Publicado 04/10/2019 21:36
Uma guerra literalmente de gigantes. Boeing e Airbus são os motivos de um enfrentamento que em seu lance mais recente resultou numa imposição de US$ 7,5 bilhões pelos Estados Unidos em tarifas sobre produtos da União Europeia, anualmente. A decisão foi arbitrada pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Ao comemorar a “boa vitória” em seu Twtter, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse que há muitos anos a União Europeia trata muito mal o seu país em termos de “tarifas, barreiras comerciais e mais coisas”.
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Esse caso já tem anos, lembrou Trump. Mas ele é muito mais complexo do que as aparências. Segundo a agência de notícias Reuters, a decisão da OMC deixou fabricantes de uísque escocês, vinicultores espanhóis e fabricantes de queijo franceses enfurecidos — as tarifas dos Estados Unidos atingem produtos dos países que integram o consórcio da Airbus. A França alertou para retaliação da União Europeia. “Se o governo norte-americano rejeitar a mão que foi estendida pela França e pela União Europeia, estaremos nos preparando para reagir com sanções”, disse o ministro das Finanças francês, Bruno Le Maire.
O Reino Unido alertou que está buscando confirmação da OMC de que cumpriu as determinações da organização e que, por isso, não deve ser tarifada. A Associação Escocesa de Uísque disse que empregos e investimentos estão em risco devido à tarifa de 25% sobre o malte. As exportações de uísque escocês para os Estados Unidos, o maior mercado do setor, valiam US$ 1,23 bilhão de dólares no ano passado. A disputa, obviamente, prejudica a perspectiva econômica global, que já enfrenta a guerra comercial e tecnológica de Trump contra a China.
Nessa guerra de gigantes, sobrou para o processo de entrega da Embraer. A União Europeia deve abrir uma investigação antitruste de até cinco meses sobre a oferta da Boeing pelo controle da divisão comercial da empresa brasileira, informa a Reuters. O acordo, que representa a maior mudança no setor aeroespacial comercial em décadas, reformularia o duopólio global dos jatos de passageiros e reforçaria as companhias ocidentais contra os grupos recém-chegados da China, Rússia e Japão.
Segundo a Reuters, a operação dá à Boeing uma posição privilegiada no mercado de aviões menores, permitindo ao grupo norte-americano competir melhor com os jatos CSeries projetados pela canadense Bombardier e cujo programa foi comprado pela rival europeia Airbus. A operação da Boeing avalia a unidade de aviação comercial da Embraer em US$ 4,75 bilhões. Mas a criação de uma nova empresa, resultado do acordo comercial entre as duas companhias, deve ficar para o início de 2020. Antes, o prazo era 2019.
Aval de Bolsonaro
O negócio é investigado também no Brasil. Segundo o jornal Valor Econômico, o órgão regulador de valores mobiliários lançou uma investigação administrativa de um alto executivo da empresa sobre um anúncio da proposta de joint venture com a Boeing. Ele teria divulgado informações incompletas do grau de influência da nova empresa. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) fez comentários públicos sobre a investigação administrativa, iniciada em novembro, em uma ação coletiva movida por um grupo de acionistas minoritários nos termos do contrato para formar a joint venture, afirmou o Valor.
É no mínimo lamentável que uma empresa tão importante para o Brasil tenha chegado a esse ponto. A Embraer, diferentemente de outras estatais estratégicas que surgiram para atender a demandas de recursos naturais — como a Petrobras, a Vale do Rio Doce e a Eletrobrás —, desenvolveu alto potencial tecnológico, acumulado como conhecimento da engenharia aeronáutica (há informações de que a indústria aeroespacial Avibras, uma empresa privada, está contratando engenheiros da Embraer).
A entrega da Embraer simboliza o descaso deste governo com a indústria e a tecnologia nacional. Ao dar aval para a compra da divisão de aviação comercial da empresa pela Boeing, o presidente Jair Bolsonaro disse em seu Twitter que “a União não se opõe ao andamento do processo”. Era o que faltava para o negócio ir adiante. Ao oficializar a entrega da empresa, o governo brasileiro abriu mão de um importante polo tecnológico, crucial para o desenvolvimento do país.