Personalidades exigem justiça contra morte de homem negro no Carrefour

Porto Alegre e o Brasil amanheceram de luto, no dia da Consciência Negra, pelo assassinato brutal de João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, por funcionário de unidade do Carrefour na capital gaúcha. As reações de indignação na política cobram respostas concretas da sociedade.

Homenagem da Torcida Os Farrapos, do E.C. São José, da qual participava a vítima

Em pleno processo eleitoral de Porto Alegre, às vésperas do Dia da Consciência Negra, os brasileiros foram confrontadas com as imagens brutais do vídeo de um assassinato dentro das instalações de um supermercado Carrefour do bairro Passo D´Areia. Informações preliminares apontam que um dos agressores é segurança do local e o outro é um policial militar temporário que fazia compras no local. A vítima, o soldador João Alberto Silveira Freitas, tinha 40 anos e deixou a mulher e uma enteada.

As reações foram imediatas. A candidata a prefeita pelo PCdoB à prefeitura de Porto Alegre, Manuela D’Ávila, afirmou que é preciso encarar o racismo de frente:

“Estava no debate da Band e na saída soube do assassinato de um homem negro pela abordagem violenta dos seguranças do estacionamento do Carrefour. Sei que já há pedido de investigação sendo feito por parlamentares e pela bancada antirracista recém eleita. Mas as imagens dizem muito. O racismo que estrutura as relações de nossa sociedade precisa ser enfrentado. As mulheres e homens brancos precisam assumir a sua responsabilidade na luta antirracista. Quantos Betos? Qual pessoa branca você viu ser vítima dessa violência?”, disse ela, complementando com a hashtag #VidasNegrasImportam

Sebastião Melo (MDB), que está no segundo turno contra Manuela pela prefeitura de Porto Alegre, também se manifestou. Ambos estavam no debate organizado pela TV Bandeirantes no momento do crime. “Acabo de saber da morte de um homem negro por seguranças do Carrefour da zona norte aqui de Porto Alegre. Um absurdo! As cenas são chocantes. Justamente no dia Nacional de luta contra o racismo. Medidas rigorosas devem ser tomadas imediatamente!”

A bancada negra, que vai ocupar a Câmara de Vereadores de Porto Alegre nos próximos anos, amanheceu em frente ao supermercado cobrando responsabilização e prestando solidariedade à família da vítima.

João Alberto Silveira Freitas e a esposa, Milena Borges Alves; Imagem: Arquivo pessoal.

O ex-presidente Lula  expressou sua preocupação com o racismo no país. “Amanhecemos transtornados com as cenas brutais de agressão contra João Alberto Freitas, um homem negro, espancado até a morte no Carrefour. O racismo é a origem de todos os abismos desse país. É urgente interrompermos esse ciclo”, afirmou em rede social.

A ex-presidenta Dilma Rousseff, residente em Porto Alegre, associou o crime à mentalidade escravocrata no Brasil. Leia o que ela disse:

“O assassinato do jovem negro João Alberto Silveira Freitas, espancado até a morte por seguranças do Carrefour, em Porto Alegre, é revoltante e mostra a persistência da violência escravocrata no Brasil. A história de nosso país está manchada por 350 anos de escravidão e mais 170 anos de violência racista, exclusão da cidadania e profunda desigualdade impostas à majoritária população de negras e negros. O Dia da Consciência Negra é, assim, dia de luto e de luta. Só haverá paz e democracia plena quando o racismo estrutural for enfrentado, punido e destruído e a sociedade aprender que não basta não ser racista, é preciso ser antirracista e lutar contra todas as formas desta discriminação.”

O senador Paulo Paim (PT-RS) garantiu que vai confrontar a direção do Carrefour no Senado e destacou a importância do debate sobre abordagem policial como forma de combater a violência contra pessoas negras. “Em qualquer sistema de segurança no mundo, você não sai matando as pessoas por suspeitas disso ou aquilo. O Brasil vai ter que enfrentar o debate da questão da abordagem das forças de segurança”, completou.

Imagem de vídeo que circula em redes sociais do momento em que homem negro foi espancado até a morte em unidade do Carrefour em Porto Alegre — Foto: Reprodução

Presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado, Paim também afirmou que vai convidar representantes do Carrefour para serem confrontados em videoconferência da comissão nesta sexta-feira. “Já vou pedir para o meu pessoal convidar alguém do Carrefour, para que aproveite esse espaço para dizer o que é isso e o que estão pretendendo fazer daqui para frente”, completou.

Em vídeo nas redes sociais, o governador gaúcho, Eduardo Leite (PSDB), disse que o caso deixa a todos “indignados” pelo “excesso de violência que levou à morte de um cidadão, negro”. “Todas as circunstância em que esse crime aconteceu estão sendo apuradas para que sejam punidos os responsáveis. Os inquéritos policiais estão sendo levados adiante, com muito rigor”, acrescentou. 

Pelo twitter, o vice-governador do Rio Grande do Sul e secretário estadual da Segurança Pública, Ranolfo Vieira Júnior, condenou a ação violenta dentro do supermercado e disse que irá apurar exaustivamente o caso. “Vamos apurar esse fato a sua exaustão, não podemos admitir ações dessa natureza”, afirmou.

