Imprensa pra que te quero
Seguem os ataques de Jair Bolsonaro a imprensa cada vez mais ameaçadores e violentos, os alvos preferidos do Presidente são o jornal Folha de S. Paulo e o Grupo Globo. A chamada grande imprensa brasileira, que alimentou o ódio contra a política com os ataques irresponsáveis ao PT, colhe os frutos do fascismo.
Publicado 05/11/2019 16:06
Dia após dia, como afirma O Globo em seu editorial (05/11/19), vão acabando as ilusões democráticas com Bolsonaro. O capitão e sua turma desferem ataques a imprensa, oposição e instituições. A turma do deixa disso parece estar realmente preocupada agora que a água bateu na bunda, as elites políticas e econômicas parecem ter desistido do plano de domar o projeto fascista.
A chamada grande mídia abriu o caminho para a ascensão da extrema-direita. Desde 2014 um fator foi imprescindível para o aprofundamento da crise política brasileira, a Operação Lava-Jato e o seu conluio com a imprensa.
Segundo Júnior, Barbabela e Bachini no trabalho “A Lava-Jato e a Mídia” (2018), com a Lava-Jato há uma mudança de paradigma das práticas de escandalização da política encetadas pela mídia: é amenizado o alinhamento direto com as forças político-partidárias ao passo que se adota o pacto mutualista com as instituições do sistema de justiça.
Para os autores no Brasil a mídia não segue necessariamente o imperativo mercadológico na escandalização da cobertura política, ou seja, não divulgam os escândalos na lógica do que vende mais. No Brasil pelo contrário a grande mídia tem mostrado repetidas vezes um comportamento ativo e seletivamente politizado sem necessariamente “vender mais”.
Os escândalos de corrupção na grande mídia brasileira não são novidades e antes se limitavam aos períodos eleitorais, sendo os dois casos atípicos no impeachment de Collor em 1992 e no que ficou conhecido como Mensalão em 2005, sendo nesse caso o enquadramento fundamental para o novo paradigma de relacionamento da grande mídia com a política. Tal paradigma se define por uma aliança ente a grande mídia e as instituições de justiça contra os poderes eleitos da República: Executivo e Legislativo.(Júnior, Barbabela, Bachini, 2018)
Com a Operação Lava-Jato que essa nova realidade vai atingir níveis dramáticos em relação a sobrevivência do regime democrático.
De acordo com Júnior, Barbabela, Bachini (2018), em levantamento feito nos dados do Manchetômetro, quase 20% de todo conteúdo da grande mídia no período de 2014 a 2017 foram relativos a operação Lava-Jato, sendo majoritariamente contrários ao Governo Federal, neutros em relação ao Judiciário Federal e o Ministério Público. Em seu pico a cobertura negativa da grande mídia a Operação Lava-Jato em relação ao Governo Federal bate 1.200 textos por mês. Segundo os autores “temos um quadro assombroso do massacre midiático que foi a cobertura da Lava-Jato”.
Ainda em relação as manchetes, Dilma Rousseff é a mais associada aos escândalos da Lava-Jato sendo citada 111 vezes e Lula aparece em segundo lugar com 96 citações. Já Michel Temer aparece em terceiro lugar com 87 menções sendo elas majoritariamente após o vazamento dos áudios de Joesley Batista, um dos sócios da JBS, sugerindo a compra do silêncio de Eduardo Cunha. No âmbito dos partidos o PT lidera as citações aparecendo 3,5 vezes mais que o PMDB, sendo 64 e 18 citações respectivamente. O PSDB possui somente 5 citações. Isso mostra uma predileção em citar o nome do PT em notícias negativas. (Júnior, Barbadela, Bachini, 2018)
Dado o massacre midiático do pacto mutualista entre a grande mídia e a Operação Lava-Jato, as autoras Baptista e Telles no artigo “Lava-Jato escândalo político e opinião pública” (2018), vão trabalhar com o escândalo Lava-jato e outro acontecimento paralelo: o golpe sofrido pela Presidenta Dilma Rousseff. Para as autoras “os dois casos se imbricam nas opiniões dos cidadãos sobre a política e sobre os atores políticos, em uma relação de escândalo político e percepção da corrupção”.
