Vice na chapa petista em São Paulo: Neoliberalismo vive descrédito
Parte da agenda de campanha, os encontros com trabalhadores em portas de fábrica às 5 da manhã trazem de volta uma parte de Ana Bock guardada em meio às lembranças da militância em partido clandestino e mais tarde pelo recém-criado Partido dos Trabalhadores.
Por Cida de Oliveira
Publicado 27/08/2018 10:40
Professora de Psicologia e Psicologia da Educação na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e presidenta do Conselho Federal de Psicologia por três gestões, a vice na chapa de Luiz Marinho na disputa pelo governo do Estado de São Paulo não tem dúvidas de que o projeto neoliberal está falido.
“O projeto neoliberal vem se perdendo. Ninguém mais acredita nele. Nem a juventude”, afirma Ana. Para ela, cabeças conservadoras, como as defensoras de ideologias como a da Escola sem Partido são, acima de tudo, desonestas.
“Escola sem Partido é uma escola sem vida, sem sociedade. Seria mais honesto chamar de Escola sem Vida, sem o cotidiano, que afasta as crianças e os jovens daquilo que acontece na sua vida. E eles chamaram de sem partido porque há até uma coincidência: os professores mais amados são aqueles com posições progressistas, e muitas vezes com partido, muitas vezes com Lula. É essa ponte que não querem. A escola sem partido é a escola sem Lula”.
Nesta semana, Ana Bock recebeu a reportagem da RBA. Na conversa, educação, juventude, trabalho, drogas, saúde e inclusão social, inclusive na perspectiva política do programa de governo de seu partido na disputa pelo Palácio dos Bandeirantes.
Confira os principais trechos da entrevista:
Como a educação é vista por uma chapa formada por um metalúrgico e uma acadêmica?
Como algo muito importante. Para as pessoas mais pobres, que se esforçam para manter seus filhos na escola – como é o caso do Lula e do Luiz Marinho – a educação é muito valorizada. Do mesmo modo, para estudiosos da educação, como eu. Então, nós temos em comum esse grande valor atribuído à educação, que não pode, porém, ser entendida como única salvadora de uma sociedade tão desigual. Quando as pessoas melhoram sua condição de vida, melhora a educação, a frequência do filho na escola.
Mas quando piora, muitas famílias precisam retirar seus filhos da escola para ajudar na renda. A gente sabe de muitas crianças que deixam de estudar. Dia desses vi uma criança aqui no bairro vendendo salgado que a mãe faz. Mas se a educação sozinha não resolve, sem ela não se resolve nada. Daí a necessidade de investir mais na educação e mudar essa escola carrancuda, com prédio feio, com cara de prisão por causa da vulnerabilidade, que acredita na educação pelo rigor, pela braveza.
E há um avanço do pensamento conservador na escola, aquele mesmo que puniu, que fez ajoelhar no milho, que bateu com a palmatória, que botou no escuro para amedrontar, e que acha que sem cara feia não se aprende.
O Metrô é o transporte público com menor taxa de depredação, porque as pessoas se sentem respeitadas quando têm as estações bonitas, limpas, bem cuidadas. Mas as escolas estão quebradas, mal cuidadas, um desrespeito ao aluno e ao professor. Por isso é preciso ampliar o investimento, dar melhores condições aos professores, que para compor o salário precisam trabalhar em tantas escolas. E ainda por cima estão à mercê desse pensamento conservador, que tem de ensinar só Português e Matemática, e que o resto é tudo complemento. Isso vai esvaziando a escola de temáticas interessantes.
Como melhorar?
Há escolas que proibiram as crianças de levar álbum de figurinhas, quando o professor poderia acolher e fazer com eles um trabalho conjunto com outros professores de outras disciplinas, por exemplo. As crianças têm o sentimento de que tudo que elas têm é proibido na escola. Toda a cultura dela tem de ficar do lado de fora. E tem de entrar com uma mochila com coisas das quais não gostam. Não é que o que é ensinado não pode ser ensinado. Mas o professor tem de ter conforto e qualidade para ensinar de maneira mais gostosa.
É preciso que a escola seja menos carrancuda. O que dá certo na escola é música, concurso de poesia, de rap, de dança, de jogo. Muitas pessoas dizem: “ah, mas essas crianças não querem saber de nada, só de dançar, jogar futebol”. Mas elas querem isso na escola, gostam disso. Nesse sentido, os CEUs são uma coisa potente. E queremos que esse tipo de conceito colocado em prática por Luiza Erundina, Paulo Freire, Mário Sergio Cortella, por Marta, volte. Nós queremos a volta dessa felicidade que nós pudemos curtir por um tempo, embora ainda não estivéssemos no melhor estágio. Ainda tinha muita falha, muito erro, muita falta, mas não podemos pensar que não conseguimos fazer. Foi feito em muitos estados e cidades desse país.
