Uma boa pauta para as ruas

Milhares de pessoas foram às ruas do Brasil aparentemente sem uma causa específica, empunhando reivindicações das mais variadas ordens, que vão daquelas de natureza estritamente corporativas as de conteúdo moral difuso e algumas poucas – pouquíssimas – de natureza estrutural.

A ausência de uma pauta específica não elimina o vigor das manifestações e tampouco deixam dúvidas quanto ao seu caráter central: contestar o que aí está, razão pela qual a direita que tentou desesperadamente se “apropriar” do movimento e canalizar sua energia contra o governo Dilma, teve que momentaneamente recuar quando viu seus bancos e mesmo seus veículos de comunicação depredados.

Não há indícios objetivos de que vivamos um momento em que “os de baixo não mais aceitem o domínio dos de cima e que estes, tampouco, já não mais consigam governar como antes”, mas fica evidente que o status quo está sendo questionado como nunca dantes na história recente desse país.

Num primeiro momento muitos se assustaram com o furor das linhas editoriais de alguns veículos de comunicação, talvez porque nutrissem a ilusão de classes de que a mídia poderia fazer ataques seletivos, como se a sua motivação fosse de natureza pessoal e não de classe.

Como tática ela até pode adotar – e usualmente adota essa conduta – até que surja a oportunidade para desestabilizar o governo como um todo. Alguns mais desavisados poderiam questionar porque a burguesia teria interesse em desestabilizar um governo que, não sendo de conteúdo revolucionário, seria necessariamente burguês e, portanto, da classe dominante. São as contradições da própria classe dominante que explicam.

Embora esse de fato seja o conteúdo de classe desse governo, há inúmeras politicas e atitudes que contrariam frontalmente a classe dominante. Políticas que vão das relações internacionais de não alinhamento automático com os Estados Unidos da América – como sempre fizeram a classe dominante brasileira – aos programas sociais de combate a pobreza, inclusão social, respeito às minorias (ou maiorias) e o conflito distributivo de renda, expresso, dentre outras medidas, na valorização real do salário mínimo e na redução da taxa de juros, que nos 10 anos de governo Lula-Dilma caiu de 26,50 para 7,25%, voltando aos atuais 8,50%.

A dívida pública interna do Brasil é da ordem de 1,85 trilhão de reais. Desse montante algo como 1,13 trilhão estão indexadas aos índices de preços (713 bilhões) e aos juros básicos (407 bilhões) da economia. A oscilação anual, portanto, de apenas 1% na taxa básica de juros e nos índices de preços, representa um montante de 11,3 bilhões que entram ou saem nas contas bancárias dos especuladores nacionais e internacionais. Isso explica, naturalmente, a pressão que os especuladores fazem para, a um só tempo, reduzir as despesas do governo, elevar os preços (pressão inflacionária) e aumentar a taxa básica de juros.

Ceder a essa chantagem é suicídio político. O governo precisa ter cada vez mais clareza de lado, de rumo, mesmo tendo presente a precária correlação de forças, em boa parte decorrente dessa falta de nitidez programática do próprio governo.

Da parte do movimento popular, igualmente, é preciso não se deixar enredar nem pelo “canto da sereia” e tampouco se pautar pelo “oficialismo”. Na luta política a pressão e a contrapressão serão sempre partes do mesmo processo.

Mas, no combate diário, às vezes paira a confusão, certa desorientação, até que surge um fato catalisador, como a denúncia feita por ninguém menos do que um membro da famigerada Central de Inteligência Americana (CIA) de que o governo americano monitora as comunicações de vários países do mundo, incluindo o Brasil.

Onde eles controlam os serviços telefônicos, como no caso do Brasil, esse serviço foi (e continua sendo) enormemente facilitado, revelando o crime que se fez quando das privatizações no governo tucano de Fernando Henrique Cardoso pois, além da questão econômica – por si só criminosa – o que estava em jogo era o princípio da nossa soberania como as revelações do agente da CIA acabam de evidenciar.

Por isso eu creio que a pauta da soberania, da reafirmação do orgulho nacional possa ser uma grande pauta mobilizadora, capaz de unificar os milhões de brasileiros que apenas recolheram momentaneamente suas “bandeiras”.

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