Canais no YouTube que defendem fechar STF receberam verba estatal
Alguns dos donos dos canais e sites são alvo da investigação em andamento no STF que apura a existência de uma rede de divulgação de fake news e de ataques aos ministros da Corte.
Publicado 31/05/2020 12:45 | Editado 31/05/2020 14:19
Canais no YouTube que veiculam notícias falsas, defendem o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF) e pedem uma intervenção militar no Brasil são abastecidos por verbas publicitárias de estatais.
Dados foram levantados pelo jornal O Globo via Lei de Acesso à Informação, e publicados em matéria neste domingo (31). Alguns dos donos dos canais e sites são alvo da investigação em andamento no STF que apura a existência de uma rede de divulgação de fake news e de ataques aos ministros da Corte.
A veiculação dessas publicidades acontecia antes mesmo de Jair Bolsonaro ser eleito, em 2018. Segundo o levantamento, ao todo 28.845 anúncios da Petrobras e da Eletrobras foram veiculados nestes canais entre janeiro de 2017 e julho de 2019, ou seja, antes e durante o governo Bolsonaro.
Uma outra base de dados, da Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência, aponta que 390.714 anúncios do governo federal tiveram como destino 11 sites e canais com o mesmo perfil entre junho e agosto do ano passado. A verba foi destinada para a campanha sobre a Reforma da Previdência.
As estatais e a Secom alegam que não direcionaram as verbas para os veículos, embora seja possível impedir que um determinado canal receba publicidade. Embora o levantamento se restrinja ao período entre 2017 e 2019, a prática continua. Na última semana, o Tribunal de Contas da União mandou suspender campanhas do Banco do Brasil em sites que veiculam notícias falsas.
O banco havia decidido por conta própria bloquear a publicidade ao tomar conhecimento do destinatário, mas decidiu manter os anúncios após protesto do vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro.
O sistema de publicidade digital utilizado por Petrobras e Eletrobras é conhecido como programático. Funciona assim: as empresas definem um público-alvo e contratam agências para executar as campanhas. As agências, por sua vez, repassam a verba das ações para intermediárias, conhecidas no mercado publicitário como “redes de conteúdo”. No caso das estatais, a empresa contratada foi a multinacional Reachlocal, que foi a responsável por pagar o YouTube, que pertence ao Google. A própria plataforma de vídeos distribui anúncios pelos canais de acordo com seu algoritmo que combina elementos como o perfil desejado pelo cliente — a Petrobras e a Eletrobras — e os canais com mais audiência dentro deste perfil.
Entre os blogueiros que receberam verba publicitária da Petrobras e que são investigados pelo STF estão Allan dos Santos, do canal “Terça Livre”, Enzo Leonardo Suzi Momenti, do canal “Enzuh”, e Bernardo Pires Kuster. Os três foram alvos de mandados de busca e apreensão na última quarta-feira. O “Terça Livre”, de Santos, veiculou 3.490 anúncios pagos pela Petrobras. Já o canal de Kuster no YouTube veiculou 3.602 anúncios pagos pela estatal, enquanto o canal de Momenti veiculou 1.192. A Eletrobras também teve propagandas divulgadas nesses três canais. Foram 536 no de Kuster, 398 no “Terça Livre” e 273 no de Momenti.
Canal que mais veiculou anúncios da Petrobras, com 10.027, “O Giro de Notícias” é ancorado pelo youtuber Alberto Silva. Com 1,15 milhão de inscritos, o canal é conhecido por criticar o STF e por defender a intervenção militar. Em sua descrição, o veículo afirma que é “independente” e que “não recebe dinheiro de empresas públicas”.
Intervenção militar
O youtuber faturou em dose dupla com a Eletrobras. Seu canal “O Giro de Notícias” veiculou 2.355 anúncios da estatal. Já seu canal pessoal, “Alberto Silva”, recebeu 1.950. Ambos publicam vídeos com ataques ao STF e defendendo a intervenção militar.
Outros canais que defendem abertamente uma intervenção militar também veicularam anúncios das duas estatais. O “Intervenção Militar Ceará” recebeu por 693 anúncios da Petrobras e 24 da Eletrobras. O “Intervencionistas do Brasil News” recebeu por 101 anúncios da Petrobras e 56 da Eletrobras.
Anúncios da Petrobras também foram parar no canal do YouTube do site “Jornal da Cidade On Line”, que publicou notícias falsas durante as eleições de 2018 e, na última semana, foi alvo da medida do TCU para o bloqueio de comerciais do Banco do Brasil. O caso veio à tona por meio do perfil Sleeping Giants Brasil, especializado em rastrear esse tipo de publicidade. De acordo com os relatórios obtidos pelo GLOBO, a Petrobras pagou por 36 anúncios no “Jornal da Cidade On Line”.
Procuradas, as estatais alegaram que não fizeram indicação direta de quais sites ou canais deveriam receber a verba destinada pela empresa para mídia digital. De acordo com a Petrobras, são os algoritmos das redes de conteúdo contratadas por ela que fazem a distribuição da verba e a companhia disse que utiliza ferramentas “para identificar conteúdos impróprios para a marca”e que, “se durante a campanha houver a constatação de veiculação em canais inadequados, é solicitada a exclusão deles”.
Já a Eletrobras responsabilizou o Google e o YouTube pela veiculação de anúncios pagos pela empresa em canais com esse perfil. A empresa afirma ainda que, após tomar conhecimento dos fatos, deixou de contratar a Reachlocal e de veicular anúncios nas plataformas do YouTube e do Google.
A Reachlocal, por meio de nota, também responsabilizou o YouTube pela distribuição da verba das estatais para os canais mencionados nesta reportagem.
Procurado, o Google, que é dono do YouTube, disse que anunciantes têm mecanismos para impedir a veiculação de em canais que avaliem negativamente.
Fonte: O Globo