A elite do Partido Democrata quer roubar a indicação de Sanders
O senador Bernie Sanders é agora o principal candidato à indicação presidencial pelo Partido Democrata.
Publicado 25/02/2020 18:50 | Editado 25/02/2020 18:51
O debate de quarta-feira (19) confirmou: as elites democratas querem roubar a indicação de Bernie Sanders na convenção deste verão, que ocorrerá em Milwaukee, para indicar o candidato do Partido Democrata à presidência da República. Mesmo que Sanders tenha o maior número de delegados, nenhum outro candidato levantará um dedo em sua defesa. É preciso um plano para detê-los.
O senador Bernie Sanders é agora o principal candidato à indicação presidencial pelo Partido Democrata. Este momento coroa quatro anos de progresso histórico para os socialistas, incluindo a eleição da socialista Alexandria Ocasio-Cortez (AOC) para o Congresso e dezenas de socialistas para assembléias estaduais e locais, e a integração de demandas radicais, do Medicare for All à abolição do ICE [a agência que cuida da imigração e deportação dos migrantes ilegais nos EUA – Nota da Redação]. A maioria dessas vitórias eleitorais seguiu a estratégia de Sanders de desafiar nas urnas o establishment do Partido Democrata, para grande frustração das elites do partido.
Sanders pode estar a caminho de ganhar a indicação democrata, ou ainda pode perder para o establishment do partido, mas os socialistas e seus apoiadores devem se preparar para a possibilidade concreta de que a elite do partido tente roubar a indicação dele, mesmo que tenha uma liderança decisiva sobre os demais. Essa intenção ficou clara no debate democrata da noite de quarta-feira (19), quando todos os candidatos presentes, com exceção de Sanders, se recusaram a aceitar que aquele com maior número de delegados deveria vencer.
Se Sanders for à convenção de julho com uma pluralidade mas sem maioria (no momento em que este artigo ficou pronto, era prevista uma chance de 41%), o voto da indicação ficará para o segundo turno, quando parte dos 3.979 delegados da convenção terá liberdade para indicar quem quuiser – e os 771 super-delegados (congressistas, governadores e altos fucionáios do partido)poderão votar. Embora o establishment democrata não tenha como deter uma vitória socialista em uma primária, uma aliança entre delegados de outros candidatos e super-delegados poderá entregar a indicação a um candidato alternativo.
Os super-delegados são uma seção transversal do establishment democrata. Eles são senadores, deputados, governadores, deputados estaduais, funcionários do partidos, agentes e líderes sindicais.
Muitas dessas figuras do establishment passaram cinco anos montando os mesmos velhos ataques a Sanders – ele é um homem idoso e branco, não é um democrata “real”, está muito longe para ser elegível ou, nas palavras de Hillary Clinton, “ninguém gosta dele”.
Esses argumentos, que não convenceram os eleitores democratas, escondem a verdadeira razão pela qual Sanders tem uma oposição tão forte dessa camada de líderes partidários.
A realidade é que o establishment democrata tentará usar suas alavancas de poder para barrar Bernie – ou seja, uma intervenção de segundo turno dos super-delegados – porque ele é um socialista democrata declarado que rejeita as doações empresariais, que são contrários à saúde pública, etc.. E quer um plano tributário que mudará drasticamente a distribuição da riqueza nos EUA. Para os ricos doadores que moldam as prioridades do Partido Democrata, e os funcionários e agentes cujas carreiras progrediram de mãos dadas com esses doadores, Bernie representa uma ameaça existencial ao seu modelo de negócios e de política.
Caso a convenção de Milwaukee seja contestada ou roubada, provavelmente ressurgirá a estratégia “DemExit”, uma tentativa, em 2016, de formar um novo partido, separando os partidários de Sanders do Partido Democrata. Sem uma via clara para suplantar qualquer um dos dois principais partidos [Democrata e Republicano – NdaR], o DemExit corre o risco de entregar as eleições para o Partido Republicano.
Além disso, DemExit leva o movimento social deixado de fora em uma disputa interna pelo poder que agora parece estar ganhando. A campanha e a coalizão de Sanders representam a maior ameaça ao poder empresarial no partido desde a virada decisiva para o neoliberalismo na década de 1970. Ninguém dará um suspiro maior de alívio do que o establishment do partido se o movimento por trás de Sanders fizer a mala e voltar para casa.
Outra resposta a uma convenção que pode ser contestada ou roubada será mais um impulso à reforma interna dos procedimentos de indicação do Partido Democrata. Desde 1968, os progressistas tiveram sucesso em mudanças democratas, e é somente graças a essas reformas após a convenção de 2016 que os super-delegados não podem mais votar no primeiro turno. Mas o movimento por trás de Sanders deve ser muito cuidadoso e voltar a atenção nessa direção. O eleitor médio tem pouca contribuição sobre essas reformas, que são inerentemente o produto das negociações internas ao partido. Negociações sem fim sobre minúcias processuais minarão o ímpeto do movimento pró-Sanders.
Em vez do beco sem saída do DemExit ou da luta potencialmente desmobilizadora em torno da reforma do partido, a esquerda precisa de uma estratégia que mantenha a base pró- Sanders unificada e mobilizada em torno de suas principais bandeiras. Precisa de um plano com chance de superar a oposição dos super-delegados na convenção, que mantenha as elites partidárias como principal alvo dentro do partido e que aponte um caminho a seguir depois de julho – ganhe ou perca.
Uma coalizão de organizações nacionais já foi formada para apoiar Bernie. A Socialistas Democratas da América uniu-se entre outros ao Center for Popular Democracy Action (Centro de Ação Popular pela Democracia), People’s Action (Ação popular), Sunrise People (Nascer do Sol), Make the Road (Faça o Caminho), e Dream Defenders (Defensores do Sonho – traduções livres – NdaR) para construir um forte movimento para impulsionar a mudança política. Como organizações do movimento social por trás de Sanders, é preciso uma estratégia compartilhada no caso de uma convenção contestada.
Claro, é essencial também levar a luta para as ruas. Imagine-se a crise nos escalões superiores do Partido Democrata quando organizações se unem para interromper os “negócios como de costume”, em Washington ou nas capitais estaduais na preparação para um protesto em massa de 100.000 na própria convenção, para exigir um resultado democrático.
Se os super-delegados votarem em julho contra a mudança política, eles devem ter a absoluta certeza de que a classe trabalhadora organizada usará a desobediência civil, protestos em massa e desafios primários nas eleições para removê-los do cargo. Na pior das hipóteses, onde eles conseguirem barrar Sanders, haverá um plano para levar milhões de eleitores à guerra contra a elite do Partido Democrata.
Embora as elites do partido tenham recursos e alavancas anti-democráticas de poder, seu número é pequeno. Com um plano, organização e um movimento de massas, a vitória em julho é possível,e ta,bém em novembro. E o início de uma próxima fase da luta para transformar a democracia nos EUA.
(*) Sam Lewis é um sindicalista e membro dos Socialistas Democratas da América. / Beth Huang faz parte dos Socialistas Democratas da América em Boston.
Fonte: Jabobin; tradução, adaptação e seleção de trechos: José Carlos Ruy.