Revolução 4.0: Robôs e máquinas fecharão milhões de empregos no Brasil
Na era dos robôs e das máquinas, o emprego é de quem? Esta é a pergunta um trabalho recente da Universidade de Brasília (UnB) sobre o avanço da tecnologia no mercado de trabalho brasileiro. Inúmeras pesquisas no mundo tentam responder a essa questão, já que, hoje, a Inteligência Artificial (IA) pode criar máquinas com capacidades cognitivas até então exclusivas dos humanos.
Publicado 18/07/2019 10:15
A resposta é complexa, mas um resumo possível é que boa parte das ocupações conhecidas serão radicalmente transformadas, ou mesmo extintas, para dar lugar a dispositivos dotados de IA. Outras, contudo, serão criadas. E a capacidade de ocupá-las é o que fará a diferença entre emprego e desemprego no futuro.
Depois de avaliar 2.062 ocupações, o estudo do Laboratório de Aprendizado de Máquina em Finanças e Organizações (Lamfo), da UnB, concluiu que 25 milhões de empregos (ou 54% do total) estão alocados em funções com probabilidade alta (de 60% a 80%) ou muito alta (80%) de automação. A base é a Relação Anual de Informações Sociais (Rais) de 2017, do Ministério da Economia, analisada por 69 acadêmicos e especialistas em aprendizado de máquina.
Estariam a perigo trabalho repetitivo (como cobradores de ônibus e operadores de telemarketing) – mas também especializados (caso de fonoaudiólogos e advogados). Sobreviverá por mais tempo o que depender de empatia, cuidado, interpretação subjetiva, como assistentes sociais, babás e psicanalistas. E há ainda ocupações em que apenas uma parte é “robotizável”: 40% do trabalho de um contador, por exemplo.
Não significa que, no Brasil, 54% do mercado de trabalho vai desaparecer. Sob o aspecto econômico, em alguns segmentos pode não ser viável substituir gente por máquina. Mas, lenta ou rapidamente, o avanço da máquina continuará sua marcha, afirmam especialistas. Caixas de lojas resistem, mas terminais de atendimento são cada vez mais comuns no comércio.
“Até há pouco tempo, a automação eliminava atividades de baixa qualificação. O que há de novo é que robôs dotados de inteligência podem substituir ao menos parte das funções exercidas por advogados, engenheiros, médicos”, afirma Paulo Feldmann, professor da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP. Há 30 anos, ele escreveu o livro Robôs: Ruim Com Eles, Pior Sem Eles. Naquele momento, montadoras de automóveis começavam a instalar robôs em suas linhas de produção.
Um exemplo do que diz Feldmann: em Cingapura, o hospital Mount Elizabeth Novena adotou “enfermeiras-robôs” para monitorar os sistemas vitais dos pacientes em sua unidade de terapia intensiva. Outro: 13 tribunais de Justiça no Brasil, entre eles o Supremo Tribunal Federal (STF), instalaram IA para reduzir o volume de trabalho. No TJ do Rio Grande do Norte, o robô “Clara” lê documentos, sugere tarefas e até recomenda decisões.
A robotização ameaça eliminar milhões de empregos aqui e no mundo. Relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) chamado O Futuro do Trabalho estima que 14% dos empregos do bloco têm alta probabilidade (70%) de automação. Outros 32% serão “radicalmente transformados” – têm de 50% a 70% de chances de serem robotizados.
“A evolução de hardware e software é muito rápida. Não importa o grau de evolução de um mercado ou de um país, muitos empregos tradicionais desaparecerão. Governos, empresas e indivíduos devem se preparar para isso”, afirma Herbert Kimura, pesquisador sênior do Lamfo/UnB.
Para Irving Wladawsky-Berger, pesquisador associado do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e especialista na IBM por 37 anos, o saldo do emprego tem sido positivo ao longo das décadas, a despeito do avanço da tecnologia. Mas a revolução da IA está só começando. “É claro que ela terá grande impacto no emprego e na própria natureza do trabalho. Mas é muito menos claro qual será esse impacto. Haverá mais empregos? Ou desta vez será diferente? Opiniões são abundantes, mas, no final, realmente não sabemos”.
