Bolsonaro impõe restrições para eleição de reitor em universidades
Palavra final para preencher cargo fica com o presidente da República, independente de ser o mais votado pela comunidade acadêmica.
Publicado 25/12/2019 20:05 | Editado 26/12/2019 13:16
Nessa véspera de Natal, o presidente Jair Bolsonaro assinou medida publicada no Diário Oficial da União em que impõe novas regras sobre a escolha de reitores das universidades e institutos federais.
A Medida Provisória (MP) Nº 914 determina que todos os reitores sejam escolhidos através de consulta à comunidade acadêmica, preferencialmente, de forma eletrônica. Fica extinta a paridade entre professores, técnicos-administrativos e estudantes, praticada em diversas instituições, fica determinado o peso de 70%, 15% e 15%, respectivamente.
Atualmente, o reitor já é escolhido pelo corpo de professores das universidades, por meio de uma votação de uma lista tríplice. O mais votado dessa lista costuma ter seu nome sancionado pelo presidente, para um mandato de quatro anos. A MP 914, no entanto, fixa a regra de que o presidente poderá, a seu critério, escolher qualquer um dos três nomes que compuserem a lista tríplice indicada pela universidade. A regra também será aplicada a institutos federais de ensino.
Apenas docentes das classes D e E poderão ser candidatos. Ocupantes de cargos em comissão e funções gratificadas, quando tiverem a candidatura homologada, ficam automaticamente afastados e com os vencimentos, referentes ao cargo ou função, cortados.
A má qualidade da técnica de redação legislativa do texto deixou dúbia a possibilidade de reeleição de reitores. Diz o texto: “O reitor e aquele que o houver sucedido ou substituído no curso do mandato por mais de um ano não poderá ser nomeado para mais de um período sucessivo”.
Os Conselhos Universitários passam a ter papel reduzido, já que a lista tríplice a ser enviada ao Presidente da República será composta pelos três primeiros colocados, cabendo ao órgão apenas homologar o resultado da consulta.
Bolsonaro já tem ignorado os nomes vitoriosos de listas tríplices apresentadas por universidades, o que tem sido criticado pela comunidade acadêmica. Em agosto, por exemplo, o presidente nomeou o terceiro colocado na lista tríplice para reitor da Universidade Federal do Ceará (UFC). No processo de consulta à comunidade acadêmica, o professor de Direito e advogado criminalista Cândido Albuquerque, de 62 anos, obteve apenas 610 votos (4,61% do total de votantes), enquanto o primeiro colocado obteve 7.772 votos.
O Ministério da Educação deverá divulgar quais serão os critérios exigidos para “assegurar a integridade, a confidencialidade e a autenticidade dos processos de votação eletrônica” em cada votação.
Discordâncias
Dirigentes de entidades sindicais criticaram a edição da medida provisória.
“A atual forma, herdeira dos anos FHC, já cerceavam os conselhos universitários mais do que nos anos da ditadura, ao impor o modo como deveriam ser compostas as listas. Agora, a intervenção atenta ainda mais contra um dos princípios mais caros da instituição: a direção colegiada. É de uma violência sem paralelo na história das universidades brasileiras”, afirmou Eleonora Ziller, presidente da ADUFRJ (Associação de Docentes da UFRJ).
A medida provisória também acaba com a eleição para diretores de unidade e diretores-gerais de campi. Determinando que a escolha e a nomeação sejam realizadas diretamente pelo reitor.
O presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Iago Montalvão, por meio das suas redes sociais criticou tal medida. “Bolsonaro não dá um segundo de paz. Esperou o povo estar nas festas de Natal para na surdina editar uma Medida Provisória que reduz a democracia nas universidades. Alterou a forma de consulta para reitores nas UFs e IFs, reduzindo peso do voto de estudantes e técnicos”, ressaltou.
Para ele, é óbvio que o presidente Jair Bolsonaro sempre irá indicar o nome que lhe for mais conveniente, que tenha aproximação ideológica, mesmo que tenha sido o candidato perdedor, até mesmo em terceiro lugar. “Um completo retrocesso à democracia. Autoritarismo institucionalizado”, retrucou Iago.
Para o presidente da UNE, a medida é um retrocesso. “Em um momento em que as universidades avançavam em um modelo de voto paritário entre docentes, discentes e técnicos, agora por mais uma Medida Provisória impositiva Estudantes e Técnicos terão 15% de peso na consulta, enquanto professores terão 70%”, informa.
Na mesma linha, Carlos Alberto Marques, presidente da APUFSC (Associação de Docentes da UFSC) critica o momento que é publicado o decreto. “É lamentável que o Presidente da República escolha uma data festiva tão importante para milhões de pessoas, para tratar unilateralmente de um assunto tão relevante como são as universidades” afirmou.
Marques vê também “uma concentração de poder nas mãos dos reitores e consequentemente do Presidente, já que é ele quem nomeia”.
Para Flávio Alves da Silva, presidente da ADUFG (Sindicato dos Docentes da UFG), a edição da MP “é com certeza mais um ataque à autonomia universitária”. Para ele já existem discussões no Congresso Nacional, como o PL 4992/2019 que regulamenta o artigo 207 da Constituição Federal que trata da autonomia universitária, “acredito que a escolha de dirigentes pode ser melhor regulamentada através desse PL”.
As medidas provisórias tem força de lei, mas precisam ser aprovadas pelo Congresso Nacional. Seu prazo de vigência é de sessenta dias, prorrogáveis uma vez por igual período. Se não for aprovada no prazo de 45 dias, contados da sua publicação, a MP tranca a pauta de votações da Casa em que se encontrar (Câmara ou Senado) até que seja votada.
Com informações do jornal O Estado de S. Paulo