Juliana Diniz: Jair, o intermediário

"Como um presidente não pode operar milagres, Bolsonaro necessitará de 22 ministros, que serão, por sua vez, os intermediários de seu projeto de governo na execução de políticas concretas. A tirar pela lista, a Esplanada dos próximos anos será o lugar onde o obscurantismo religioso e o despreparo técnico testarão a complexa burocracia de Estado”.

Por Juliana Diniz*

Bolsonaro - Rogério Melo/PR

No dia da celebração dos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos do Homem, o Tribunal Superior Eleitoral diplomou Jair Bolsonaro, agora habilitado para tomar posse como futuro Presidente da República. A cerimônia é importante porque demarca a conclusão do processo eleitoral, um rito por meio do qual o Estado reconhece a legitimidade de um eleito para ocupar o cargo para o qual foi escolhido.

Bolsonaro não desapontou no evento e foi claro sobre o que seu governo será. Antes do protocolo, pediu licença às autoridades para que um pastor evangélico oferecesse uma benção. No salão reservado do Tribunal, houve um esforço de civilidade das autoridades presentes para vencer o constrangimento diante da cena insólita, como relatou a imprensa. Já no púlpito, Bolsonaro deixou de lado a retórica espontânea que explorou durante a campanha. Leu um discurso sem brilho e sem improviso.

Invocando a soberania do povo, ideia que desde a revolução francesa mobiliza paixões, Bolsonaro declarou que o "poder popular não precisa mais de intermediação". Afirmou sua visão neopopulista de política, baseada na "relação direta" do presidente com o povo, possível graças às novas tecnologias. Ignorou que ali se diplomava como o genuíno intermediário da vontade popular soberana, uma vontade que se afirma em democracias representativas de forma indireta, através da voz de mandatários transitórios.

Como um presidente não pode operar milagres, Bolsonaro necessitará de 22 ministros, que serão, por sua vez, os intermediários de seu projeto de governo na execução de políticas concretas. A tirar pela lista, a Esplanada dos próximos anos será o lugar onde o obscurantismo religioso e o despreparo técnico testarão a complexa burocracia de Estado. A pastora Damares Alves, que assumirá o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, invoca a proteção de Deus para defender absurdas soluções para a pasta que vai chefiar. Suas declarações têm causado espanto e temor. Algum alento, contudo, pode vir de palavras lançadas na cerimônia de diplomação. Não as de Bolsonaro, mas as de Rosa Weber. Coube à juíza lembrar aos intermediários do povo que, num estado laico, os direitos humanos representam um limite civilizatório que mesmo um eleito ungido por Deus não está autorizado a violar.

*Juliana Diniz é Doutora em Direito e professora da UFC.


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