Moraes Moreira (1947 -2020), o “novo baiano” genial

Cantor, compositor, violinista e poeta morreu nesta segunda-feira, aos 72 anos

Moraes, "avoando, sem nunca mais parar"

No começo, eram quatro: Baby Consuelo, Luiz Galvão, Paulinho Boca de Cantor e Moraes Moreira. A eles, aos poucos, somaram-se outros, com destaque para Pepeu Gomes. Já na primeira apresentação, em 1968, no Teatro Vila Velha, de Salvador, o grupo esbanjava entrosamento, versatilidade e carisma. Mas não tinha nome.

Em 1969, vieram a São Paulo para participar do 5º Festival de Música Popular Brasileira, promovido pela TV Record. Como os já célebres baianos Caetano Veloso e Gilberto Gil, habitués de festivais, estavam exilados, o apresentador da Record, Marcos Antônio Riso, mandou chamar ao palco “esses novos baianos”. Pronto! Mesmo malsucedida no festival da emissora paulista, a banda saía de lá involuntariamente batizada!

Mais que formar um conjunto musical, os integrantes pareciam viver numa espécie de comunhão, à margem da ditadura militar brasileira. Foram todos morar juntos no Rio – isso antes de alugarem um sítio em Jacarepaguá para aprofundar a experiência.

Daí brotou, em 1970, o primeiro álbum da banda, Ferro na Boneca, recheado de músicas do tipo “pauleira”. O diretor baiano André Luiz Oliveira, ícone do “cinema marginal”, ajudou a popularizar essas composições originais, ao incluí-las na trilha de seus longa-metragens Meteorango Kid e Caveira My Friend.

Da comunhão dos “novos baianos”, autoexilados no Rio, nasceu também um dos melhores discos de todos os tempos: Acabou Chorare (1972). A faixa de abertura, uma versão inspiradíssima do samba-exaltação Brasil Pandeiro, de Assis Valente – sugestão do cantor e compositor João Gilberto –, iniciava-se com um verso-síntese: “Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor”.

A canção firmava o vínculo dos Novos Baianos com o samba e a brasilidade, depois de tantas e quantas influências do rock, sobretudo da guitarra de Jimi Hendrix. Moraes Moreira e, especialmente, Pepeu Gomes retrabalharam com maestria nos arranjos Brasil Pandeiro, a primeira, única e última música de trabalho do grupo sem autoria própria – e, no entanto, uma das mais emblemáticas. Nasceu ali, já se disse, uma espécie de samba roqueiro.

Responsável desde o início pelas composições, ao lado, sobretudo, do letrista Luiz Galvão – dez anos mais velho –, Moraes Moreira foi fundamental não apenas no estabelecimento dos Novos Baianos. A transição harmoniosa do grupo – do rock para o samba – deve-se, em boa medida, à forma como Moraes tocava seu violão. Antes de Acabou Chorare, o artista baiano batia nas cordas com vigor e rapidez. Depois, no rastro da relação com o conterrâneo João Gilberto, passou a puxar uma corda de cada vez, dando novos significados aos acordes das canções.

Enquanto permaneceu nos Novos Baianos, Moraes Moreira emendou preciosidades, como a composição de Preta Pretinha, talvez a música de maior sucesso comercial do grupo. De resto, canções como A Menina Dança e Besta é Tu sinalizavam uma temporada de músicas mais alegres e dançantes, mas não alienadas, num contraponto quase anárquico aos horrores do regime militar e às letras de protesto da MPB.

Moraes Moreira deixou os Novos Baianos em 1975 e engatou uma produtiva carreira solo, com a impressionante média de um disco lançado a cada dois anos. Na nova fase, o cantor e compositor baiano se dedicou também aos trios elétricos e lançou composições marcantes, como Bloco do PrazerVassourinha ElétricaLá Vem o Brasil Descendo a Ladeira e, em especial, Pombo Correio.

Sua produção foi prejudicada, nos últimos anos, pela fragilização da voz, que, cada vez mais fanha, chegou a ficar irreconhecível em algumas apresentações. Em 2019, num show com o filho, Davi Moraes, no Sesc Pompeia, em São Paulo, o artista admitiu não ter mais o mesmo pique. “Hoje eu me dedico mais à poesia do que à música. Estou passando o bastão para ele (Davi)”, afirmou.

Em 18 de março passado, quando um Brasil sob o desgoverno de Jair Bolsonaro e o início da pandemia de coronavírus parecia estar mesmo “descendo a ladeira”, Moraes Moreira postou, no Instagram, o poema Quarentena – talvez sua última criação. Entre outros versos e a cobrança de “respostas sobre as nossas Marielles”, ele, isolado, anotava: “Eu tenho medo do excesso / Que seja em qualquer sentido / Mas também do retrocesso / Que por aí escondido”.

Antônio Carlos Moraes Pires, o Moraes Moreira – que nasceu na pequena cidade baiana de Ituaçu, em 1947 – morreu dormindo nesta segunda-feira (13), aos 72 anos, em sua casa no Rio de Janeiro, aparentemente de causas naturais. Era cantor, compositor, violinista e poeta. Foi, acima de tudo, um “novo baiano” genial!

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Um comentario para "Moraes Moreira (1947 -2020), o “novo baiano” genial"

  1. Ribinha Corrêa disse:

    O que dizer de Caetano Veloso, Moraes Moreira,…simplesmente geniais!!!!

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