“O Dia da Consciência Negra amanheceu com a escandalosa notícia do assassinato bárbaro de um homem negro espancado em um supermercado. O episódio só demonstra que a luta contra o racismo e contra a barbarie está longe de acabar. Racismo é crime! #VidasNegrasImportam.” Este foi o post do ministro do STF, Gilmar Mendes.

A cantora Ludmilla diz que não há o que celebrar no Dia da Consciência Negra. “Queria poder dizer q é uma grande ironia um preto ser espancado até a morte bem às vésperas do dia da consciência negra, mas não. Até quando vamos ter que lutar pra sobreviver como se não fosse um direito, apesar de todos os nossos deveres?”

Do avesso

O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, afirmou nesta sexta-feira (20) que “no Brasil não existe racismo”. Mourão classificou a morte como “lamentável” e disse ver um caso de “segurança totalmente despreparada”.

Questionado pelos jornalistas, repetidas vezes, o vice-presidente negou que o crime possa ter sido motivado por questões raciais. “Não, eu digo para você com toda a tranquilidade: não tem racismo aqui”, repetiu.

Já o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, publicou no Twitter uma menção a Pelé. Na foto, o maior jogador de futebol de todos os tempos aparece ofertando-lhe uma camisa do Santos autografada, o que sugere que a homenagem é a si mesmo. “Obrigado Pelé. Bom dia a todos”, é o comentário seco que acompanha a imagem.

Nem sequer 180 caracteres sobre o assassinato em Porto Alegre, apesar da comoção nacional. A julgar pela manifestação ponderada, delicada e empática do vice-presidente, é melhor que Bolsonaro, que chama vítimas da Covid-19 de maricas, não se manifeste para não causar convulsão social.

Dentro das instalações, envolvendo funcionário

A Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Sul investiga o crime com prisão em flagrante dos dois criminosos. O segurança permanece no Palácio da Polícia de Porto Alegre, enquanto o policial foi encaminhado para um presídio da Brigada Militar (BM).

Na mesma gravação, a chefe de Polícia do Estado do Rio Grande do Sul, delegada Nadine Anflor, diz que os dois homens gravados nas agressões responderão a homicídio triplamente qualificado. “Por asfixia,  por impossibilidade de resistência da vítima”, comentou. Ela admite o crime racial. “A Polícia Civil hoje dá uma resposta a essa intolerância que aconteceu ontem.”

Comandante da Brigada Militar, Rodrigo Mohr Picon, destacou que um policial militar temporário (função exercida por um dos agressores) somente pode realizar funções administrativas e não participativa de policiamento nas ruas. “Ele deve ser retirado da corporação e responder civilmente pelo crime.”

Vídeos compartilhados nas redes sociais mostram parte das agressões e o momento que o cliente é atendido por socorristas. Em uma das gravações, o homem é derrubado e atingido por ao menos 12 socos. Ao fundo, uma pessoa grita “vamos chamar a Brigada (Militar)“.

Uma mulher vestindo uma camisa branca e um crachá, que também seria funcionária do supermercado, aparece ao lado dos agressores, filmando a ação. Ela já foi identificada e será ouvida. Outro registro mostra a vítima desacordada, enquanto há marcas de sangue no chão.

De acordo com o delegado Leandro Bodoia, plantonista da Delegacia de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP), teria havido um desentendimento entre a vítima e os seguranças. Testemunhas disseram que João Alberto fez “gestos agressivos” dentro do supermercado ao passar as compras no caixa. “Não foi nada muito grave”, diz o delegado.

Neste momento, os seguranças foram chamados e o conduziram para fora da loja. Segundo relatos de testemunhas, a esposa da vítima também viu o espancamento, mas foi impedida de intervir, testemunhando a morte do marido. Segundo ele, cerca de outros oito seguranças ficaram no entorno da área, impedindo a aproximação das pessoas que tentavam parar com as agressões.

Há relatos, também, de que motoboys que filmaram a violência tiveram os celulares tomados para não registrar toda a ação. Chocados com a abordagem violenta, testemunhas afirmam ter alertado para o risco de morte, sem serem ouvidas, até Beto parar de respirar, numa técnica de imobilização com o joelho no pescoço, que lembrou o assassinato do americano

George Floyd, morto por policiais neste ano nos Estados Unidos.

Segundo Bodoia, câmeras de segurança mostraram o homem desferindo um soco no segurança. Neste momento teriam começado as agressões. Uma ambulância do Samu foi ao local e tentou reanimá-lo, mas ele não resistiu.

O delegado afirma ainda que nenhuma arma foi usada no crime. A perícia no local foi realizada no fim da noite de quinta-feira. A polícia vai analisar as imagens de câmeras de segurança e de testemunhas e vai colher depoimentos.

O caso foi encaminhado para a 2ª Delegacia de Polícia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DPHPP), sob a responsabilidade da delegada Roberta Bertoldo, que prosseguirá com a investigação dos fatos.

Em nota divulgada na imprensa, o Grupo Carrefour considerou a morte “brutal” e disse que “adotará as medidas cabíveis para responsabilizar os envolvidos”. Afirmou também que vai romper o contrato com a empresa responsável pelos seguranças e que o funcionário que estava no comando da loja durante o crime “será desligado”. O grupo disse ainda que a loja será fechada em respeito à vítima e que dará o “suporte necessário” à família da vítima.

Com informações do Estadão

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