Temos de retomar projetos de Fernando Haddad, projetos que deram certo e aperfeiçoar, e adaptar ao interior de São Paulo, à capital. Porque outra coisa importante é ter uma educação que respeite as diferenças no estado. Não pode ter uma escola igual em São Paulo e na zona rural, onde estamos sujeitos a tempo de colheita, por exemplo, e os alunos trabalham a roça com suas famílias. As escolas têm de ter autonomia e serem coordenadas por uma política mais ampla. Tem de haver um acordo nacional, com base nas regras nacionais. E São Paulo tem potencial para desenvolver diferentes projetos em diferentes cidades e locais, que tornem a escola atrativa. Marinho tem defendido uma escola mais atrativa. Nosso esforço é para contar com sugestões, experiências já realizadas na perspectiva de tornar a escola atrativa, qualificada e para todos.
Em 2015 alunos defenderam suas escolas de Alckmin, que queria fechá-las. O que fazer para que se tornem de fato, protagonistas das políticas?
Temos de estimular projetos culturais, esportivos, a organização em grêmios estudantis. O problema é que ninguém quer a organização dos estudantes. Não é fácil conviver com o vigor e a ousadia da juventude. Nós, adultos, não temos dúvidas disso, que não é fácil. Mas não é porque não é fácil que a gente tem de cercear. Temos de ver onde a gente segura e onde a gente solta. A escola precisa ter grêmio que polariza, que organiza atividades culturais, esportivas. Eu tenho certeza que essa meninada quer uma escola, mas uma escola diferente daquela que tem hoje.
O que passa pela cabeça dos que querem uma escola sem partido?
É a ideia de fortalecer um grupo social que vinha perdendo poder em termos de persuasão, de convencimento. O projeto neoliberal vem se perdendo. Ninguém acredita mais nele, nem a juventude. É fácil perceber isso: os professores mais queridos pelos alunos são aqueles que se identificam mais com eles, que gostam de fazer coisas parecidas, que têm posições progressistas. E muitas vezes com partido, muitas vezes com Lula. É uma ponte que os conservadores não querem.
A escola sem partido é a escola sem vida, em que não se discute futebol, sexualidade, namoro, homofobia, preconceito racial e nada que está posto para a juventude, o que ela gosta, sobre o que conversa na hora do intervalo, quando sai. Mas tudo isso está fora. Nela não se discute o programa, o filme que os estudantes assistiram no cinema. Como assim, uma escola não acolhe o cinema, não acolhe a música? E o professor que eles gostam é aquele que traz essas questões. O que entra na classe para dar aula de física e pergunta: gente, vocês viram o que aconteceu ontem? Vamos analisar isso aqui juntos e aproveita para usar como um exemplo.
Seria mais honesto chamar de escola sem vida, sem cotidiano, sem sociedade, que afasta as crianças e os jovens daquilo que acontece na vida deles, uma escola com o partido deles, uma escola sem Lula. É uma disputa política de um determinado projeto político de cidadania e de sociedade, que vai levar o jovem vai discutir suas questões em outros espaços, fora da escola, na internet.
Como têm de ser as políticas para os jovens, sempre na mira da polícia?
A polícia não pode ser um agente do estado que mata a população, sobretudo o jovem pobre; a polícia não tem essa função. Antes de mais nada é preciso entender o jovem. Quando ele diz que quer ser o chefe do tráfico, o dono da boca, é porque vê nessas figuras um reconhecimento da sociedade. As pessoas podem temê-las, mas a reconhecem. Nas periferias se busca o reconhecimento, a dignidade, o fim da humilhação. Muitos empregos oferecidos para os jovens como solução para sua condição de vida, para que se afastem das drogas, são empregos que, infelizmente, impõem humilhação muito maior do que teriam se trabalhassem no tráfico.
É o caso do menino que fica carimbando, fazendo trabalho repetitivo, mecânico, que não exige criatividade, como se fosse um robozinho, entregando correspondência em uma empresa, onde não tem acesso a muita coisa, onde as pessoas nem olham para ele, como se fosse um fantasma, invisível, ou onde as pessoas olham com desconfiança, tipo “que menino é esse que botaram aqui?". A humilhação social está nos mínimos detalhes da nossa convivência social. É o jeito que a gente olha para o outro. A gente sabe o nome de uma pessoa importante, mas não sabe o nome do ascensorista, da faxineira. São processos sociais que muitas vezes a gente nem percebe, típicos dessa invisibilidade da camada mais pobre.