Setores
No telemarketing, a função de operador ativo e receptivo, que empregava 291 mil pessoas no Brasil em 2017, tem 100% de probabilidade de robotização, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Este é um dos muitos empregos de atendimento ao público que podem sumir nos próximos anos e ilustra a dificuldade que as empresas terão de reabsorver a mão de obra passível de automação.
Nem todos os profissionais poderão ser recolocados na mesma empresa. Na opinião de José Pastore, presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio de São Paulo, a qualificação se dá no contexto de que todos os setores da economia serão impactados. “Automação e robotização, inteligência artificial – isso aí vai entrar em todos os setores: na indústria, na agropecuária, nos serviços, no comércio”, diz.
Pastore explica que a educação é a base para as relações de trabalho na indústria 4.0. “Quando falamos em se adaptar às transformações que estão ocorrendo, partimos do pressuposto de que a pessoa tem habilidade mental, é capaz de pensar e que pensa direito”, explica. Segundo ele, recapacitar a mão de obra é essencial para realocar os profissionais que perderem suas funções por conta da automação.
Porém, hoje o Brasil não consegue suprir essa demanda. “A educação dá condições para que um segundo eixo de capacitação seja consolidado: o de atualização contínua promovida pelas empresas”, avalia Pastore. “Nos países avançados, isso é parte da cultura empresarial. No Japão, eles colocam seus empregados em treinamento do primeiro dia de trabalho até o de sua aposentadoria. Assim, eles não ficam obsoletos. Mas nós não temos essa tradição.”
Para ele, é difícil dizer qual setor será mais afetado, apesar de a indústria ter sofrido o primeiro impacto. “Hoje, vemos a entrada da inteligência artificial em serviços sofisticadíssimos como diagnóstico médico, preparação de processos judiciais, redação de matérias para jornal e até interpretação simultânea.”
Antes associada à indústria, a automação começa a chegar ao setor de serviços. No varejo, por exemplo, o sócio-diretor da GS&Consult, Alexandre Machado, afirma que o modelo tradicional de venda e atendimento no “chão de loja” continua a existir em larga escala.
A maior mudança no varejo – e no setor de serviços como um todo – será nas áreas de backoffice, departamentos empresariais com pouco ou nenhum contato com o consumidor. “Quando se implementa um grande software totalmente integrado, postos de trabalho caem, é natural”. Por outro lado, o consultor diz que, ao contrário da indústria, o varejo tem maior capacidade de absorver profissionais em outras posições.
Com a palavra, os sindicatos
Quatro categorias – construção civil, telemarketing, bancos e metalurgia – foram atingidas, nos últimos anos, não apenas pela transformação tecnológica, mas também pela recessão e pela redução dos gastos do governo com investimentos. Para o futuro, seus representantes sindicais veem um diagnóstico inexorável: os empregos vão sumir, e pouco tem sido feito para ajudar quem vai perdê-los.
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Telemarketing (Sintratel), Marco Aurélio Coelho de Oliveira, lembra que uma operadora de telefonia lançou recentemente um plano que tinha como diferencial o fato de oferecer atendimento humano aos clientes. “Será que o cliente quer que o atendimento humano seja trocado pelo robotizado?”
O sindicato não sabe ao certo quantas pessoas perderam empregos no setor por conta da automação. Mas as possibilidades são altas. Além dos operadores de telemarketing ativo e receptivo, o setor emprega operadores ativos (82% de probabilidade de substituição), operadores técnicos (90%) e supervisores (77%). As quatro funções reuniam 467,4 mil empregados em 2017.
Para Marco Aurélio, a automação não vai melhorar o atendimento. Os operadores não têm autonomia para solucionar os problemas que motivam as ligações, algo que o telemarketing automático não deve resolver. Ele defende uma melhoria no serviço humano para beneficiar trabalhadores e clientes. “Se o telemarketing é ruim, tanto faz trocar pela máquina”, considera.