Para Telles e Baptista (2018), as implicações sobre a percepção da corrupção na opinião pública, podem ser observadas de diversos aspectos, entre eles a conotação negativa dos escândalos de corrupção sobretudo da Operação Lava-jato, podem ser associados a questões políticas como a redução da avaliação positiva do Governo e da confiança na Presidência da República, a redução da legitimidade nas instituições democráticas e representativas, e à drástica diminuição da identificação partidária. As autoras ainda afirmam “que os escândalos de corrupção podem deixar a população mais descrente em relação as instituições políticas, especialmente a classe política e os partidos”.
Todo esse cenário deu a narrativa para a legitimação do golpe em Dilma Rousseff em 2016, a revogação da soberania popular e a chegada ao poder de Michel Temer, que construiu sua base com partidos de oposição ao governo Dilma.
Sob a égide do combate a corrupção a Operação Lava-Jato destruiu a classe política como um todo, e a sua associação perversa com a grande mídia influenciou a opinião pública que passou a desacreditar das instituições políticas representativas.
Esta combinação se mostrou fértil para o crescimento do fascismo. Segundo o sociólogo Jessé Souza em “A elite do atraso: da escravidão a Lava-Jato” (2017) a Operação Lava-Jato foi desde o seu começo uma caça aos petistas e a seu líder maior. Ainda possui uma seletividade da corrupção não apenas do Estado, mas apenas dos partidos de esquerda. Souza diz ainda que “o conluio entre a Lava-Jato e a Rede Globo comandando a grande mídia possui estratégia e alvo seletivo. Tudo descarado, tendo o juiz Sérgio Moro defendido explicitamente que o apoio da mídia seria fundamental para deslegitimar o poder político”.
A Lava-Jato forneceu concretude ao ataque a democracia pelos vazamentos seletivos e ilegais, e a grande mídia canalizou e potencializou a percepção da corrupção, dando uma cobertura jamais antes vista ao escândalo de corrupção com viés de associação a Dilma, Lula e ao PT.
A crise política brasileira que resultou na eleição de Jair Bolsonaro – líder da extrema-direita – não pode ser vista de maneira isolada, mas sim como uma combinação de fatores que levaram a destruição do sistema partidário – tendo a mídia grande parcela de responsabilidade – abrindo espaço para outsiders e aventureiros de todas as espécies com discursos antidemocráticos que foram eleitos sufragados pela democracia,
Jornais como a Folha chegaram a recomendar que seus profissionais não usassem a expressão extrema-direita para se referir ao então candidato Jair Bolsonaro, o jornal Estadão publicou um editorial as vésperas da eleição de título “Uma escolha difícil” aonde comparava o candidato do PT Fernando Haddad com Jair Bolsonaro do PSL, como se fossem equivalentes em seus potenciais riscos para o país.
Agora Bolsonaro ataca a mesma imprensa que contribuiu para a sua chegada ao poder, promete não renovar a concessão pública da Rede Globo, provoca empresas que o apoiaram para não veicularem propagandas em veículos que considera seus inimigos diretos, suspende assinaturas do Governo Federal a jornais que não lhe agradam e aponta os alvos para a sua milícia virtual tratorar nas redes jornalistas, colunistas e todo o tipo de profissional de imprensa.
Antes de Globo, Folha e demais veículos de imprensa reafirmarem seus valores democráticos contra o governo fascista de Bolsonaro, deveriam pensar os seus respectivos papéis no ataque as instituições políticas e a democracia no passado recente. A Globo apoiou a Ditadura Militar e veio fazer mea-culpa quase 50 anos depois. O erro de normalizar Bolsonaro para seguir com a agenda neoliberal e a retirada de direitos dos trabalhadores, custará mais uma vez caro demais, para o povo e para a própria democracia.
Referências:
FERES Júnior, João; BARBABELA, Eduardo; BACHINI, Natasha. A Lava-Jato e a mídia. In KERCHE, Fábio; FERES Júnior, João; et al. Operação Lava Jato e a democracia brasileira. São Paulo: Editora Contracorrente, pag.199-228, 2018.
BAPTISTA Anita, Érica; TELLES de Souza, Mara. Lava Jato: escândalo político e opinião pública. In KERCHE, Fábio; FERES Júnior, João; et al. Operação Lava Jato e a democracia brasileira. São Paulo: Editora Contracorrente, pag.229-255, 2018.
SOUZA, Jessé. A elite do atraso: da escravidão a Lava-Jato. Rio de Janeiro: Leya, pag.185-234, 2017.