Religião e eleição

No primeiro turno das eleições houve uso e abuso da boa fé dos eleitores. Candidatos e entidades apelaram para as crenças religiosas dos cidadãos querendo conquistar-lhes os votos. Eleição não é embate entre crentes e ateus, mas pleito que define os de

 


O segundo turno presidencial está sendo disputado por dois católicos. Luiz Inácio Lula da Silva sempre ressaltou sua condição cristã e, depois que assumiu a Presidência da República, adotou a celebração de uma missa em São Bernardo do Campo como o principal ato do 1º de Maio, Dia Internacional do Trabalhador. Geraldo Alckmin é sintonizado com a Opus Dei, uma das mais retrógradas entidades católicas, que teve vínculos com os fascistas espanhóis liderados pelo generalíssimo Franco.


 


Os comunistas há anos coligam com Lula e o PT nas disputas presidenciais. Não o fazem por comungar as confissões religiosas do candidato, mas por apoiar sua proposta política, por seu compromisso com as lutas sociais por progresso, dignidade e soberania do país – bandeiras abraçadas por expressivas parcelas do povo, de várias opções religiosas e ateus. E pessoas sem crença religiosa existem também à direita do leque político – o próprio Fernando Henrique Cardoso, dirigente destacado da direita moderna organizada no PSDB, dizia-se ateu, anos atrás.


 


Não é a crença – ou a descrença – o que delimita os campos na política, portanto. No entanto, o fator religioso vem reforçando seu peso nas decisões políticas do país. Inúmeros candidatos incluíram ao próprio nome a designação “pastor” visando angariar mais votos (muitos, com sucesso). A doutora em Sociologia, Maria das Dores Campos Machado, autora do recém-lançado livro ''Política e religião – a participação dos evangélicos nas eleições'', alerta que “o que se espera dos atores políticos é que eles enfatizem a sua identidade partidária e que tenham maior preocupação com a ideologia do programa, com as idéias do programa, e com o conteúdo do programa. Mas o que se percebe é que a identidade religiosa ganha peso muito maior que a identidade partidária. Isso é um problema, em primeiro lugar, porque enfraquece os partidos políticos, que são instituições muito importantes para a democracia. Uma preocupação que se tem com o uso da identidade religiosa é que se esvazie a instituição dos partidos, que já é muito incipiente na cultura política brasileira”.


 


No Rio de Janeiro, padres da direita ocuparam os púlpitos para fazer campanha contra a candidata do PCdoB ao Senado, deputada Jandira Feghali, e religiosos distribuíram panfletos e enviaram mensagens aos eleitores, por celular, contra ela. ''As pessoas recebiam mensagens na fila da votação. Isso é boca-de-urna. Quem fez isso feriu três aspectos da lei eleitoral: telemarketing comercial, propaganda negativa e boca-de-urna'', denunciou a deputada. A candidata se queixou de ter de enfrentar “a mais dura campanha por parte dos adversários. Estes, representando os setores conservadores e instituições milenares, com o poderio econômico, tendo a seu lado a mídia hegemônica, deflagraram uma guerra suja, com calúnias, injúrias, difamações, golpes baixos e crimes eleitorais que terão nossa ação junto à Justiça Eleitoral”.


 


A atuação dos comunistas, contudo, não é apenas eleitoral. A luta de classes é multifacetada e transcorre no terreno político, econômico e ideológico. E é no terreno ideológico que os marxistas demarcam campo com os setores religiosos e idealistas. Compreendem e necessitam da ação conjunta com os seguidores de variadas seitas e orientações políticas na ação sindical, nos movimentos pela terra e moradia, na atividade parlamentar etc. Mas no campo ideológico mostram a diferença entre as concepções materialista e idealista da natureza e da sociedade. E estas diferenças só podem ser mostradas com o debate franco e aberto, com a exposição positiva, mas também polêmica, do marxismo-leninismo. Furtar-se a esse debate é deixar um flanco aberto para o avanço do irracionalismo e do misticismo, inclusive dentro das fileiras partidárias.


 


Houve quem considerasse, por exemplo, que foi por essa delimitação que “aconteceu o que aconteceu com a Jandira”. Ledo engano. A imensa maioria dos 2 milhões e 800 mil votos obtidos pela candidata vieram de eleitores que têm suas crenças, mas confiam na sua atividade política. A santa aliança formada contra candidata se valeu, não de sua condição de comunista, mas de sua atividade em favor da descriminalização do aborto, para favorecer o candidato que advoga o neoliberalismo. Valeu-se do preconceito religioso e da desinformação de grande parte do eleitorado sobre a questão do direito ao aborto. Mesmo se Jandira fosse uma fiel integrante das Cristãs pelo Direito de Escolha, e continuasse com as propostas políticas que apresentou para o eleitorado, sofreria esse ataque – que o diga o candidato Sérgio Cabral Filho, que teve que recuar de seu posicionamento sobre união civil entre homossexuais para obter o apoio do senador Marcelo Crivella (PRB).



Mas, se a luta ideológica não for travada, o preconceito e a desinformação não serão debelados por moto próprio. “Tudo pede certa elevação”, escreveu Machado de Assis. O debate deve ser elevado – e não abandonado. É com discussão, com estudo, com divulgação dos princípios e métodos materalista-dialéticos e sua aplicação na avaliação e iluminação de nossa prática na realidade que nos cerca que a torrente reacionária e obscurantista deve ser enfrentada. A luta ideológica é fundamental.

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