Ayres Brito: 'Quem chega a presidente tem de baixar a crista antidemocrática'
A democracia brasileira vive um momento "sombrio". A avaliação é do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto, em entrevista à Folha de S. Paulo. Ele criticou as ameaças feitas contra o Judiciário por parte dos Bolsonaro e advertiu que "quem chega para exercer o cargo de presidente tem de baixar a crista antidemocrática".
Publicado 25/10/2018 16:02
"É preciso ver o lado factual e o lado jurídico. Factualmente, a situação é preocupante. Não chegaria a dizer trevosa, mas é sombria. A gente tem a clara impressão de que cada corrente majoritária vê a outra como signo não de um projeto de governo, mas de poder", disse o jurista.
O ex-presidente do Supremo acredita que a democracia brasileira será capaz de desenvolver uma "blindagem" contra "qualquer tentativa de desnaturá-la e, mais ainda, de liquidá-la". Para ele, a "Constituição dispõe de antídotos contra projetos de poder".
Sobre os ataques ao STF feitos por Bolsonaro e pelo seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL), não colocam a instituição sob risco, mas lembrou: "Se o candidato pode defender posturas inconstitucionais e exagerar na retórica, outra coisa é no exercício do poder. Se no cargo a autoridade se revelar incompatível com a Constituição, a sociedade fica em um dilema jurídico: ou a Constituição ou o presidente. E a resposta só pode ser que a Constituição fica e o presidente sai, o que se chama de impeachment. Quem chega para exercer o cargo de presidente tem de baixar a crista antidemocrática se ele, eventualmente, tiver uma natureza antidemocrática".
Questionado sobre as denúncia de esquema de disparo de fake news na redes socais, o ex-ministro defendeu a rigorosa apuração. "Tudo o que signifique uso ilícito de meios competitivos tem de ser processualmente apurado, instruído e julgado. Se os parâmetros constitucionais a serem aferidos pela Justiça Eleitoral forem conspurcados, o que deve sobrevir é a abertura de um processo até o fim do julgamento", afirmou.
Sobre a sondagem de Bolsonaro para ocupar a equipe ministerial de um eventural governo, Ayres Brito disse que foi procurado, mas não pelo candidato. "Eu recebi há dias um telefonema de um amigo que me disse ser muito próximo do general Hamilton Mourão e que os dois, conversando, ventilaram meu nome como algo desejável. E eu dei a mesma resposta que dei ao presidente Michel Temer, um amigo meu de tantos anos. Quando o presidente me convidou para o cargo, eu agradeci, mas disse a ele que infelizmente não aceitaria. Eu saí do Supremo com a cabeça de juiz e só sei ver as coisas por um prisma suprapartidário. Então, não tenho mais condições psicológicas para voltar a ocupar um cargo público ortodoxo. Prefiro continuar em um nível de pensador", disse.