É por isso que a juventude, quando perguntada sobre o que ser quando crescer, responde que quer ser alguém famoso, um roqueiro… Ele pensa sempre em projeção, luzes, fumaça saindo do chão, porque ninguém quer ser invisível. Ninguém quer ser um advogadozinho médio. Ele quer ser um grande médico, porque ele se identifica com situações de reconhecimento social. Não é porque o cara ganha muito, mas é porque tem reconhecimento. O ganhar bem vem acoplado, mas é outra coisa.
E as drogas?
As drogas não tornam as pessoas vulneráveis. É o contrário: primeiro ficam vulneráveis, depois vão para as drogas. Há diversos estudos, como do Jessé Souza, que mostram que as pessoas não se tornam vulneráveis porque foram para o crack, por exemplo. Na verdade já estavam. É calamitoso quando uma coisa se junta a outra. Destroem-se relações, possibilidades. O programa De Braços Abertos, da gestão Fernando Haddad em São Paulo, que João Doria logo fez questão de tirar como uma de suas primeiras políticas, é um projeto interessante nesse sentido.
É de saúde mas não começa pela saúde, e sim pela condição de vida. Primeiro se aproximou dos craqueiros, oferecendo uma refeição. Depois a possibilidade de moradia em prédios antigos no centro da cidade. Na sequência levantou habilidades para oferecer chance de trabalhos internos, como consertar instalação elétrica, por exemplo. E quando o vínculo estava estabelecido, foram chamados para falar sobre o vício, o uso excessivo. Com isso puderam reduzir drasticamente o uso, tiveram a possibilidade de trocar o crack por outra droga menos prejudicial à saúde. Estavam todos a meio caminho de começar a solucionar seus problemas.
E o Doria se junta a Geraldo Alckmin para dizer que tudo aquilo não passa de um caso de polícia. Quem é que aguenta viver sem dignidade? O professor de Psicologia Social da USP, José Moura Gonçalves Filho, tem um estudo sobre humilhação social. É interessante como as pessoas reivindicam, em sua condição humilhada, dignidade e partilhamento. Elas querem que aquilo que acabam ganhando e tendo como possibilidade seja partilhado; elas têm um senso de coletividade muito maior do que das pessoas das camadas sociais mais altas.
Como você avalia a situação das universidades públicas?
Acho que a gente tem duas coisas que se complementam: o sucateamento e o projeto de privatização. O Alckmin não esconde que pretende implementar a cobrança nos cursos de pós-graduação. Há o projeto neoliberal de sucatear a USP para justificar a entregar às empresas como única saída. Por exemplo: colocam os professores, inclusive aposentados, como despesa da universidade, para torná-la ainda mais deficitária. E quando privatizarem, passam esse custo para a área da previdência. São jogos perversos do neoliberalismo.
E tem ainda o fato de o pensamento neoliberal não valorizar a educação, que é vista como algo mínimo para o trabalho. Defendem a oferta de algumas boas escolas, que podem ser públicas, para garantir o aproveitamento de grandes mentes, que não estão nas periferias, mas em algumas escolas particulares, em institutos federais, que serão pinçados para estudar na USP, Unicamp, Unesp. O resto, gente, entrega para a Kroton, para os grandes grupos que estão dominando o ensino superior privado, com o mínimo de qualidade, e bota essa gente no mercado de trabalho para ser chefiada por aquele outro grupo que estudou em escola melhor. Uma visão antiga de que não se precisa investir dinheiro para qualificar todo mundo porque nem todo mundo é qualificável. Só precisa garantir que alguns sejam qualificados. É a ideia que estava por trás das políticas de educação do governo FHC.
Como cuidar da saúde de São Paulo?
Tem de investir para fortalecer a atenção básica, com medidas estruturantes. Veja o caso do Doria e seu corujão: Abriu vagas para exames à noite, mas tirou os ônibus noturnos. Como as pessoas não podiam ir ao exame, foram tiradas da fila, que ele diz que acabou. As pessoas não tiveram sua necessidade atendida. É um absurdo.
