Previdência chilena, modelo para Bolsonaro, é a raiz dos protestos
"Os manifestantes veem que seus pais e avós recebem aposentadorias de miséria, 80% delas abaixo do salário mínimo e 44% da linha de pobreza. Percebem que, dessa forma, não há capacidade de sobreviver dignamente”, diz Andras Uthoff, professor da Faculdade de Economia e Negócios da Universidade do Chile e doutor em Economia pela Universidade de Berkeley, para quem o descontentamento com o sistema de previdência é uma das razões que tem levado milhares às ruas no Chile.
Publicado 21/10/2019 12:21
Em entrevista ao Blog do Sakamoto, do UOL, Andras Uthoff diz que “depois de 40 anos, percebeu-se que o sistema de capitalização individual empobreceu os idosos no Chile.”
Sakamoto lembrou que o exemplo chileno foi usado recorrentemente pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, como inspiração para a Reforma da Previdência.
“Durante a ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990), foi adotado, por lá, o sistema de capitalização (em que cada trabalhador faz individualmente uma poupança), diferente de nosso sistema de repartição (no qual os que estão na ativa ajudam a pagar quem está aposentado)”, diz o blogueiro.
O colunista afirmou que a proposta acabou retirada do Congresso Nacional, mas a ideia segue viva na pauta do governo Bolsonaro, sendo defendida sempre que possível.
"É uma manifestação contra o abuso que tem significado a privatização de serviços públicos com cobranças que a grande maioria não pode pagar, ficando excluída de bons serviços de saúde, educação, transporte, moradia, água, luz, energia", explica Andras, que foi membro de dois conselhos presidenciais para reformas no sistema previdenciário chileno e chefe da Divisão de Desenvolvimento Social da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), em entrevista ao blog.
O professor da Faculdade de Economia diz ainda que há uma relação entre as reclamações de manifestantes por serviços públicos de qualidade e os problemas no sistema de aposentadorias.
Para financiar o custo da transição para o sistema de capitalização foram cortados gastos em saúde, educação, moradia. "A qualidade dos serviços públicos se deteriorou e nunca recuperou níveis de dignidade, como prometido (…) Se alguém quer boa educação e saúde, tem que pagar por esses serviços”, diz o professor.
Questionado sobre o que deve acontecer no país, ele afirmou que “está pendente a identificação de uma liderança firme, que permita canalizar o descontentamento a fim de corrigir os abusos do modelo neoliberal que prevaleceu no Chile, sem sucesso para a grande maioria e benefício de apenas uns poucos”. E resume: "A desigualdade é a ameaça"