Pesquisa mostra desigualdade no acesso ao ensino à distância
Quase 40% dos alunos de escolas públicas não têm computador em casa, 98% acessam a internet pelo celular, e somente 14% das escolas públicas mantém plataforma online para aprendizagem, aponta pesquisa.
Publicado 09/06/2020 23:21
Quase 40% dos alunos de escolas públicas não têm computador, seja de mesa ou portátil, ou tablet, para estudar em casa. É o que revela a décima edição da pesquisa TIC Educação 2019 divulgada, em debate on-line nesta terça-feira (9), pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br). De acordo com a série histórica, desde 2016 há uma queda na presença desses dispositivos nos domicílios brasileiros. A pesquisa, que coletou os dados entre agosto e dezembro do ano passado, indica também que, nas escolas particulares, o percentual de alunos que não possuem computadores ou tablets em casa é de 9%.
O gerente do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), Alexandre Barbosa, afirma que as informações sobre a infraestrutura tecnológica e o acesso à internet pelos estudantes das escolas públicas e privadas, em áreas urbanas e rurais, revelam as desigualdades que se refletem na educação durante a pandemia. Com a suspensão das aulas presenciais e a decisão de manter o calendário letivo via ensino remoto, o estudo aponta para as enormes dificuldades de uma parcela alta dos estudantes, sobretudo os da rede pública, que ficam excluídos da possibilidade do ensino à distância.
As condições de conectividade dos estudantes também são limitadas, já que quase a totalidade (98%) acessam a internet e as “aulas” preferencialmente pelo celular, já que os computadores são inadequados ou insuficientes. Pelo menos 18% fazem uso da internet exclusivamente pelo celular. O uso da internet para pesquisas ou leituras é maior conforme avança a idade dos estudantes, mostra a pesquisa.
O uso do telefone móvel mostrou destaque nas regiões Norte, com 26% dos alunos que se conectam exclusivamente pelo aparelho, e Nordeste, com 25%. No total, considerando as escolas públicas de todas as regiões do país, 21% dos alunos têm o celular como única ferramenta para prosseguir seus estudos em tempos de isolamento e pandemia.
Escolas despreparadas
De 2014 até 2019, o estudo indica que quase a totalidade das escolas brasileiras em regiões urbanas já ofereciam ao menos um e-mail institucional. A série também chama atenção para o uso crescente das escolas de um perfil ou página em redes sociais – nas escolas públicas, a prática passou de 46% para 73% das instituições naquele período. E nas particulares, o total de escolas com página ou perfil em alguma rede social foi de 67% para 94%.
Contudo, as escolas públicas ficam bem atrás quando o critério é o de criar uma plataforma on-line de aprendizagem. Até o final do ano passado, 64% das instituições particulares mantinham um ambiente virtual que permitisse atividades de ensino a distância, enquanto que nas instituições públicas, essa ferramenta era encontrada em apenas 28% das escolas localizadas em áreas urbanas.
Educação via WhatsApp
A falta dessas plataformas na escola pública, situação que não dá sinais de se alterar, faz com que a tendência seja de que os conteúdos passem a ser publicados em páginas e perfis das redes sociais, já que o estudo indica que cerca de 50% dos professores já compartilham suas aulas na internet. Além disso, entre 60% a 80% dos estudantes em contexto urbano reportavam o uso das tecnologias para realização de trabalhos.
No mesmo período, uma média de 20% a 30% dos alunos declararam usar seus dispositivos para se comunicar com os professores – com o WhatsApp como a principal ferramenta usada. Ao menos 85% deles disseram ter baixado o aplicativo e 61%, que o usavam para tarefas escolares.
“Quando a gente olha para esses dados, por um lado há um ponto de vista positivo, muitos alunos, professores e escolas estavam fazendo o uso de sistemas e plataformas virtuais para troca de conteúdos. Mas a gente verifica também muitas diferenças e desigualdades. Muitas escolas, alunos e professores não estavam preparados para esse momento de ensino remoto”, expõe a coordenadora da pesquisa, Daniela Costa.
