Inflação de agosto foi pior para quem ganha até 5 salários mínimos
Para o economista Marco Rocha, da Unicamp, a elevação de preços de uma forma geral está ligada à alta do dólar, à pandemia e ao fato de o repasse ter ficado represado ao longo do ano.
Publicado 10/09/2020 17:31 | Editado 11/09/2020 00:48
A inflação de agosto medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficou em 0,24%, a mais alta para o mês desde 2016, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O índice que se refere às famílias com rendimento de um a 40 salários mínimos.
O IBGE divulgou também a variação em agosto do Índice de Preços Nacional ao Consumidor (INPC), que se refere a famílias com renda de um a cinco salários mínimos. O INPC avançou 0,36% em agosto, sendo o maior resultado para o mês desde 2012, quando subiu 0,45%.
No caso do IPCA, os itens que mais pesaram para o consumidor foram gasolina e alimentos. Enquanto a gasolina aumentou 3,22%, os gastos com alimentação e bebidas subiram 0,78%.
Os principais itens que influenciaram essa elevação foram o tomate (12,98%), o óleo de soja (9,48%), o leite longa vida (4,84%), as frutas (3,37%) e as carnes (3,33%). Já o arroz, alvo de reclamações da população por ter encarecido muito, subiu 3.08% no mês passado. No entanto, acumula alta de 19,25% no ano.
Houve alta também nas despesas com a casa (grupo habitação), de 0,36%. Os maiores impactos vieram do aluguel residencial (0,32%) e da energia elétrica (0,27%). Vale destacar ainda o aumento nos preços de alguns materiais de construção, como o tijolo (9,32%) e o cimento (5,42%), que já haviam subido em julho (4,13% e 4,04%, respectivamente).
Segundo o IBGE, o que segurou a inflação de agosto pelo IPCA foi a educação (-3,47%), já que várias instituições de ensino passaram a aplicar descontos em suas mensalidades durante o período de isolamento, em razão da suspensão das aulas presenciais.
Alimentação pesa mais para baixa renda
Já no caso do INPC, que é um índice voltado para famílias de menor renda, os produtos alimentícios oneram mais as famílias. Segundo o IBGE, enquanto o peso da alimentação no cálculo do IPCA é 20%, no INPC chega a 22,82%. Por isso, o índice teve uma aceleração maior no mês de agosto e também nos últimos 12 meses – 2,94% contra 2,44% do IPCA.
A inflação dos alimentos pelo INPC ficou em 0,80% em agosto após alta de 0,14% em julho. Já os produtos não alimentícios subiram 0,23% em agosto após elevação de 0,53% no mês anterior.
Pandemia e represamento
Para o economista Marco Rocha, da Unicamp, a elevação de preços de uma forma geral está ligada à alta do dólar, à pandemia e ao fato de o repasse ter ficado represado ao longo do ano.
“Eu tendo a achar que não é consequência da demanda doméstica. O governo tende a explicar [o crescimento da inflação] com auxílio emergencial. Mas tendo a achar que está relacionado ao repasse cambial [ou seja, da elevação do dólar] ao longo do ano. Esses aumentos ficaram represados pela pandemia e, à medida que a demanda está aumentando, o preço vem sendo repassado”, disse.
O dólar influencia na formação dos preços do mercado interno, em alguns casos diretamente – como em se tratando da gasolina, já que os preços da Petrobras passaram a acompanhar o mercado internacional no governo Michel Temer – e em outros de maneira indireta. Quando, por exemplo, há insumos importados na produção ou os custos do transporte aumentam devido ao combustível.
Segundo Rocha, também contribuem questões como as crescentes exportações de arroz e carne. Com o dólar alto, o mercado externo ficou mais atrativo para os produtores. Isto já vem ocorrendo há algum tempo, mas se exacerbou com o momento de crise sanitária.
Para garantir a alimentação de suas populações, países como Índia, Tailândia e Vietnã estão fazendo o que o Brasil deveria ter feito: aumentando seus estoques. “Você tem uma restrição da oferta internacional”, explica Marco Rocha.
Por essa e outras razões, o economista acredita que a solução adotada pelo governo federal, de zerar o imposto de importação do arroz, terá efeitos limitados. “Zerar imposto nesse momento nem sempre dá certo. Os produtores estão recuperando margem [de lucro]. O que provavelmente vai acontecer é que essa redução não vai ser passada ao consumidor. Vai surtir muito pouco efeito no aumento dos preços”, afirma.
Para ele, a situação deve perdurar pelo menos até o fim deste ano, já que a pandemia segue ativa. Além disso, diz, a alta dos preços traz em si um efeito carregamento difícil de combater. “Se você sabe que o arroz vai continuar aumentando, você compra mais. Você estoca. O que você pode ter, se continuar alta de preço persistente, é o começo de um comportamento especulativo, com estoque nas compras. Aí pode acelerar esse processo [inflacionário]”, conclui.