Carnaval, um “soft power” da Economia Criativa

Fenômeno tipicamente urbano, a força do carnaval é tão grande que moldou intervenções no desenho das cidades, caso do Rio e de São Paulo com os sambódromos, e a adaptação forçada de bairros inteiros à folia, caso de Salvador.

Foto: Divulgação

Explosão programada de alegrias, fantasias de verdade e psicanalíticas, sensualidade de rainhas, beleza e elegância de porta-bandeiras. Ilusões democráticas de igualdade com brancos ricos e negros pobres dançando nas ruas, o carnaval convive também com transgressões. Homens fantasiados de mulheres, inebriantes lança-perfumes, álcool à vontade e sempre, pouca cannabis, gays se beijando e se abraçando nas ruas, momentos de intensa liberdade.

Desde os entrudos iniciais dos meados do século XVIII até o século XXI passou por uma intrigante metamorfose. As ruas, os clubes, os carros alegóricos, novamente as ruas, os palcos físicos, as deslumbrantes escolas de samba por todo o país e depois concentradas e agigantadas no Rio de Janeiro, os trios elétricos levando de volta às ruas, depois os blocos com cordas, os camarotes, e agora novamente a explosão das ruas no Rio, São Paulo, Recife, Belo Horizonte e outras capitais, além de Salvador, claro!

Fenômeno tipicamente urbano, a força do carnaval é tão grande que moldou intervenções no desenho das cidades, caso do Rio e de São Paulo com os sambódromos, e a adaptação forçada de bairros inteiros à folia, caso de Salvador.

Como não poderia deixar de ser, transformou-se também num grande negócio que acompanhou a evolução tecnológica, tanto no plano da economia da cultura, como no terreno da economia tradicional. E mesmo nos espaços físicos com a organização da festa, hoje com internet e inteligência artificial, é o maior arranjo produtivo da Economia Criativa na área do entretenimento.

Em 2016 a revista norte-americana Time, numa grande reportagem classificava o carnaval do Rio de Janeiro como “a maior festa popular do mundo”.

Antes disso o professor Luiz Carlos Prestes Filho publicou um extenso estudo sobre a cadeia produtiva do carnaval que ele mesmo definiria como um “soft power” do Brasil. Ou seja, um ponto de força, diferenciador, da economia da cultura, um “leve poder” na tradução literal.

Agora, em 2020, a Confederação Nacional do Turismo (CNC) diz que o carnaval de 2020 deverá movimentar 8 bilhões de reais. Só isso já representa aproximadamente 0,12% do PIB nacional que é de R$ 6,9 trilhões. Ocorre que a CNC refere-se apenas a algumas atividades diretas do turismo como bares e restaurantes (R$ 4,8 bilhões), transporte aéreo, rodoviário e em alugueis de veículos (R$ 1,3 bilhão) hospedagem em hotéis e pousadas (R$ 863 milhões).
O levantamento da CNC registra apenas 25,4 milhões de empregos temporários.

Nesse Brasil de desempregados, desaceleração econômica e queda na produção industrial são até números bem significativos.

Não que esses números estejam errados, se considerarmos o “stricto sensu” da pesquisa realizada, mas com certeza o carnaval representa muito mais se levarmos em conta todos os elos de sua cadeia produtiva. Dos direitos autorais sobre música aos vendedores ambulantes com seus isopores. Dos designers de alegorias às costureiras e aos fabricantes de adereços. Do setor de alimentação familiar, aos food trucks. Dos motoristas de UBER e demais aplicativos de transporte, os milhares de técnicos e profissionais de montagem de palcos. Dos técnicos em som e iluminação aos contratos com o pessoal de apoio dos órgãos públicos. Do pessoal de serviços gerais contratados pelos camarotes privados e oficinas, às atividades de comunicação (vídeos, podcasts, jornalismo). Da publicidade em outdoor, tv e rádio, ao comércio de roupas, sapatos e tênis em shoppings. Dos supermercados aos serviços de hospedagem fora de hotéis e pousadas. Fora o incremento industrial nas áreas de bebidas, informática, têxtil, cosméticos, instrumentos musicais e editorial.

Tanto que os R$8 bilhões calculados pela CNC se contradizem com os números apresentados pelos estados e municípios onde se concentram os maiores carnavais. Enquanto a CNC diz que o carnaval da Bahia representa R$ 1,13 bilhão, o secretário de Cultura e Turismo de Salvador, diz que no carnaval de 2019 a cidade movimentou R$ 1,8 bilhão, e que criou 250 mil empregos temporários contra os 24 mil da pesquisa nacional.

Leia também: Carnaval confirma importância da cultura para a economia

Em São Paulo a prefeitura também calcula uma movimentação de 5,1 bilhão contra o 1,95 bilhão calculados pela CNC.

É evidente que podemos estar diante de exageros de números superdimensionados pelos governos estaduais e municipais, situação que só seria sanada se o IBGE resolvesse realizar uma “conta-satélite” (contagem especifica de um setor) para o turismo e a cultura, posto que são atividades que se sobrepõem com os levantamentos setoriais (indústrias, serviços e comércio). O turismo e a cultura são transversais a vários outros setores da economia.
Infelizmente, porém, o carnaval é também uma reafirmação da desigualdade social. Centenas de milhares de trabalhadores no desespero da informalidade e dormindo nas ruas por vários dias para garantir um ponto de venda de cerveja.

Catadores de latinha, vendedores de adereços, cordeiros disputando uma vaga para garantir a segurança dos que estão dentro dos blocos. Criança de 13 ou 14 anos tentando bater carteiras ou se prostituir.
Embora tudo isso não vá “se acabar na quarta-feira”.

Fonte: Socialismo Criativo

Autor