A Grécia esgotada pela austeridade
Segunda-feira (20) foi o dia do fim do famigerado programa imposto pelos credores à Grécia. Mas "não existe saída nenhuma" se há dívidas para os próximos 30 anos, diz Tania Antonakakou, 25 anos. A melhoria dos indicadores macroeconômicos não tem reflexo no dia-a-dia, diz o jornalista Bruno Tersago
Publicado 21/08/2018 14:49
Segunda-feira (20) foi o dia da saída formal da Grécia do programa de austeridade, o terceiro desde 2010, que marcará o fim de uma fase na crise grega, a maior depressão econômica registada em tempo de paz, tão profunda como a Grande Depressão dos EUA nos anos 1930, e ainda mais longa. Mas na Grécia ninguém está tranquilo ou esperando melhorias imediatas, e quando se diz imediatas, quer dizer nas próximas décadas.
Tania Antonakakou diz: “Não existe saída nenhuma – assinamos acordos duros para os próximos 30 anos”.
Alex diz que, mesmo com a saída, há problemas que vão continuar, desde no nível micro (“as pessoas continuam sem dinheiro para o básico”) até ao macro (“como vamos conseguir ter acesso a credito barato?”, pergunta, referindo-se às hipóteses de o país conseguir financiamento nos mercados com juros baixos).
Crise é o novo normal
“Claro que todos os gregos esperam um regresso à normalidade”, diz Pantelis Makkas, artista visual de 43 anos. “Mas não acho que saibam o que é normal. É trabalhar dez horas por dia e receber 500 euros? Para muitos de nós isso tornou-se o normal.” Depois da saída do programa, “não espero mudanças imediatas”, diz.
“A crise é o novo normal”, resume Bruno Tersago, jornalista e correspondente na Grécia de media belgas e holandeses. “Na vida do dia-a-dia ninguém vê as melhorias, estas aconteceram apenas nos indicadores macroeconômicos.”
Neste novo normal, anteriores necessidades básicas são agora luxos. Alex estima que mais de metade dos gregos não consiga ir ao dentista se precisar. “A maioria das pessoas vive pensando no que pode cortar a seguir. Na eletricidade, não se pode cortar”, diz – mas alguns cortaram mesmo: mais de 40% dos gregos não conseguem pagar eletricidade, segundo a agência Reuters. “Trocar o carro pelo ônibus? Já o fizemos em 2011. No telemóvel? Na Grécia a média de gasto mensal de um cartão pré-pago é de três euros”, nota. “Onde cortar mais? Se ganhas 500 euros e tens 700 euros de despesas, estás automaticamente na endividado…”. "Muitos jovens vão vivendo, mas com trabalhos que são precários. São impedidos de ser mais ambiciosos”, completa.
Este é um problema também para o Estado arrecadar impostos: muitas pessoas não conseguem pagar. O diário Kathimerini falava num círculo vicioso de sobrecarga fiscal: com o aumento de contribuições para a segurança social, fica menos rendimento disponível para retirar o IRS, por exemplo.
“No fim do mês, continua a não sobrar nada”, aponta Bruno Tersago. “Pessoas estão cortando todas as despesas que podem, até na comida, para conseguirem pagar os impostos.”
Não há ambições
Outro problema é que os novos empregos criados após a crise são sobretudo trabalhos de meio-período mal pagos, acrescenta o jornalista (o que tem reflexo na sustentabilidade do sistema de pensões).
Electra, licenciada em Sociologia, passou anos vivendo assim, de emprego precário e mal pago em emprego precário e mal pago, trabalhos esgotantes, em organizações de apoio a gregos afetados pela crise ou refugiados que fugiam de guerras. Os contratos eram em geral “de um mês, ou, na melhor hipótese, seis meses”, diz, pautando o discurso com baforadas num cigarro que delicadamente perguntou se incomodava antes de acender, mesmo estando longe.
Mas Electra acha que foi mesmo por isso que tomou uma decisão difícil. “Cansei de ser explorada. Percebi que me esperava uma vida inteira de trabalho em más condições.” Aos 34 anos, deixou tudo, voltou para casa da mãe, e nos últimos meses está estudando para o exame de admissão na Faculdade… de Medicina.
Electra sente-se com muita sorte por poder fazer esta tentativa. “Talvez no meu caso a crise tenha sido boa porque me obrigou a pensar bem no que queria para o futuro”, diz. O futuro que, na Grécia, é sempre incerto, para todos: trabalhadores empregados ou por autônomos, com contratos com ou sem termo. “Tenho 34 anos e no meu círculo de amigos só dois têm filhos.” Ninguém sabe com quanto dinheiro pode contar no mês seguinte, mesmo quem tem emprego fixo: “A minha tia tem um emprego estável e tem sete meses de salários em atraso”, conta.