Declaração de Belgrado condena a militarização e conclama pela paz
Em 22 e 23 de março, a capital da Sérvia, Belgrado, acolheu a Conferência Internacional “Paz e Prosperidade contra a Guerra e a Pobreza”, no âmbito do 20º aniversário da ofensiva da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) contra a ex-Iugoslávia. Os participantes emitiram uma declaração em que conclamam à luta pela paz e condenam a crescente militarização.
Publicado 28/03/2019 20:21
Entidades sérvias como o Fórum de Belgrado por um Mundo de Iguais organizaram o evento com o apoio do Conselho Mundial da Paz. Cerca de 200 convidados, entre parlamentares, pesquisadores e entidades solidárias de 35 países participaram (clique aqui para ler a matéria) e emitiram uma declaração política de compromisso contra a guerra, o intervencionismo e as ocupações militares, pela soberania das nações, a cooperação e a paz.
Leia a seguir:
Nunca esquecer: 1999 – 2019 declaração de Belgrado
Por ocasião do 20º aniversário da agressão da aliança da OTAN contra a Sérvia (República Federal da Iugoslávia, RFI), em 22 e 23 de março de 2019, Belgrado acolheu a Conferência Internacional com o slogan NUNCA ESQUECER, intitulada “Paz e Progresso ao invés de Guerras e Pobreza”. Os organizadores da Conferência são o Fórum de Belgrado por um Mundo de Iguais, a Federação de Associações de Veteranos da Guerra de Libertação Nacional da Sérvia, o Clube de Generais e Almirantes Sérvios e a Sociedade dos Anfitriões Sérvios, em cooperação com o Conselho Mundial da Paz. Além dos participantes da Sérvia, a Conferência teve a participação de mais de 200 convidados distintos de mais de 35 países de todo o mundo, que os organizadores acolheram e a quem expressaram sua mais sincera gratidão pela sua solidariedade, apoio, e enorme assistência humanitária durante um dos períodos mais desafiadores da história recente da Sérvia e da nação sérvia.
O programa de atividades marcando este aniversário foi dedicado à preservação da memória e à homenagem aos militares e policiais que fizeram o derradeiro sacrifício na defesa do seu país contra a agressão, assim como às vítimas civis, inclusive as muito jovens, os mais velhos, e as vítimas descapacitadas, mortas durante esta agressão de 78 dias pela OTAN.
Os participantes condenaram unanimemente a agressão da OTAN, afirmando que em sua essência, foi uma guerra ilegal, de invasão e criminosa, contra um país europeu pacífico e soberano, desencadeada sem mandato do Conselho de Segurança da ONU e sob a brutal violação da Carta das Nações Unidas, a Ata Final de Helsínquia da OSCE (1975) e os princípios fundamentais do direito internacional.
Ao atacar a Sérvia (a RFI), as potências ocidentais na liderança, encabeçadas pelos EUA, expuseram o povo sérvio amante da liberdade e promotores da justiça à angústia, à devastação e ao sofrimento prolongado para alcançar seus objetivos geopolíticos e imperialistas de controle dos recursos naturais e energéticos, as rotas de transporte e a esfera de influência. Essa não foi uma “pequena guerra” nem uma “intervenção humanitária”, mas uma guerra de objetivos geopolíticos em sua base, pelo posicionamento de longo-prazo das tropas estadunidenses nos Bálcãs, pelo estabelecimento de um precedente para futuras agressões, e para a derrubada de governos legítimos, tudo dentro da Estratégia de Expansão a Leste e do objetivo mais abrangente de garantir seu domínio global. A história notará o fato de que, em 1999, seguindo cegamente interesses geopolíticos forâneos, a Europa combateu a si própria.
Os Bálcãs estão hoje mais instáveis. A Europa está mais dividida. O retorno da Europa a si mesma demanda uma autoavaliação, coragem e visão, inclusive a confissão de que o ataque contra a Sérvia (a RFI) em 1999 foi um erro histórico colossal.
Os arquitetos e executores da agressão devem ser responsabilizados por seus crimes. A agressão matou cerca de quatro mil pessoas (inclusive 79 crianças) e mais 6.500 pessoas foram gravemente feridas. Danos materiais diretos somaram US$ 100 bilhões. Enfatizou-se que a OTAN e seus membros participantes da agressão tinham o dever de compensar a Sérvia pelos danos da guerra.