Escolas rurais
As desigualdades de acesso às tecnologias como ferramenta de educação curricular são maiores sobretudo nas escolas rurais. De acordo com o estudo, apenas 40% delas possuíam ao menos um computador com acesso à internet. Outras 9%, embora não tivessem computadores, se conectavam por meio de outros dispositivos. No geral, 24% dessas escolas ainda se abriam para a comunidade do entorno fazer uso de seus equipamentos para navegar na internet, o que significa que, com o fechamento das escolas, ficaram sem acesso à internet.
Isso comprova, segundo a pesquisa, que a dificuldade de acesso no meio rural ainda é muito relevante e precisa ser enfrentada. “Nós temos 4,8 milhões de crianças e adolescentes que vivem em lares e domicílios sem acesso à internet. Existe um papel muito relevante das políticas públicas e um papel que pode ser realizado pelas operadoras e empresas de provimento à internet”, sugere Barbosa.
Professores sem formação
Entre outros 180 indicadores levantados pela pesquisa, está a implementação planejada da educação à distância. Teoricamente, a proposta é que o aluno nessa modalidade desenvolva um rol de habilidades, como a capacidade de auto-organização, autonomia e autoria.
O estudo também observa o uso das tecnologias pelos professores e reporta uma série de dificuldades. De acordo com os docentes das escolas urbanas, há problemas na infraestrutura, com a baixa velocidade de conexão à internet, por exemplo, que impede o uso de novos dispositivos pelos alunos.
Entre os docentes de escolas públicas urbanas, apenas 48% disseram ter desenvolvido com os alunos atividades on-line relacionadas a música, vídeos e fotografia; 31% fizeram pesquisas em livros e revistas com os alunos e 15% elaboraram planilhas e gráficos.
“Os dados evidenciam que as atividades mediadas pelas tecnologias em sala de aula estavam mais concentradas na transmissão de conteúdo do que na possibilidade de participação dos alunos nas atividades, principalmente por conta das condições de acesso às tecnologias pelos estudantes e pela carência de oportunidades de formação para os educadores. Com um maior contingente de jovens estudando em casa, medidas para prover conectividade e desenvolver capacidades para a aprendizagem on-line nunca foram tão urgentes e necessárias”, finaliza o gerente do Cetic.br.
Além do que 53% dos professores criticam a ausência de um curso específico para o uso de computador ou da navegação online em salas de aula. Apenas 33% deles disseram ter feito, no ano passado, um curso de formação continuada. Hoje, a principal forma que os professores encontraram para buscar informações são em conversas informais com outros profissionais da educação ou com vídeos e tutorias on-line.
Desafios
A coordenadora da pesquisa reforça que os dados são essenciais para entender as condições dos alunos e como eles estão usufruindo das atividades pedagógicas, uma vez que não há ensino à distância. “O que a gente tem nesse momento é um ensino remoto”, explica Daniela.
“A educação a distância exige um planejamento e uma série de aspectos que devem ser cumpridos para que ela aconteça. As escolas, professores, pais e alunos estão tentando encontrar estratégias para que isso aconteça. Há viabilidade desse ensino acontecer de forma remota. Mas a gente precisa ter atenção às nuances dessas desigualdades entre os alunos para que eles possam fazer uso desses conteúdos e atividades”, alerta.
Coordenador de projetos de pesquisas do Cetic.br, Fábio Senne também alerta que o estudo é um “retrato do que se tinha nas escolas pré-pandemia. O que vai acontecer agora vai depender da capacidade de resposta de cada governo e município. Seja qual for a resposta, a gente sabe pelos dados que a dificuldades vão ser muito maiores, dado que os ambientes virtuais não estavam presentes e vai ser difícil incorporá-los nesse momento”, afirma Senne.