“Tempo sombrio vai ser longo no Brasil”, diz escritor Milton Hatoum
Milton Hatoum se tornou nesta quinta-feira (8) o terceiro escritor brasileiro a ser contemplado com o prêmio Roger Caillois pelo conjunto de sua obra. A premiação, que é anual, celebra tradicionalmente um autor latino-americano e um de língua francesa.
Publicado 09/11/2018 15:59
Roger Caillois (1913-1978), célebre crítico literário, ensaísta, poeta e sociólogo francês, foi um dos mais importantes promotores da literatura hispano-americana na França, desde que se exilou na Argentina, durante a Segunda Guerra Mundial. A entrega do prêmio acontecerá no dia 13 de dezembro, na Maison de L’Amérique Latine, em Paris.
Hatoum, que estará presente, disse que “é um bom momento para sair um pouco do Brasil”. O escritor conversou com a RFI sobre a premiação, literatura e os últimos acontecimentos no país.
Você é o terceiro brasileiro a ser contemplado com o prêmio Roger Caillois, depois de Haroldo de Campos, em 1999, e Chico Buarque, em 2016. Qual o significado desta premiação para você, que possui várias obras traduzidas e publicadas na França?
Fiquei muito honrado, é um prêmio importante para a literatura da América Latina. Ele leva o nome de um francês [Roger Caillois] que morou na Argentina vários anos durante a Segunda Guerra, onde fundou uma revista importante, a Lettre Française. Ele tinha sido convidado pela escritora argentina Victoria Ocampo para dar uma série de conferências na Argentina, e teve que ficar por lá por causa da ocupação nazista do governo de Vichy e de Pétain, na França. Quando ele decide ficar em Buenos Aires, ele começa a ler literatura hispano-americana. Além da produção literária de Caillois, ele foi um intelectual importante para fazer essa ponte cultural e afetiva entre a América Latina e a França. Vejo um pouco de paralelismo com a missão francesa no Brasil, com os franceses que vieram dar aula na USP nos anos 1930, entre eles o (Claude) Lévi-Strauss. O fato de ganhar esse prêmio, e de ter dois ilustres conterrâneos como vencedores, o Haroldo e o Chico Buarque, é uma honra para mim.
Seu mais recente livro, A noite da Espera, que faz parte da trilogia O Lugar mais Sombrio, foi publicado há exatamente um ano no Brasil. É um romance de formação, que recupera um pouco do espectro sombrio da ditadura. Como será o segundo volume, que sairá num Brasil prestes a reviver, talvez, alguns destes fantasmas?
Comecei a escrever essa trilogia em 2007. Esse ano, eu revisei o segundo volume. Durante a revisão, eu percebi que o ambiente não é muito diferente do que está acontecendo hoje. Críticos, jornalistas e leitores já tinham feito esse comentário sobre o primeiro volume. Muitos acharam que a narrativa e o ambiente opressivo remetem ao que aconteceu no último ano, no Brasil. Mas eu não tinha pensado nisso. Quando escrevi, 2008, 2010, 2012, o Brasil estava na paz, em outra toada. Mas essas tragédias são cíclicas na América Latina. E relendo o segundo volume, eu percebi que esse lugar sombrio continua como espaço e tempo sombrio também. Porque estamos revivendo algo que já vi, eu que passei toda a minha juventude, e uma parte da vida adulta, sob a ditadura. Então, posso dizer que isso que está acontecendo está de algum modo no livro, embora não seja um romance político, nem um romance sobre a ditadura.
Você citou Roger Caillois, que se exilou na Argentina por causa da colaboração francesa com o nazismo. O general Pétain, um dos símbolos dessa colaboração, causou polêmica na França há dois dias, quando o presidente francês, Emmanuel Macron, decidiu homenageá-lo, durante o centenário do Primeira Guerra. Como é ser criador num país, o Brasil, que parece adotar uma postura revisionista em relação a seu passado?
Li essa declaração infeliz do Macron, e espero que tenha sido uma gafe (risos). Mas no Brasil, o que o presidente eleito, o capitão reformado Jair Bolsonaro, falou sobre a ditadura, não foi gafe, foi convicção. Ele elogiou a ditadura e torturadores. Bolsonaro é de fato uma figura sinistra e de extrema-direita. Um escritor sente essa pressão, mas esse governo não vai me impedir de escrever. Acho que quem vai sentir profundamente são as pessoas muito pobres, os negros, os homossexuais, as mulheres, ele fez um discurso contra as minorias, muito contundente e ácido. Eu não torço pelo pior, mas a equipe dele é péssima, não tem nenhuma grandeza ética ou intelectual para governar o país. Pessoas já foram assassinadas e professores estão acuados por causa dessa loucura dessa Escola Sem Partido, que vai gerar um verdadeiro caos, se esse projeto for aprovado. Será a loucura da delação em sala de aula, essa coisa de filmar professores e gravar. Acho que a violência vai aumentar e as pessoas estão com medo. Mas medo é a última coisa que a gente deve sentir. Devemos atacar com argumentos toda essa impostura.
Você é escritor. Seria possível descrever ou imaginar Brasília (um dos cenários de A noite da espera) em 2019?
Brasília em 2019 para mim será um governo de militares eleitos pelo povo. Não sabemos o que será o Congresso Nacional, como ele vai se comportar diante do Executivo. Eu estou prevendo uma situação um pouco caótica. Essa para mim é a imagem de Brasília no ano que vem. O Brasil é de uma complexidade enorme, e eles não entenderam isso. Acho que as pessoas estão muito infelizes, há 13 milhões de desempregados. Quem elege um salvador da pátria, não sabe ainda que não haverá salvação, nem a curto, nem a médio prazo. Acho que esse tempo sombrio vai ser longo.
Você é traduzido e publicado na França há muitos anos. Alguma novidade está prevista para o mercado editorial francês para este ano?
Acaba de sair na França meu livro de contos, La Ville au millieu des eaux (Actes Sud, 2018), o título em português é A Cidade Ilhada (Companhia das Letras, 2009). Gostei muito da escolha do título do tradutor, Michel Riaudel. Meu primeiro livro publicado na França foi o Recit d'un certain Orient, publicado pelas edições Seuil, todos os outros saíram pela Actes Sud, como Deux Frères (Dois Irmãos), Cendres d’Amazonie (Cinzas do Norte) e Orphelin d’Eldorado(Órfão do Eldorado).