É bom lembrar que o que a gente chama de crise na saúde, nas universidades, na educação, na verdade não é crise: é um projeto, um projeto do PSDB há tantos anos no governo paulista. E a população tem de saber que há um projeto alternativo. É preciso estabelecer prioridades. Não se pode permitir que se matem jovens na periferia, como está acontecendo. Temos de mostrar que há um contraponto a esse projeto peessedebista. E a população tem condições de perceber isso. Mesmo com a Rede Globo e a mídia nas mãos da elite, a população 'experenciou' Lula. Tanto que é por isso que eles têm medo. Por isso prendem Lula, por isso agora estão questionando Fernando Haddad. É a arma que eles têm pra lutar. O projeto deles é o sucateamento. Nós podemos fazer o discurso do contra projeto. Eles não.
A gente sabe que é difícil pensar em reverter de imediato o avanço privado, que atende boa parte da população, inclusive as de menor renda. Não dá para mudar do dia para a noite. Mas a gente tem de regular para garantir um minimo de qualidade. Algo como a pressão que se fez para garantir a cobertura da Aids, que não havia no começo. Os planos de saúde tiveram de cobrir, senão seriam fechados. Tem de ter exigências. A gente sabe que é difícil pensar em reverter de imediato o avanço privado, que atende boa parte da população, inclusive as de menor renda. Não dá para mudar do dia para a noite. Mas a gente tem de regular para garantir um minimo de qualidade. Algo como a pressão que se fez para garantir a cobertura da Aids, que não havia no começo. Os planos tiveram de cobrir, senão seriam fechados. Tem de ter exigências.
O que fazer para criar empregos em São Paulo?
Luiz Marinho tem repetido o economista Ladislau Dawbor, que vê a Economia como algo simples: é preciso produzir, mas também quem possa comprar. O trabalhador tem de estar trabalhando para poder comprar. Não adianta querer produzir se não tem quem compra. É preciso pensar estratégias para movimentar São Paulo nessa direção. Uma das coisas é o banco paulista de apoio ao pequeno produtor, às pequenas empresas, às cooperativas, empresas familiares, para subsidiar investimentos a juros menores. É preciso ativar a economia não só por meio das grandes indústrias, mas também as pequenas empresas, inclusive negócios familiares.
A qualificação para o trabalho é outra condição importante. É preciso mapear as necessidades regionais. Não se pode, por exemplo, tirar os jovens do interior de São Paulo para trabalhar na capital. Osasco, por exemplo, tem perfil industrial e bancário, como a sede do Bradesco instalada ali. Não adianta oferecer capacitação só para uma área, ou para outra que não seja a vocação local.
Há no projeto do Marinho um aspecto pouco comentado: a questão racial. Além de colocar a cultura afrodescendente nas escolas, queremos fomentar pequenos negócios dessa população. O órgão público deve priorizar o negócio de uma família afrodescendente. É uma questão tão importante como reservar metade das vagas nas universidades públicas à meninada que vem da escola pública.
Como a candidatura avalia a questão dos recursos hídricos, tão abandonada pela gestão Alckmin?
Existe um movimento organizado que reúne entidades, sindicatos, como a FUP, e movimentos populares na discussão da questão energética e hídrica, que já entregou um programa de medidas para o Fernando Haddad, com reivindicações e sugestões. É uma gente que tem proposta, que sabe como lidar com a questão da água e da energia, que tem muito a contribuir para uma área estratégica, que por sua vez está relacionada com outras áreas, como a educação e a saúde, que precisa de recursos dos royalties do petróleo conforme defende Marinho. Essa questão é muito importante principalmente quando tivemos uma emenda constitucional (EC 95) que impõe um teto de investimentos no setor pela União, que afeta essas áreas. Então temos que arranjar outras fontes de subsídios.
Como fica a questão de gênero na plataforma Marinho?
As mulheres têm uma participação bastante grande na organização do programa Marinho, assim como os LGBTs, que não é por acaso. As pessoas sofrem homofobia, as mulheres sofrem a violência – daí a importância de revitalizar a Delegacia da Mulher, por exemplo. Há um conjunto de coisas no programa que atende às necessidades desses grupos específicos, que exigem atenção específica. Há um forte discurso do feminicídio, da violência, conduzidos pelos grupos ligados a partidos conservadores, que o Guilherme Boulos chama de 50 tons de Temer.
A gente precisa de um tempo porque não dá para fazer tudo de uma vez, precisa ir com calma, embora o Lula tenha mostrado que nem é preciso tanta calma assim. O Marinho tem essa disposição, essa certeza de que é possível escolher prioridades e mandar ver porque vai dar certo, como ele já fez em São Bernardo. A população precisa entender que há dois grandes projetos que estão hoje em disputa. O dos tons de Temer e o outro, representado pelo PT, PCdoB, Psol, PDT – os tons de Lula.
Confira o vídeo da entrevista com Ana Bock: