Reitor da UFRJ afirma que Museu Nacional não será privatizado
Um mês após o incêndio que destruiu grande parte do acervo de mais de 20 mil peças do Museu Nacional do Rio de Janeiro, na Quinta da Boa Vista, o espaço começa a ser reconstruído. A estrutura física do edifício está sendo estabilizada para que, em uma segunda etapa, comece a busca por acervos entre os escombros.
Publicado 03/10/2018 13:08
O Ministério da Educação se comprometeu a repassar R$ 10 milhões para a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), instituição responsável pela gestão do museu. Por enquanto, foram liberados cerca de R$ 9 milhões para ações emergenciais, como reforço da estrutura do prédio para evitar desabamentos e garantir a conclusão da perícia da Polícia Federal.
A principal causa apontada para o incêndio é a falta de manutenção do museu, devido aos cortes de financiamento público. De acordo com levantamento do jornal Folha de S. Paulo, os recursos para funcionamento do museu caíram 77% entre 2013 e 2017, passando de R$ 709 milhões para R$ 166.
O Brasil de Fato entrevistou o reitor da UFRJ, Roberto Leher, que ressalta a importância da pesquisa realizada dentro do Museu Nacional do Rio de Janeiro e defende que não há possibilidade de privatização, pois o museu é parte indissociável da universidade.
Brasil de Fato – Por enquanto, a principal causa apontada para o incêndio seria a ausência de manutenção da estrutura do museu por falta de financiamento. Na época, alguns órgãos prometeram auxílio financeiro. Depois de um mês, quanto o museu recebeu para iniciar o processo de reconstrução?
Roberto Leher – A causa efetiva do incêndio ainda não foi determinada pela perícia da Polícia Federal. Os peritos estão no local fazendo o levantamento. O que a UFRJ vem chamando a atenção há tempos, por meio dos seus projetos, seja pela lei Rouanet ou pelo BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], é que o museu não dispunha de sistema moderno de prevenção de incêndios.
Este é um prédio tombado, no qual a tecnologia de prevenção de incêndio tem que preservar as características de uma edificação que estava tombada pelo IPHAN [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional]. Essa prevenção exigia mudanças estruturais no conjunto da edificação. A UFRJ sofreu sucessivas perdas de recursos a cada ano. É importante destacar que a UFRJ possuía, em 2014, em torno de R$ 52 milhões por ano para fazer investimentos, enquanto neste ano estamos com apenas R$ 8 milhões.
Essa brutal queda de recursos levou a instituição a buscar financiamento. Infelizmente, nosso projeto para lei Rouanet que previa o desenvolvimento de um sistema de prevenção de incêndio não teve empresários para apoiar, embora tivesse sido aprovado pelo Ministério da Cultura. Na ausência de recursos da lei Rouanet, nós buscamos desenvolver o projeto com BNDES. Foi um projeto virtuoso para a UFRJ e seguramente para o BNDES, porque foi um aprendizado sobre como planejar reformas de edificações tombadas, mas também como pensar um museu voltado para ciência, cultura e memória histórica.
A partir do incêndio, nós definimos como prioridade o reforço estrutural do que permaneceu em pé (a fachada e as laterais), que é imprescindível inclusive para retirar os entulhos e investigar possíveis acervos entre os escombros. Sabemos que ainda existe algum acervo a ser buscado nos escombros.
Nós fizemos um levantamento com diversas empresas e chegamos à conclusão de que uma determinada empresa preenchia os requisitos técnicos para realizar essa obra, e com essa definição tivemos a liberação dos recursos prometidos pelo Ministério da Educação. É importante destacar que, neste momento, na gestão do ministro Rossieli Soares da Silva, os encaminhamentos e tratativas da UFRJ junto ao Ministério tem sido encaminhados de forma republicana e tem funcionado muito bem.
Digamos que a causa profunda do incêndio é o fato que, durante muitas décadas, o Museu Nacional não recebeu nenhuma linha permanente de recursos que possibilitasse as melhorias estruturais que a edificação estava requerendo, entre elas, obviamente, a da prevenção de incêndio. A prevenção de incêndio em uma edificação de museu não pode ser tradicional, com uso de água. Não pode liberar água sobre as múmias, por exemplo. Isso requer tecnologias específicas e, por isso, estávamos desenvolvendo projetos específicos para refazer a estrutura de prevenção de incêndio.
Até agora foram liberados R$ 8,9 milhões pelo Ministério da Educação?
Sim, um pouco mais, pois além desse valor voltado para reforço estrutural, nós estamos instalando infraestrutura por meio de módulos – os chamados contêineres – para que seja possível constituir laboratórios para selecionar os possíveis acervos existentes entre os escombros. O possível acervo tem que passar pelo tratamento adequado e ser classificado. Para isso acontecer, precisamos de uma estrutura.
No desenvolvimento dessa metodologia de trabalho, nós contamos com assessoria da Unesco. Vieram técnicos da Alemanha, que fizeram uma série de sugestões e recomendações sobre a melhor forma de tentar resgatar o acervo que ainda pode existir entre os escombros.
Na semana do incêndio houve também um movimento por parte de empresas de comunicação, e pelo próprio governo federal, de que seria necessária a privatização de museus. Como está sendo encarado esse debate de privatização do Museu Nacional do Rio de Janeiro?
Não há possibilidade de privatização do Museu Nacional da UFRJ. Essa é uma posição muito sólida da nossa instituição: o museu é parte indissociável da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Nosso museu não tem característica de outros museus, que são mais de exposição de objetos interessantes para serem vistos pelo público. Nosso museu é um museu de pesquisa. Ele abriga seis programas de pós-graduação que são referências internacionais de excelência acadêmica. Nosso programa de antropologia social, por exemplo, tem conceito sete na Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior], e neste programa temos a cosmovisão dos povos indígenas, além de estudos sobre formação e evolução das populações ameríndias.
O museu só existe porque nós fazemos ciência, e não há hipótese de o museu ser desmembrado. A imprensa veiculou muito essa possibilidade de interesse por parte de setores do governo de desmembrar [o museu] da UFRJ. É importante destacar que o Ministério da Educação tem a mesma compreensão da UFRJ de que o museu não é passível de ser desmembrado da Universidade. O museu é UFRJ e, portanto, qualquer encaminhamento sobre o processo de reconstrução do museu tem que contar com o protagonismo e a decisão da UFRJ.
Agora, é evidente que o incêndio no Museu Nacional provou uma série de iniciativas que, efetivamente, tem como propósito modificar a natureza dos museus universitários e dos museus públicos de pesquisa, de uma forma geral. A compreensão é que a atividade de pesquisa, a produção do conhecimento associada à exposição presente no museu deveria ser feita em outra esfera, distinta do âmbito museu.
Nossa compreensão é inteiramente distinta. O museu expressa as atividades acadêmicas da nossa instituição. Porém, há setores que veem a cultura na ótica da indústria cultural, como parte de um setor econômico capaz de produzir lucro para determinados setores que exploram o ramo dos negócios museais. E isso ganhou muita centralidade no debate subsequente ao incêndio, demonstrando que temos setores no Brasil que não conseguem compreender o lugar da ciência e da cultura em qualquer projeto democrático de nação.
Enquanto isso, as pesquisas que aconteciam no museu foram paralisadas?
Muitos pesquisadores perderam seus equipamentos, materiais, relatórios, acervos, e estão em situação muito complexa e difícil. Estivemos no Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações para solicitar apoio da Finep e CNPq. Estamos apresentando um plano de trabalho para que esses pesquisadores possam contar com infraestrutura necessária para o desenvolvimento de suas pesquisas.
Outros pesquisadores não tiveram sua infraestrutura de pesquisa prejudicada, porque já estavam no anexo localizado no que chamamos de “horto do museu”, especialmente algumas áreas de botânica foram de fato preservadas do incêndio.
Também estivemos com a CAPES, solicitando compreensão em relação aos prazos para os estudantes que tiveram seu material de tese e dissertação perdidos pelo incêndio, porque certamente esses estudantes não vão conseguir cumprir o prazo regular.