Minhas Meninas

Vejo minhas meninas banhando de bica sob o sol de Marabá.

Elas brincam, se desentendem, choram e voltam a sorrir.

É impressionante à forma como as crianças se comportam diante da vida, a tranquilidade das confusões em que se metem, sempre sob as vistas da mãe, bem mais severa que eu.

Vejo que minha mulher e as meninas, Anita e Sophia, têm uma forma própria de comunicação. Deve ser coisa de ventre, um código secreto que apenas as mulheres desenvolveram no curso da civilização.

Ontem, no dia internacional da mulher, presenteei-as com uma tartaruga. Nestes tempos, onde tudo é enlatado e uniformizado, não haveria melhor presente.

Com a "Dina" elas sentem a terra, o chão molhado, e vão sendo crianças mais felizes.

Elas saem das televisões e vão podendo perceber que a alegria está para além das barbies e das porcarias deliciosas que vendem os supermercados.

Já dei-lhes também um cão, o "Sozim"; metade fila, metade doberman.

O cão, de três meses, têm esse nome porque nasceu mesmo com a mãe tomando injeção para não parir mais. Nasceu só e cego de um dos olhos. Tal olho é vermelho.

Minha humanidade gostou do "Sozim" de graça.

Proponho, ainda, algumas galinhas para rompermos com os ovos de granja e as carnes brancas seriais na qual não sabemos procedência.

Minha mulher fica indignada com tais propostas e diz que não vai virar roceira. Diz que estudou e tal.

Concordo com tudo e resposto-lhe que bicho é coisa de gente culta.

Na infância tive cágados e o "Lambe-lasca", um vira-lata saltitante e heróico, verdadeiro lorde do mundo dos pulguentos.

Em meio a esse debate plenamente civilizacional, com Angelina, vou propondo outros absurdos como um bode.

"Não, bode não dá!", diz Anita, condenando-me.

Tudo bem se bode não dá, tudo bem. Não se fala mais em bode.

A Sophia assiste a celeuma mergulhada na lama e sob promessas de bronca feia, a mãe diz que vai pegar pira e eu digo que pira faz bem para a felicidade infantil. É claro que falo num contexto em que podemos cuidar.

Minha mãe que sempre incentivou-nos com bichos acharia um bode demais e já estou numa idade que não posso dar mais preocupações à minha genitora.

Mas sempre há outros bichos menos espalhafotosos para se criar sem que os seus pensem que estamos variando da cachola.

E também não posso ser sempre tão radical porque minhas meninas, criadas em apartamentos, estão agora brincando na lama perto das bananeiras.

O mínimo que posso fazer por elas é com que sintam, neste quintal, o valor da terra e da liberdade.

Certas coisas dessa vida se aprende em tenra idade.

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