 horas, sem resposta da CEA, nem carro-pipa, eles voltaram a bloquear a rodovia, dando início a uma situação que fugiu do controle.
Pessoas que queriam ir de Macapá para outros municípios se revoltaram com o bloqueio da rodovia e passaram a agredir os moradores quilombolas. O marido de Tais Chagas, moradora da Casa Grande, teve a cabeça quebrada por uma tora de madeira no meio do confronto. Dentro da comunidade há uma base da Polícia, que agiu rapidamente para prender os quilombolas. “A polícia aqui da base prendeu o rapaz da nossa comunidade em vez de segurar os vândalos que estavam do lado deles (os agressores)”, disse Taís. Diante da injustiça, as mulheres da comunidade se reuniram e resgataram o jovem. “Eles ficaram a favor deles e contra a comunidade mais uma vez.”
Não demorou para que o reforço policial chegasse em peso. Segundo Taís Chagas, a força policial veio determinada a pôr um fim na manifestação. “O senhor governador Waldez Góes mandou a equipe de choque do Bope, a mais pesada, como se a gente fosse bandido. Só que a gente não é bandido, ficamos até nove horas da noite e aqui não veio um carro da CEA”, disse. Um carro do Corpo de Bombeiros foi até o local para apagar o fogo do protesto, enquanto a comunidade inteira estava sem água.
Distante a 25 quilômetros da capital Macapá, a comunidade de remanescentes de quilombolas Casa Grande não conta com unidade básica de saúde, não possui escola, nem transporte público, mas tem um posto policial para abrigar uma guarnição da Polícia Militar. De acordo com o morador Pedro da Silva, esses policiais têm impedido até os quilombolas de pescar. “Essa terra não é deles, mas a gente tem que passar pela área da base para ir pescar. Nós somos moradores daqui, filhos da terra.”
A iluminação pública é tão precária que os moradores da Casa Grande têm se apressado para fazer os consertos por conta própria. Foi o que aconteceu em 10 de novembro, quando a equipe da Amazônia Real voltou a visitar a comunidade. Ou eles consertavam o poste, correndo risco de acontecer algum acidente, ou o rodízio de energia para minimizar os efeitos do apagão teria sido inútil. A Assessoria de Imprensa da CEA informou que havia encaminhado essa demanda para o setor operacional e estava aguardando uma resposta.
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Fonte: Amazônia Real
(*) Rayane Penha é jornalista e realizadora audiovisual amapaense, criadora e produtora executiva da produtora Catraia. É uma das idealizadoras e realizadora do Cine Catraia – projeto de cine clube itinerante no Arquipélago do Bailique, no Amapá. Também é coordenadora de comunicação do coletivo Utopia Negra Amapaense e representante do audiovisual no Conselho de Cultura Municipal