De Olho no Mundo, por Ana Prestes
Um único tema é objeto da análise da cientista política Ana Prestes: as explosões no porto de Beirute, capital do Líbano e suas repercussões.
Publicado 05/08/2020 13:00
O Líbano viveu uma tragédia ontem, 4 de agosto. Eram seis da tarde no país quando uma série de pequenas explosões, seguidas de uma grande explosão, incendiaram o porto da capital, Beirute. Ainda não há um número preciso de mortos, mas toda a imprensa internacional tem divulgado que gira em torno de 100 e ainda vai passar, pois há muitas pessoas soterradas.
O número de feridos está na casa dos 4 mil e de desalojados em 300 mil. Segundo sismólogos libaneses e alemães, a magnitude do impacto foi equivalente a um terremoto de 3.5 na escala Richter. A explosão repercutiu em toda a capital, chegando a causar danos em locais distantes do epicentro, como o aeroporto internacional que está a 9 km do local e teve janelas quebradas.
Pelo menos três hospitais foram danificados e pacientes precisaram ser transferidos. Há notícias de que enfermeiras morreram em serviço. Toda a infraestrutura portuária foi destruída e é por ali que o país recebe, armazena e exporta a grande maioria de seus produtos, como grãos, gás, medicamentos. Um grande galpão com toneladas de grãos foi totalmente destruído. Ao vistoriar a tragédia, o prefeito Jamal Itani descreveu a cidade como uma zona de guerra e disse que a reconstrução custará bilhões. Calcula-se um prejuízo material entre 3 e 5 bilhões de dólares.
O Governador da região metropolitana de Beirute, Marwan Abboud, anunciou que o governo está trabalhando para prover água, comida e abrigo para os desalojados. O Primeiro Ministro Hassan Diab convocou um dia de orações para hoje (5) e o presidente do país, Michel Aoun, convocou a reunião de um gabinete de crise para hoje e pode declarar estado de emergência por duas semanas.
Os países do golfo foram os primeiros a se solidarizar e o Catar enviou hospitais de campanha para aliviar um sistema hospitalar já sobrecarregado anteriormente. Austrália, que ajudou com 2 milhões de dólares, Irã, Índia, e França também estão entre os primeiros a prestar solidariedade, com envio de suprimentos médico-hospitalares e recursos financeiros.
O presidente francês Emmanuel Macron anunciou que viajará a Beirute acompanhado de especialistas em resgate e ajuda humanitária. Também a União Europeia vai enviar especialistas em incêndios e soterramentos, com veículos, cães e equipamentos para localização de vítimas soterradas.
As causas da explosão ainda não estão esclarecidas. A princípio houve comentários sobre um depósito de fogos de artifício, mas investigações iniciais têm ligado a explosão a um estoque de 2750 toneladas de nitrato de amônia (geralmente usado como fertilizante) confiscado e guardado em um galpão na região portuária há seis anos. Por decisão judicial, o material já deveria ter sido exportado ou removido. Há no país um burburinho de omissão e negligência das autoridades públicas quanto ao armazenamento desse material.
-Funcionários do porto serão colocados em prisão domiciliar até o fim das investigações. Segundo notícias da Reuters, serão detidos funcionários que trabalham no setor de armazenamento desde 2014.
Países como EUA e Israel, não oficialmente, mas via imprensa, já plantaram notícias de que a explosão pode ter sido provocada pelo Hezbollah. A tv americana Fox News, chegou ao absurdo de dar uma manchete dizendo que “Explosões em Beirute parecem acidentais, mas as atividades do Hezbollah no porto estão sob escrutínio – o porto é conhecido por estar sob controle não oficial do Hezbollah”.
Por sua vez, o grupo Hezbollah soltou uma nota dizendo que “a trágica catástrofe não tem precedentes e sua devastação tem sérias consequências em vários níveis e exigirá de todos os libaneses e das forças políticas e atores nacionais solidariedade, unidade e ação conjunta para superar os efeitos dessa provação cruel”.
Antes da explosão, o Líbano já vivia uma grave crise política, econômica e sanitária, com a pandemia do novo coronavírus. O final de 2019 e início de 2020 foram de grandes manifestações populares e troca de primeiro ministro. Lembre-se que o poder no Líbano é dividido entre as principais religiões, sendo o presidente cristão maronita, o primeiro ministro muçulmano sunita e o presidente do parlamento muçulmano xiita.
Um dia antes da explosão, no dia 3 de agosto, o ministro de relações exteriores do país, Nassif Hitti, havia renunciado alegando uma grande crise de governança no país. Em sua carta de renúncia, ele também acusou o governo de se afastar demais dos países árabes e se aproximar muito do Irã.
Também dias antes da explosão, o primeiro ministro libanês, Hassan Diab, havia se pronunciado diante da elevação da tensão entre Israel e o Hezbollah, dizendo estar havendo violação da soberania libanesa por parte de Israel no sul do país, região que faz fronteira com o norte de Israel e está bastante tensa nas últimas semanas.
A embaixada do Brasil em Beirute também sofreu as consequências da explosão. Apesar de estar distante do local da explosão, a cerca de 3 km, os vidros da embaixada foram destruídos, mas ninguém foi ferido, pois já não havia mais expediente no local. As casas dos diplomatas também foram atingidas. Segundo a coluna do Jamil Chade, a casa do diplomata brasileiro, Roberto Salone, sofreu danos severos e está destruída. Segundo os moradores, as janelas explodiram e as portas “voaram”. Em outra residência, mas de adido militar brasileiro, também houve danos nas janelas que chegaram a atingir a esposa do oficial, que foi atendida e passa bem.
O Brasil faz parte da Força Tarefa Marítima (FTM) da Missão da ONU no Líbano – UNIFIL – Força Interina das Nações Unidas no Líbano. Militares brasileiros vivem na região. Segundo a Marinha brasileira, a Fragata Independência que faz parte da força tarefa encontrava-se ontem patrulhando a região conhecida como Área de Operações Marítimas a uma distância de 15 km do porto de Beirute e chegou a se aproximar do porto em horário próximo da explosão, mas nenhum militar brasileiro foi ferido e também a embarcação não sofreu danos.
Tanto o governo brasileiro, como organizações da sociedade civil, autoridades, artistas e a população brasileira em geral, manifestaram solidariedade ao povo libanês neste momento difícil.
Veja imagens da explosão e seus efeitos posteriores