Volta Redonda, vinte anos (2)
Em 10 de setembro de 1988, menos de um mês antes da promulgação da nova Constituição, um certo Aristóteles Drummond publicou em O Estado de São Paulo um artigo intitulado, sem muita sutileza, “Há um tanque no fim do túnel”. Dois meses antes, em 1
Publicado 12/01/2009 10:06
As sombrias articulações facho-imperialistas de que Aristóteles participou na preparação do golpe e da ditadura estão registradas no exaustivo estudo de René Dreifuss 1964: A conquista do Estado (1981, pp.382-383). Dreifuss informa que ele foi chefe do Grupo de Ação Patriótica (GAP), formado em 1962 por ativistas cripto-fascistas apoiados pelos Diários Associados e O Globo, jornais contumazes da intoxicação anti-comunista. Convocado pela Embaixada estadunidense, que apreciara seu zelo anticomunista, dela recebeu amplo apoio. “A CIA havia feito o contato e A. Drummond faria o resto”, comenta Dreifuss (ib.,p.382).
Os dois artigos desse Aristóteles de portão de quartel não diferem, nem na paranóia anti-subversiva, nem no jargão policial, das “advertências” dos porta-vozes dos DOI-CODI durante os tempos nefandos do Ato-5. As referências político-ideológicas são as mesmas e as respectivas trajetórias, convergentes. Os métodos de intoxicação, idênticos. Com o dedo duro apontando para os fantasmas de sua imaginação doentia, acusa: “[…]muitos postos da administração pública foram ocupados por extremados e revanchistas que pretenderam implantar um clima sandinista no País”; para tanto, “as esquerdas”, jogando no “quanto pior, melhor”, empenhavam-se em “destruir o País, desorganizando a produção e agravando a questão social”. Felizmente, porém, erigindo-se em “Poder Moderador”, o presidente estava garantindo a “normalidade institucional”, as “atividades produtivas”, o “respeito à livre iniciativa” etc. Por isso, “a comunidade empresarial […] onde repousam nossas maiores esperanças e perspectivas de superação da crise”, podia tranqüilizar-se, mesmo porque, se necessário, “a presença das armas garantirá sempre a estabilidade do governo, em face das eventuais ações dos que desejam a anarquia e o caos”.
Há maneiras mais inteligentes de preconizar a aliança do poder do dinheiro com o poder das armas e a repressão militar dos movimentos sociais. Mas a truculenta intervenção do Exército em Volta Redonda, dois meses após a publicação deste panfleto cripto-fascista, mostrou que o provocador não estava falando sozinho. Pelo menos desde o esmagamento do levante da Aliança Nacional Libertadora em 1935, o Exército vinha assumindo funções policiais, com intensidade variável. Elas atingiram máxima intensidade durante a ditadura militar, entre 1969 e 1975 principalmente, com a “guerra suja” para aniquilar a resistência armada da esquerda revolucionária. A violência repressiva exerceu-se quase sempre (salvo em 1968, quando a oposição ganhou as ruas na trilha aberta pela mobilização estudantil) em ambientes fechados e geralmente insonorizados. Mesmo os torturadores mais degenerados sabiam estar executando tarefa sórdida e repulsiva. Na “Nova República” de Sarney e Leônidas, festejada pelos tartufos e pelos tolos como democracia (quase) plena, a repressão readquiriu boa consciência, até por exercer-se com baixa intensidade.
A invasão pelas tropas de Leônidas do complexo siderúrgico de Volta Redonda na noite de 9 de novembro de 1988, rompeu o ciclo da repressão de baixa intensidade. As imagens registradas pelos cinegrafistas da televisão foram rápidas, fragmentárias, como o são em geral as que fixam momentos fugidios de um enfrentamento coletivo. Suficientemente nítidas, porém, tanto na dimensão visual quanto na sonora para que os telespectadores pudessem contemplar uma carga de infantaria com baionetas caladas e ouvir estampidos de tiros na noite mal iluminada.
A operação militar começara na véspera, dia 8 de novembro: cerca de 3.000 soldados do Exército, além de agentes da Polícia Federal e forças da Polícia Militar do Rio de Janeiro ocuparam a cidade de Volta Redonda com o duplo objetivo de cercar os grevistas no interior do complexo siderúrgico e intimidar a população (ligada por múltiplos interesses e vínculos, inclusive familiares e afetivos, aos operários em luta), dissuadindo-a de lhes prestar solidariedade. Não logrando atingir por sua mera presença o segundo objetivo, acentuaram a violência repressiva que culminou na sangrenta invasão. No saldo da operação, três operários mortos, algumas dezenas de feridos e uma abominável declaração do ministro da Justiça de então, Paulo Brossard, “justificando” a violência. Uma vez mais em nossa cinzenta história republicana, o “Estado de Direito” renascia sob o signo mesquinho, hipócrita e freqüentemente sanguinário, do liberalismo de periferia.
Não contentes de assassinar os três operários, os fascistas do Exército tentaram assassinar-lhes a memória. No dia 1º de maio de 1989 foi inaugurado em Volta Redonda um monumento aos mortos durante a covarde invasão do complexo siderúrgico. Vinte e quatro horas depois, o monumento estava destruído por uma explosão. O autor desse novo crime foi identificado: o coronel Álvaro Pinheiro. Permanece totalmente impune. Foi até promovido a general, por seus parceiros que controlavam a cúpula do Exército.
Maior recompensa obteve, dez anos mais tarde, o homem que comandou o massacre de 9 de novembro de 1989, general José Luís Lopes da Silva. Fernando II, ou FCH, acentuando o rumo reacionário de seu governo, após a tentativa frustrada de colocar um ex-torturador à testa da Polícia Federal, em 20 de outubro de 1999, conseguiu que o Senado aprovasse por larga maioria (41 votos contra 24) a nomeação do general que fizera correr sangue operário para o cargo de ministro do Superior Tribunal Militar. Summum ius, summa iniuria!
Numa estupenda lição que põe em contraste os métodos torpes e covardes do terrorismo fascista com a grandeza de espírito do genial arquiteto comunista Oscar Niemeyer, autor do projeto do monumento, preferiu que ele permanecesse com as marcas do terrorismo militar-fascista, para memória e edificação das novas gerações.