Os participantes da Conferência foram informados sobre os resultados de análises científicas e especializadas conduzidas até então, todas confirmando que o uso de munição com urânio empobrecido e de bombas de grafite e de desfragmentação e outros meios belicosos tóxicos e inflamáveis resultaram em altos níveis de poluição ambiental duradoura e riscos de escala massiva aos civis sérvios.
Os participantes saudaram o estabelecimento de órgãos especiais na Assembleia Nacional e no Governo da Sérvia com a tarefa de determinar as consequências da agressão da OTAN refletidas na saúde da população e na segurança ambiental, e expressaram seu apoio ao trabalho desses órgãos.
A separação forçada e ilegal de Kosovo e Metóquia da Sérvia continua, através da pressão constante sobre a Sérvia para que reconheça formalmente a cisão de parte do território do Estado. Participantes da Conferência ressaltaram que a tomada forçada de Kosovo e Metóquia da Sérvia se tornaria um precedente que, por sua vez, inevitavelmente abriria caminho para o desenho de novas fronteiras nos Bálcãs e a criação da chamada Grande Albânia, às custas dos territórios dos estados da Sérvia, Macedônia do Norte, Grécia e Montenegro, o que não pode ser permitido.
A agressão da OTAN contra a Sérvia (a RFI) foi um ataque direto e simultâneo contra a o sistema de paz e segurança da Europa e do mundo, construído com base no resultado da Segunda Guerra Mundial. Como demonstrado de forma conclusiva pelas subsequentes intervenções dos EUA e seus aliados (no Afeganistão, Iraque, Líbia, Mali, Síria, etc), esta agressão serviu como um caso precedente e modelo para globalizar o intervencionismo, um manual sobre como utilizar o terrorismo e o separatismo para levar a cabo os planos de conquista das potências ocidentais, para forçosamente derrubar regimes “inapropriados” e impor os interesses geopolíticos do Ocidente, especialmente, os dos EUA.
A agressão da OTAN contra a Sérvia (a RFI), um ato da mais explícita violação dos princípios fundamentais do direito internacional, é injustificável: a responsabilidade do agressor não pode ser diminuída por tentativas hipócritas de transferir responsabilidade para a Sérvia ou à sua liderança à época. Esta agressão da OTAN ficou para a história como um indicador do declínio moral e civilizacional de que, vinte anos depois, os governos dos países à frente da agressão não foram perdoados nem conseguiram retirar a lição correta.
Participantes da Conferência expressaram seu firme apoio e solidariedade aos esforços que a Sérvia envida para remediar as graves e duradouras consequências da agressão, assim como ao seu esforço por impedir a continuidade da agressão da OTAN por outros meios. Apoiaram explicitamente os esforços da Sérvia para preservar sua própria soberania e integridade territorial e o seu contributo para resolver o status futuro de Kosovo e Metóquia, que estará em acordo com o direito internacional e a Resolução 1244 do Conselho de Segurança da ONU. Os participantes denunciaram a política de coerção, pressão e medidas unilaterais.
A responsabilidade dos agressores pelos crimes cometidos e o dano infligido não pode ser justificada ou menosprezada. A Sérvia tem o direito a buscar indenização e a responsabilização legal e penal dos líderes da OTAN e dos membros envolvidos. Fez-se a demanda pelo julgamento imediato de todos os responsáveis pelos crimes contra a nação sérvia e em particular pelo caso do tráfico ilícito de órgãos humanos coletados dos sérvios raptados, de acordo com o Relatório de Disk Marty e a decisão relevante da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa.
A agressão de 1999 contra a Sérvia (a RFI) e suas intervenções militares mais recentes transformaram a OTAN em uma aliança militar abertamente ofensiva, responsável pelo fato de os Bálcãs e a Europa de hoje serem mais discordantes e voláteis, pela militarização da Europa e das relações internacionais, pelo mais alto grau de desconfiança e confrontação desde a Guerra Fria e pelo abalo da ordem securitária global.
A OTAN não é mais do que uma ferramenta do complexo industrial-militar e da maior dominação pelo capital ao invés de instrumento da paz, das necessidades dos povos e do progresso. Por isso, a OTAN, uma relíquia da Guerra Fria, deve ser dissolvida e as instalações militares, abolidas, inclusive a base militar de Bondsteele, na província sérvia de Kosovo e Metóquia.
Os participantes da Conferência consideraram que o mundo atravessa um período de crescente desconfiança, tensões e ameaças de novas intervenções e conflitos. As causas de base são a agressividade da OTAN e a alienação dos centros de poder, cujos interesses beneficiam-se das violações dos princípios fundamentais do direito internacional, a intensificação das ameaças, uma renovada corrida armamentista e a militarização das relações internacionais.
