O gosto amargo da humilhação, por Haroldo Lima
O governo de Trump acaba de mostrar que governante que não se dá ao respeito não é respeitado. Tratou Bolsonaro com o maior desprezo, desconsiderando olimpicamente as promessas que publicamente lhe fizera há poucos meses, e que provocara saltinhos de contentamento do presidente brasileiro.
Publicado 11/10/2019 08:25
O Brasil, sob Bolsonaro, inaugurou a diplomacia da subalternidade explícita, da bajulação escancarada e das continências ridículas dos lambe-botas. Frente aos Estados Unidos, não faz qualquer esforço para demonstrar sentimento nacional, aspirações próprias, postura independente. Ao contrário, esforça-se por não deixar qualquer dúvida que é um capacho assumido.
Ao chegar à presidência da República, Bolsonaro programou logo uma viagem aos Estados Unidos. Era para dizer que estava aqui para o que der e vier. Não tinha pleitos, queria saber quais os pleitos do Trump. Levou a tiracolo um de seus filhos, um desqualificado em diplomacia que ele queria fazer embaixador nos Estados Unidos. Risonho, achou que Trump viu esta pretensão ridícula como uma grande iniciativa e ficou achando que isto abriria o caminho para Trump indicar também um filho para embaixador no Brasil. Seria a diplomacia das famílias, e bons negócios seriam feitos. Achou que Trump estava achando tudo legal.
E logo veio a proposta do governo americano. O Brasil abriria mão de sua condição de “país emergente” junto à Organização Mundial do Comércio, OMC, e assim deixaria de receber preferências tarifárias que a OMC reserva apenas a esses países, tipo China, Rússia, Índia, os pobretões. O Brasil renunciava a essas vantagens e em compensação os Estados Unidos o encaminhariam para a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, OCDE, que é uma espécie do clube dos ricos.
O Bolsonaro e seu ministro do Exterior, o caricato Ernesto Araújo, e o filho que também estava lá nos Estados Unidos, acharam tudo muito bom, muito certo e oportuno. Gargalhantes, anunciaram para o Brasil o resultado estrondoso da aliança carnal que selaram com os Estados Unidos: o Brasil renunciaria à sua condição de “país emergente” na OMC e abriria mão de ajudas tarifárias no comércio internacional, reservadas a países necessitados, como China e outros do gênero. E ficaria esperando os Estados Unidos lhe conduzirem ao clube dos ricos, que lhe daria status superior.
Nem sete meses foram passados e o governo Trump, com a maior sem-cerimônia, apoia a Argentina e a Romênia para entrarem na OCDE, e não apoia o Brasil.
Os paspalhões que estão à frente da diplomacia brasileira – de tanta tradição, independência e altivez – ficaram estupefatos, não esperavam isto. Eles que bajulam tanto o Trump, que gritaram lá na América do Norte que “Brasil e Estados Unidos acima de tudo”, como serem tão destratados? Por que? E logo a Argentina é que recebe o apoio americano? Justamente ela, que está às vésperas de infringir uma derrota fragorosa à extrema-direita de lá, representada pelo Maurício Macri? E, mais ainda, que está prestes a eleger para a presidência e a vice-presidência da República uma dupla de peronistas de quatro costados, o Alberto Fernandez e a Cristina Kirchner, tudo de esquerda?
Vocacionado para prestar vassalagem ao suserano em qualquer situação, depois de tanta humilhação, é o próprio governo brasileiro que se apressa em explicar porque os Estados Unidos agiram assim, e sai a dizer que o apoio americano continua, apenas que a Argentina e a Romênia estavam mais adiantadas que o Brasil na ida à OCDE. Paulo Guedes, o privatista que disse querer vender até o Palácio do Planalto, afoito para limpar a cara do governo americano, vai logo explicando que o Brasil foi ultrapassado por uma questão de “timing”, mas sua hora chegará. E Bolsonaro: “é que não depende só de Trump”… Nos bastidores comenta-se que um dos problemas surgidos, levantado por outros países da OCDE, foi atinente aos descalabros da política ambiental brasileira, que escandaliza a Europa.
Os fatos reafirmam que, no concerto das Nações, é desprezível o papel de um país que presta vassalagem a outro, como o Brasil tem se portado frente aos Estados Unidos, desde que Bolsonaro assumiu a presidência da República. Com seu ministro esotérico Ernesto Araújo, Bolsonaro reduziu a Chancelaria brasileira a uma sucursal da Cancelaria americana e esta exige e quer subserviência, ausência de pleitos nacionais, mas não lhe dá qualquer atenção.
E assim vai se esboroando as três metas externas mais destacadas do governo Bolsonaro: a entrada na OCDE, prometida e negada pelos Estados Unidos; o acordo comercial com a União Europeia, baldeado pela desconfiança dos países centrais frente à política ambiental brasileira; e a indicação do Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, para embaixador do Brasil em Washington, porque o Senado brasileiro, por um bom senso, pelo menos até agora, considera isso uma insensatez em demasia, que não dá.