Sem milho não há país

Há uma forte e justa campanha lançada pelo movimento social campesino mexicano e de outros países da América Central intitulada de: “Sin maíz no hay país” (sem milho não existe país).

Esse lema ilustra bem a centralidade dessa gramínea na soberania e segurança alimentar de diversos países em todo o mundo, sobretudo desses povos (o milho representa 55% da caloria e 22% da proteína ingeridas pelos mexicanos onde se calcula que 300 milhões de “tortillas”, uma espécie de pão, são consumidas diariamente).


 


 


No Brasil, o milho, em conjunto com a soja, é responsável por 80% da produção nacional de grãos, fazendo do país o terceiro maior produtor mundial. Na atualidade é o cereal com maior volume de produção em todo o mundo, superando o trigo e o arroz (também base alimentar de vários países, alguns super populosos).


 


 


Além de fazer parte de nossa culinária através de pratos e iguarias populares como angu, polenta, pamonha, cuscuz, canjicas, mingaus, bolos, etc., é fundamentalmente insumo básico na produção de ração animal e silagem. Não por acaso Octavio Paz afirmou que “o invento do milho pelos mexicanos apenas pode ser comparado com o invento do fogo pelo homem”.


 


 


Embora seja impreciso dizer que o milho foi inventado pelos mexicanos, devido ao fato de já ser cultivado desde o período pré-colombiano por astecas, olmecas, maias, incas e também haver vestígios de cultivo milho na América do Sul que datam de mais de 4 mil anos (Nikolai Vavilov, em 1926, identificou oito centros de origem no planeta), é forçoso reconhecer que realmente se trata de um maravilhoso “invento” da humanidade, domesticado pelos meso-americanos a partir de espécies silvestres cruzadas, notadamente por uma planta chamada Teosinte. Através de seleção e cruzamentos foram sendo criadas variedades adaptadas aos diversos climas e altitudes da região.



 


Nesse ponto é oportuno dizer que com a propalada crise dos alimentos e a alta inflacionária decorrente de um suposto desabastecimento, o incremento da produção deve vir acompanhado, sobretudo, pelo livre acesso dos povos a esses recursos genéticos que deve ser concebido como patrimônio de toda a humanidade. Nesse sentido, cumpre alertar sobre a privatização de material genético levado a cabo pelas multinacionais, em bancos de germoplasma particulares, que atentam contra essa diversidade. Embora híbridos lançados no mercado tenham cumprido importante papel no incremento da produção, os mesmos necessariamente devem vir acompanhados de grandes aportes de insumos agrícolas (adubos, inseticidas, irrigação, tratos culturais, etc.) incompatível com a renda de milhões de agricultores por todo o mundo e com a própria sustentabilidade do planeta.


 


 


Entre os dias 31 de agosto e 4 de setembro tive a oportunidade de participar de mais um Congresso Nacional de Milho e Sorgo, dessa vez realizado na cidade de Londrina, apresentando trabalho de minha autoria que avaliou 50 cultivares de milho na região sudeste de Minas Gerais na safra de 2007/2008, testando não apenas híbridos, mas também variedades mais acessíveis a pequenos agricultores que demonstraram bom potencial produtivo. Entretanto, em sua 27° edição, esse evento, assim como outros do gênero, segue numa marcha batida que há anos mescla, de forma totalmente desbalanceada, a participação de pesquisadores e estudantes de empresas, universidades e institutos de pesquisa públicos com representantes do grande capital e as multinacionais do campo (que inclusive usam desse espaço para criminalizar os movimentos sociais do campo). Daí a importância de se combater a falsa tese da neutralidade da ciência.


 


 


A quem cabe conceber os alimentos de nossa cesta básica inseridos em uma política nacional de segurança alimentar que salvaguarde culturas como a mandioca, arroz, feijão, milho, entre outras, da gana especulativa das grandes transnacionais? Infelizmente se percebe cada vez mais o avançar de um discurso monocórdio que secundariza nossa segurança alimentar a favor das commodities, sujeitando os alimentos às leis de mercado, aproveitando as políticas de vantagens comparativas (que pode inclusive ditar se é melhor produzir ou importar certo produto) amparados tão-somente sob o ponto de vista comercial.
 


 


Se mesmo o projeto de lei de Aldo Rebelo, que estabelece a adição de 10% da fécula de mandioca à farinha de trigo (cultura que somos dependentes, sobretudo da Argentina), despertou a ira das indústrias da cadeia produtiva do trigo, imaginemos a ofensiva de multinacionais do porte de Cargill, Syngenta ou Monsanto, caso sejam molestadas com esse papo de segurança alimentar e democratização dos recursos genéticos numa cultura em que somos o terceiro maior produtor mundial.
 


 


Esse é o dilema que vivemos e vai ser necessária uma longa e árdua caminhada para mudarmos o paradigma de nossa agricultura, a começar por uma mudança de pensamento e atitude por parte de nossa própria academia e institutos de pesquisa, tão assediados pelo grande capital.


 


 


Também a cultura do milho faz parte da história de nosso país e precisa da proteção do Estado. É um cultivo de importância social, econômico e cultural de nosso povo que não pode ser tratado apenas como um produto regulado a bel-prazer pelas leis de mercado e tampouco atender exclusivamente aos interesses do grande capital.


 


 


Frente a uma ameaça global na produção de alimentos patrocinada pelo imperialismo (muito alertada por Fidel Castro) é importante lembrar alguns historiadores, como Enrique Flores Cano, que documenta a história de alguns países, como o México, vinculado a crise do milho a rebeliões sociais. O mesmo ocorreu em nosso país com culturas perenes como café, borracha, cacau e pode se acirrar também com culturas anuais, como o milho, caso não haja uma reviravolta no jogo de interesses da agricultura brasileira. Vide o recente episódio argentino.

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