Longe de ser um imitador ou divulgador da música europeia, o compositor soube com sua grandiosidade empregar a síntese de influência e ecletismo em suas criações.
Publicado 18/10/2020 10:14
Em julho de 2014, quando se comemorava 150 anos de nascimento do compositor, pianista, organista e regente cearense Alberto Nepomuceno, o crítico musical João Marcos Coelho, em um artigo para o jornal O Estado de São Paulo, descreveu-o como o mais consistente símbolo de virada de concepção sobre a música brasileira do século 19. Longe de ser um imitador ou divulgador da música europeia, o compositor soube com sua grandiosidade empregar a síntese de influência e ecletismo em suas criações. Maxixe, lundu, polcas, estão presentes na música de Nepomuceno, assim como habanera, tango e polcas, Wagner e Brahms.
O pianista João Vidal, em sua tese de doutorado “Formação germânica de Alberto Nepomuceno: estudos sobre recepção e intertextualidade”, defendida na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, 2011, desmitifica o dístico de que o compositor cearense foi apenas o “precursor” no nacionalismo musical.
Tanto o artigo de João Marcos Coelho quanto a pesquisa acadêmica de Vidal revelam e relevam a importância de inúmeras peças de cunho modernista de Nepomuceno, da dramática a orquestral, de câmara a instrumental, de vocal a sacra, sempre inspiradas nas tradições e caracteres brasileiros, mas ofuscadas pelo lema e estereótipo de caráter nacional.
As homenagens de 2014 foram poucas, considerando a dimensão de Nepomuceno na historiografia da nossa música erudita. Pelo menos, os lançamentos de livros, as palestras, os recitais, os CDs lançados com regravações, tiveram o mérito de não deixar um compositor de tamanha relevância cair no esquecimento de verbetes em enciclopédias.
Um desses discos é “Luz e névoa”, com a pianista Gisele Pires-Mota e o tenor André Vidal. A canção-título teve sua estreia em 1915, na Escola Nacional de Música do Rio de Janeiro, com a interpretação de Marietta Campelo e o autor Alberto Nepomuceno ao piano, que aplaudiriam a beleza de homenagem de Gisele e Vidal.
Noutro viés, e igualmente interessante, a banda cearense Banana Scrait, radicada em São Paulo, lançou o álbum “Giostra”, dividido entre canções próprias e adaptações de composições do maestro. Com delicadas texturas elétricas e arranjos de sopros, rearranjadas para um formato pop, folk e indie rock com pitadas de psicodelia e música clássica, o disco é um belo e solitário tributo ao grande músico conterrâneo, surpreendendo o ouvinte.
Em 1916 Alberto Nepomuceno sofreu um grande desgosto, a anulação arbitrária, por parte do governo, de um concurso na citada Escola Nacional de Música, que ele presidia há mais de dez anos. Em conflito com a instituição, subordinada ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores, o maestro demitiu-se. E afastou-se dos palcos. Estava separado de Walborg Bang, pianista norueguesa, que conheceu em viagem a Europa e casaram-se em 1893 e tiveram quatro filhos. Com dificuldades financeiras e muito adoentado, foi morar na casa do amigo Frederico Nascimento, um violoncelista português, no bairro de Santa Teresa.
Nepomuceno “embranqueceu, tinha o olhar adormecido e os seus amigos viam, aflitos, que caminhava a passos largos para a morte”, conta Luiz Heitor de Azevedo, em seu livro “150 anos de música no Brasil”, página 173, edição de 1956. Os passos chegaram rápido na noite de 16 de outubro de 1920. O também amigo, professor e crítico de música Octavio Bevilacqua, sentado ao seu lado no leito final, emocionou-se ouvindo-o cantar sua última e inconclusa canção composta sobre o poema “A jangada”, do compatrício Juvenal Galeno. Os versos tornaram-se um imperceptível sussurro, substituídos vagarosamente por derradeiros suspiros: “minha jangada de vela / que ventos queres levar? / Tu queres vento de terra, / ou queres vento do mar?” … Tinha 56 anos.
Há 100 anos o compositor Alberto Nepomuceno embarcou em uma jangada. Foi sua última regência “no meio das ondas / nas ondas verdes do mar”.
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