Os participantes condenaram todos os métodos de abuso contra as instituições internacionais como as Nações Unidas, a OSCE, UNESCO, OMC, entre outras, exigindo sua que sejam melhoradas e fortalecidas, não enfraquecidas e ignoradas.
A política de dominação baseada no poderio militar, típica de uma ordem mundial unipolar, foi rechaçada como inaceitável porque fundada nos privilégios e na autoproclamada excepcionalidade, não na igualdade entre todos os países e nações. A multipolaridade supera a dominação e abre uma porta à democratização das relações internacionais. A Conferência enviou um apelo a todas as forças da paz no mundo para que somem forças na luta pelo respeito ao direito internacional como baseado na Carta da ONU, pelo reforço do papel das Nações Unidas e outras organizações internacionais e universais.
Os participantes na Conferência exigiram de forma unânime que se encerre urgentemente uma nova corrida armamentista e a violação dos acordos internacionais relevantes, e que se redirecionem fundos dos orçamentos militares aos domínios do desenvolvimento econômico, à melhoria da qualidade de vida das pessoas e à eliminação das duras desigualdades de desenvolvimento e sociais. Expressaram sua preocupação profunda com o abandono unilateral, pelos EUA, dos acordos internacionais válidos, em particular o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário (INF, na sigla em inglês). Exigiram o total respeito aos acordos existentes e a renovação de negociações para deter a corrida armamentista, especialmente a nuclear.
Afirmou-se que o sistema imperialista, com sua ganância insaciável pela riqueza do outro, e uma ordem unipolar baseada na estratégia da excepcionalidade, a dominação e o intervencionismo da OTAN, são as principais fontes de instabilidade, desconfiança e conflitos. A paz, a estabilidade, a democracia e o progresso inclusivo exigem mudanças radicais nas relações globais, o respeito à igualdade soberana, à não-ingerência, ao multiculturalismo, aos interesses comuns, e o fim do egoísmo, o protecionismo e os privilégios. A política de confrontação, o intervencionismo e a ingerência em assuntos domésticos, impulsionada pelo complexo industrial-militar e o grande capital financeiro, deve dar passo ao diálogo, à parceria, o respeito às normas básicas do direito internacional e da ordem mundial, que são fundamentadas pelos interesses comuns e o respeito mútuo.
Os participantes da Conferência comprometeram-se com a solução pacífica e política de todos os problemas internacionais, considerando o direito internacional, a Carta das Nações Unidas e as decisões do Conselho de Segurança da ONU.
A Conferência expressou total solidariedade ao povo e ao Governo da Venezuela, liderado por seu legítimo Presidente Nicolás Maduro, e manifestou resoluto apoio à sua oposição decisiva e honrada aos intentos dos EUA, da União Europeia e da Organização de Estados Americanos (OEA), entre outros, de derrubar à força a liderança legítima. Os participantes expressaram a convicção de que o povo venezuelano prevalecerá em sua justa e legítima luta para se defender contra todas as pressões e ameaças, e que encontrarão as melhores soluções para as suas dificuldades correntes através do diálogo e de forma pacífica.
Os participantes da Conferência expressaram seu profundo apreço, solidariedade e apoio ao Governo, ao Exército e ao povo sírio, em sua longa e heroica luta contra a agressão estrangeira, os mercenários forâneos e os terroristas internacionais. Também manifestaram profundo reconhecimento do sucesso na liberação do país de fundamentalistas islamistas e outros. Afirmaram ainda apoio à preservação da integridade e da unidade da Síria e condenaram todas as tentativas de dividir ou desmembrar o país.
Os participantes fizeram o apelo para que a crise no Oriente Médio seja resolvida de forma pacífica, através de meios políticos, livre da política do fato consumado, respeitando os direitos inalienáveis do povo palestino a um Estado independente, nas fronteiras anteriores a 4 de junho de 1967, com Jerusalém Oriental como sua capital, e o respeito ao direito de retorno livre e seguro de todos os refugiados palestinos, de acordo com a Resolução 194 da ONU.
A Conferência expressou graves preocupações pela prolongada agressão externa contra o Iêmen, assim como a sua solidariedade ao povo iemenita que sofre da cruel agressão estrangeira da coalizão militar liderada pela Arábia Saudita e apoiada por certas potências ocidentais. Um apelo foi feito para que se encerre imediatamente a agressão forânea e respeite as liberdades e direitos do povo iemenita de tomar suas próprias decisões em relação ao seu próprio destino.
Belgrado, 23 de março de 2019