Brasília, 60 anos: menos de 40 com democracia, novamente abalada

Hoje, devido ao coronavírus, Brasília celebrará seus 60 anos em silêncio, sem manifestações. Talvez como nos primeiros tempos, quando se construía e se imaginava outro tipo de país.

Pensada ainda no tempo do Império e incluída na Constituição de 1891, a capital federal no Planalto Central só começou a se tornar ideia concreta em 19 de setembro de 1956, quando o presidente Juscelino Kubitschek sancionou a Lei 2.874 depois dos cinco meses de tramitação do Projeto de Lei 1.234 no Congresso. Nesta terça (21), Brasília completa 60 anos, menos de 40 sob regime democrático e com crescimento populacional um tanto caótico: já tem mais de 3 milhões de habitantes e é a terceira capital mais populosa do país.

A jovem capital viveu dias turbulentos praticamente desde o início. Eleito em outubro de 1955 e empossado em janeiro de 1956, JK passou a Presidência em janeiro de 1961 para Jânio Quadros, que renunciou em 25 de agosto, causando convulsão política. Os militares não queriam entregar o poder ao vice-presidente, João Goulart (na época, havia eleições separadas para presidente e vice).

Com o impasse, costurou-se às pressas uma emenda parlamentarista para reduzir a autonomia de Jango, que só conseguiu tomar posse em 7 de setembro. Ele restabeleceu poderes, mas não chegou ao fim do mandato: um golpe o tirou da Presidência, formalmente, em 2 de abril de 1964. O Brasil só voltaria a ter um presidente civil em 15 de março de 1985, quando José Sarney, vice de Tancredo Neves, assumiu (eleito ainda indiretamente, Tancredo morreu sem tomar posse, justamente em 21 de abril daquele ano).

O país passou 29 anos sem eleição direta para presidente – depois de 1960, isso só aconteceu novamente em 1989, quando Fernando Collor de Mello venceu Luiz Inácio Lula da Silva no primeiro turno. De lá para cá, não houve interrupção institucional, embora o atual mandatário, Jair Bolsonaro, defensor do golpe de 1964, costume flertar com tentações autoritárias.

Mar’ de Brasília

Aprovado enfim o projeto de construção da nova capital, até então no Rio de Janeiro, começaram a chegar os trabalhadores. Eles ganharam o apelido de candangos. De acordo com um levantamento, eram, principalmente, goianos, mineiros e baianos, nessa ordem, mas o Planalto passaria a atrair gente de toda parte. Atualmente, Brasília tem sua própria geração: mais da metade dos moradores nasceu na capital do país.

Caso da senadora Leila Barros (PSB), a primeira brasiliense eleita para o cargo. “Brasília permanece com seus encantos, o céu, o acervo arquitetônico, mas cresceu de forma desordenada, um pouco descuidada”, disse à Agência Senado. “Meus pais vieram para Brasília embalados pelos sonhos de JK”, disse Leila, ex-jogadora de vôlei, nascida em 1971, filha de cearenses.

O céu da capital já foi chamado de “o mar de Brasília” pelo urbanista Lúcio Costa. Houve até um pedido de tombamento do céu como patrimônio, uma paisagem cultural do país, em uma área a mil metros acima do nível do mar e cujos edifícios, pelo menos em certas áreas, não poderiam passar de seis andares. As construções criadas por Oscar Niemeyer e erguidas pelos candangos também ocuparam o imaginário nacional. Desde o começo, Brasília coleciona admiradores e críticos.

Origens e desafios

Uma preocupação concreta e comum a todos é em relação ao aumento de sua população. Em 2019, a cidade ultrapassava a marca dos 3 milhões de habitantes, segundo estimativa do IBGE (3.015.268). Em 2010, eram 2,6 milhões. E o instituto projeta uma população de quase 3,8 milhões daqui a 10 anos.

Isso sem considerar o chamado Entorno do Distrito Federal. A Região Integrada de Desenvolvimento (Ride), que inclui as regiões administrativas (conhecidas como cidades-satélite) e municípios goianos e mineiros próximos, tem aproximadamente 4,5 milhões.

Os primeiros tempos foram de dificuldades de todo o tipo, pela falta de logística e infra-estrutura. Na mudança, bem diferentes dos apartamentos funcionais de hoje, muitos deputados não encontraram seus imóveis mobiliados. Um deles chegou a dizer ao relançado Correio Braziliense que, naquele momento, o objeto mais importante do mundo seria um simples colchão.

Memória candanga

As origens também têm histórias trágicas, como a de um dos principais engenheiros da obra, Bernardo Sayão, em uma das frentes para construção da linha Belém-Brasília. Na mata amazônica, parte de uma árvore derrubada cai sobre a barraca onde está Sayão, que morre horas depois, em janeiro de 1959.

Esses 60 anos de Brasília guardam muitas histórias de candangos mortos durante a epopeia. E episódios nebulosos, como o chamado massacre da Pacheco Fernandes, nome de uma construtora, em fevereiro de 1959, no local onde hoje fica a Vila Planalto. Operários protestam contra a comida ruim, há uma confusão, soldados são chamados e um trabalhador morre. Mas a versão oficial até hoje é contestada. Em 1990, foi inaugurado o Museu Vivo da História Candanga.

Naquele mesmo 1959, JK procura a direção do jornal O Estado de S. Paulo e convida para uma visita às obras de Brasília. O periódico é contra a construção. Um grupo viaja, e na volta todos escrevem, entre eles Cláudio Abramo, talvez o único a favor. O texto, chamado “Brasília, flor e bomba”, sai em 21 de junho. Apresentando prós e contras, o jornalista declara-se favorável “no plano irracional”: Como se é a favor de uma flor, de um animal ferido, de uma criança, conclui no texto.

Abertura e rock

Foi um período de crescente industrialização e urbanização do Brasil. Em 1950, 64% da população estava em áreas rurais. Duas décadas depois, os moradores em área urbana eram 56%.

Nos anos 1980, ainda sob ditadura, mas com um crescente momento pela “abertura” política, a capital vê surgir uma geração de bandas que abalaram o marasmo oficial: Legião Urbana (primeiro como Aborto Elétrico), Capital Inicial, Plebe Rude. Uma adolescente carioca, Cássia Eller, começaria ali a soltar sua voz. Em 1987, Brasília tornou-se Patrimônio Cultural da Humanidade.

Brasília cresceu, criou “bairros” dentro do Plano Piloto, como Sudoeste e Noroeste, para tentar driblar o crescimento incessante. Mesmo planejada, passou a conviver com os problemas típicos das metrópoles, como a violência e a desigualdade.

Levantamento de 2018 da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), por exemplo, mostrou que 69% dos entrevistados na área urbana não tinham plano de saúde, 49% frequentavam escola pública e 36% disseram que o meio de transporte mais comum era “a pé”. O rendimento per capita, na média, ficava em torno de R$ 2,5 mil, mas variava, conforme a região, de menos de R$ 600 a mais de R$ 8 mil.

Hoje, devido ao coronavírus, Brasília celebrará seus 60 anos em silêncio, sem manifestações. Talvez como nos primeiros tempos, quando se construía e se imaginava outro tipo de país.

Fonte: Rede Brasil Atual

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