Mídia e poder na América Latina

Foram recentemente divulgados os resultados da pesquisa Latinobarómetro 2007 que é realizada há 12 anos pela Corporación Latinobarómetro, uma ONG chilena com sede em Santiago que pretende medir “as percepções dos latino-americanos a partir de sua realidad

Dos relatórios anuais, em geral a grande mídia divulga os resultados da avaliação comparada dos presidentes da região, os índices de apoio à democracia, à iniciativa privada e à intervenção do Estado na economia. Por exemplo: o índice de apoio à democracia caiu de 58% em 2006 para 54%, em 2007.


 


O Latinobarómetro 2007 incluiu também uma alentada avaliação sobre o inédito ciclo eleitoral que está acontecendo no continente: onze eleições presidenciais realizadas entre novembro de 2005 e dezembro de 2006, seguidas em 2007 pelas eleições da Guatemala e da Argentina e, em 2008, pelas eleições no Paraguai (abril) e na República Dominicana (maio). O que chama atenção, no entanto, é a estranha ausência de qualquer referência sobre o papel da mídia nas características identificadas como centrais em todos esses processos eleitorais.


 


 


Quem exerce o poder?


 


 


Já comentei neste Observatório(1) o livro lançado em agosto passado pela Fundação Friedrich Ebert (FES), na Colômbia [Se nos rompió el amor – Elecciones y medios de comunicación, América Latina 2006, disponível na íntegra aqui], exatamente sobre o papel da mídia nessas mesmas onze eleições presidenciais realizadas entre 2005 e 2006 (ver “Mídia e eleições na América Latina”). A principal conclusão dos estudos apresentados no livro é que, em seis dessas eleições, saíram vencedores os candidatos a presidente que enfrentaram a cobertura jornalística adversa majoritária da mídia em seus respectivos países – Bolívia, Chile, Brasil, Nicarágua, Equador e Venezuela.


 


Se o tema mereceu a organização de um livro financiado pela FES, reunindo o trabalho de quinze pesquisadores, é de se supor que seja relevante. Afinal, a mídia ocupa uma posição de centralidade nos processos políticos das democracias contemporâneas. Ou não ocupa?


 


O longo relatório “A Democracia na América Latina – Rumo a uma democracia de cidadãs e cidadãos”, preparado sob a coordenação do ex-chanceler argentino Dante Caputo para o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e publicado no final de 2004 (ver aqui), traz os resultados de uma preciosa pesquisa, realizada entre julho de 2002 e junho de 2003, com 231 líderes latino-americanos. Esse relatório não teve, pelo menos no Brasil, a divulgação que merecia.


 


Foram ouvidos “líderes políticos que detêm ou detiveram o poder em seu máximo nível institucional, em chefias partidárias, parlamentares, funcionários de alto escalão ou prefeitos; protagonistas sociais em um amplo espectro que inclui líderes sindicais, empresários, acadêmicos, jornalistas, religiosos e dirigentes de movimentos ou organizações sociais; e membros das Forças Armadas”, entre eles 41 presidentes e vice-presidentes, no exercício do cargo ou anteriores. Em outras palavras, foi ouvida a elite econômica, política e intelectual da região.


 


Entre os obstáculos à consolidação democrática existentes na América Latina, a pesquisa do PNUD revela uma tensão entre os poderes institucionais e os poderes de fato. Os líderes consultados apontam, então, três poderes de facto que representam os riscos principais à consolidação democrática na região:


 


1. limitações internas decorrentes da proliferação de controles institucionais inadequados e da multiplicação de grupos de interesse que funcionam como poderosos lobbies, e externas oriundas do comportamento dos mercados internacionais, das avaliadoras de risco (de investimento) e dos organismos internacionais de crédito;


 


2. a ameaça do narcotráfico; e


 


3. os meios de comunicação.


 


Além disso, a primeira resposta à pergunta “quem exerce o poder na América Latina?” dada por 79,8% dos entrevistados foi “os grupos econômicos/empresários/o setor financeiro”; e a segunda resposta, oferecida por 64,9% dos entrevistados foi “os meios de comunicação”.


 


Percepção dominante


 


Pergunto: não haveria, em muitos casos, superposição entre esses dois poderes de facto? Por exemplo: os grupos Televisa, no México, e Globo, no Brasil, não seriam ao mesmo tempo poderes econômicos e de mídia?


 


Além disso, o relatório afirma textualmente, com citações de políticos, jornalistas e sindicalistas:


 


“Os meios de comunicação são caracterizados como um controle sem controle, que cumpre funções que excedem o direito à informação. `Formam a opinião pública, decidem as pesquisas de opinião e, conseqüentemente, são os que mais têm influência na governabilidade´ (político). `Atuam como suprapoderes, […] passaram a ter um poder que excede o Executivo e os poderes legitimamente constituídos, […] substituíram totalmente os partidos políticos´ (político). A maioria dos jornalistas consultados vê o setor econômico-financeiro e os meios de comunicação como os principais grupos de poder. Os meios de comunicação têm a peculiaridade de operar como mecanismo de controle e/ou limitação às ações dos três poderes constitucionais e dos partidos políticos, seja quais forem os proprietários desses meios. `A verdadeira vigilância que se exerce é a da imprensa´ (jornalista). Além disso, reconhecem que atuam como uma corporação que define os temas da agenda pública e que até traça a agenda presidencial. Em geral, os consultados consideram problemática a relação entre os meios de comunicação e os políticos. `Aqui a classe política os teme. Porque podem fazer desmoronar uma figura pública a qualquer momento´ (sindicalista). `A forma através da qual se construíram as concessões e os interesses com os quais se teceu toda a estrutura dos meios de comunicação os converteram em um poder´ (político).”


 


Se esta é a percepção predominante entre a elite da região sobre a mídia e seu poder, uma avaliação do ciclo eleitoral que se desenrola na América Latina não deveria contemplar o seu papel no processo democrático?


 


A elite latino-americana, certamente, faria esse reparo ao Latinobarómetro 2007.
 


Nota


 


(1) Esse texto foi originalmente publicado no Observatório da Imprensa

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