O setor é tradicional porta de entrada de jovens com pouca qualificação no mercado de trabalho. Se os postos forem automatizados, muitos desses jovens podem ter mais dificuldades para encontrar o primeiro emprego. “O mercado de telemarketing forma mão de obra para outros setores. O jovem tem nele o primeiro registro de trabalho, aprende como trabalhar dentro de uma empresa, e dali vai para outra área.”
Entre 2013 e 2018, o setor bancário eliminou 62 mil vagas no País, de acordo com a Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf). É difícil saber quantas delas a automação extinguiu. Segundo a presidente da Contraf, Juvandia Moreira, os planos de demissão voluntária (PDVs) no Banco do Brasil e na Caixa a partir de 2016 ajudaram a inflar o número. Mas a tecnologia, que transforma o setor há décadas, tem papel importante no processo.
“A agência bancária muda internamente – e vai se tornando cada vez mais um lugar para vender produtos”, diz Juvandia. Segundo ela, desde que implantaram os caixas eletrônicos, os bancos passaram a estimular o autoatendimento, e muitos bancários que trabalhavam atendendo ao público perderam o emprego. Em 2002, com a reestruturação do sistema de pagamentos feita pelo Banco Central, os setores de compensação financeira dos bancos desapareceram.
A disrupção, hoje, vem do smartphone. Dados da Contraf mostram que, entre 2014 e 2018, as operações feitas por celular saltaram de 10% para 40% de todas as transações bancárias no País. Segundo Juvandia, as chamadas agências digitais têm uma quantidade menor de funcionários.
As duas funções com mais empregados, de gerente de contas de pessoa física e jurídica e de caixa de banco, têm altas chances de automação — 75% para a primeira e 63% para a segunda, de acordo com o Ipea. Mas não são as de maior risco: os escriturários, por exemplo, têm 91% de chances de substituição por um robô. Os três cargos somavam 87,5 mil vagas no final de 2017 – 20,7 mil a menos que em 2012.
Indústria
Na indústria da construção civil, o maior impacto da automação será nas grandes obras, explica o presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil de São Paulo (Sintracon-SP), Antonio de Sousa Ramalho. No Brasil, a maior parte das obras de construção civil são do tipo “formiguinha”, como as erguidas por pessoas que fazem suas casas no final de semana.
A maior parte da venda dos materiais de construção ainda vem dos depósitos. Segundo o relatório da Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (Abramat), a indústria de materiais de construção apresentou variação positiva de 2,4%, em junho de 2019, enquanto o resultado acumulado dos últimos 12 meses aponta alta de 1,8%.
Mesmo com o cenário otimista, Ramalho estima que 80% dos mestres de obras, pedreiros e ajudantes em geral serão substituídos na construção civil. Atualmente, existem aplicativos que ajudam engenheiros e mestres de obras a criar orçamentos, realizar cálculos avançados ou mapear a quantidade de materiais que serão utilizados. “Acho que essa estimativa (de 80%) deve aumentar ainda mais à medida em que forem feitos esses robôs para obra.”
Para os trabalhadores da indústria metalúrgica, as perspectivas futuras são “um pouco assustadoras”, segundo Miguel Torres, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e Mogi das Cruzes. “Nós estamos vendo o mundo discutindo a tecnologia 4.0 e nós (brasileiros) nem passamos pela 3.0”, argumentou.
O sindicalista opina que o País não está preparado para essa transição. Falta, por exemplo, maior oferta de capacitação e reciclagem aos trabalhadores. “Não adianta ter uma tecnologia 4.0 só desempregando e deixar a população sem oportunidade de participar do mundo do trabalho”, alegou.
Para Miguel, trabalhadores precisam se preparar sob um novo contexto de tecnologia no trabalho, além da eventual substituição. O setor é, historicamente, um dos mais afetados da substituição por máquinas. Porém, Miguel aposta na adaptação – o setor não tem um perfil radical a ponto de “sair quebrando máquinas, achando que será a solução”, como fizeram os ludistas na época da Revolução Industrial. Por esse motivo, ele defende a articulação constante com o Congresso e uma relação “respeitosa” com as empresas em prol de um “País melhor”.
Da Redação, com informações do Valor Econômico e do Estadão