Ariano Suassuna, nacionalista e popular
Na segunda-feira (23), completaram-se quatro anos do falecimento de Ariano Suassuna. E por astúcias da vida, nesta quarta-feira celebra-se o Dia do Escritor. Para os dois dias, é natural que recuperemos este autor universal do Nordeste e do Mundo.
Por Urariano Mota*
Publicado 25/07/2018 15:06
Ariano Suassuna, pelo menos em seus últimos 30 anos, esteve sempre em pleno exercício da glória. Contrariando o adágio de que ninguém é profeta em sua terra, Ariano Suassuna é, foi querido em Pernambuco, na Paraíba, no Brasil e no mundo. Sem deixar Pernambuco. Sem deixar o bairro de Casa Forte, onde morava. Em 2014, na semana anterior a seu falecimento, as filas dobravam esquinas, quarteirões, para ouvi-lo no Festival de Inverno de Garanhuns, cidade do interior de Pernambuco.
Caso raro também de escritor, ele sabia falar, tão bem ou melhor que escrevendo. Ele usava a fala, o dom de contar estórias, como poucos atores já vi até hoje. Os atores de palco, os humoristas de profissão, até mesmo os do gênero que chamam agora de comédia stand-up, um nome que Ariano teria horror, stand-up, fiquem de pé, em pé, por favor, para melhor estudá-lo. E não adiantava fazer dele a caricatura, os traços exteriores, porque o fundamental do escritor, a complexidade do ser, a cultura e vivência são irreproduzíveis.
Ele dizia: “A minha voz é feia, fraca, baixa e rouca, eu tenho essa dificuldade”. E ganhava de imediato o auditório, com um sem se dar importância, como um ótimo ator e estudioso da psicologia humana, do público, que ele mantinha na rédea, à mão. “Eu sou um palhaço frustrado”, ele dizia nas palestras. Insuperável em contar histórias, todas acontecidas. Como a história dos doidos, na inauguração de um hospital para loucos na Paraíba. Ele contava que na inauguração do sanatório, que aplicava a psicoterapia do trabalho, os doidos entraram em fila com os carros de mão. Um deles entrou com o carro invertido, virado. Ao ser recriminado, o louco diferente respondeu:
– Eu sei, doutor, que o meu carro está errado. Mas se eu botar o carro certo, eles botam pedra pra eu carregar.
Ariano dizia que admirava os loucos, porque eles têm um ponto de vista original, como os escritores devem ter.
Noutra, ele contava que o doido oficial de Taperoá, terra natal, ficou uma vez com o ouvido colado num muro da cidade, e as pessoas começaram a imitá-lo, pondo o ouvido no muro também. Até que uma pessoa normal, com o ouvido no muro, reclamou pro doido oficial:
– Eu não estou ouvindo nada.
Ao que o doido respondeu:
– Não é? Desde manhã que tá assim.
Era um sucesso absoluto no auditório. Na homenagem que faço a ele, no Dicionário Amoroso do Recife, escrevi:
“…Tudo o que Chico Anysio, Lima Duarte e Rolando Boldrin tentam fazer na televisão, conversando, há muito Ariano vem fazendo: ele é um humorista narrador de casos, ajeitados à feição de vivíssimos causos. Ele é um showman sem smoking, metido em roupa de caroá, ou em calça e camisa de brim cáqui… (Mas em se tratando de Ariano Suassuna, melhor dizê-lo palhaço sem fantasia na vestimenta)
A gente não sabe se Ariano Suassuna criou o seu personagem, ele próprio, Ariano, ou se o seu personagem criou o narrador de auditório, Ariano. Conversando, ou melhor, somente ele falando, parece que conversa, porque ele narra de um modo que nos mergulha no meio da sua narração. Ele gera a ilusão da conversa pela comunhão, até mesmo pela cumplicidade, com os fatos narrados.
Ariano, ‘conversando’, é ator de picadeiro sem trejeitos ou caretas, que substitui pelos movimentos da voz, pelas inflexões na fala, pela escolha de palavras chãs, pelo rasgo de olhos pícaros que nos fitam, acompanhando o efeito das armadilhas que lança. Ele narra nesse ator – ele próprio – pela ambientação que situa, uma ambientação absolutamente econômica de cenários, cenários só personagens, e, o que reforça a ilusão de conversa, ele aparenta ser também ouvinte, quando na verdade faz pausas de radar, para ver como se refletiram aqueles sinais que lançou”.
Ariano Suassuna foi um nacionalista sem trégua. Amante do povo brasileiro, amante incurável, sem remédio ou subserviência. Dizia ele, lembrando Machado de Assis: “No Brasil existem dois países: o Brasil oficial e o Brasil real. Eu interpreto que o Brasil oficial é o nosso, dos privilegiados. E o país real é o do povo. E Machado dizia: ‘o país real é bom, revela os melhores instintos. Mas o país oficial é caricato e burlesco’”. Falava mais Suassuna: “a classe dirigente do Brasil quer que o Brasil seja uns Estados Unidos de segunda ordem. Eu não quero nem que seja Estados Unidos de primeira. Eu quero que o Brasil seja o Brasil de primeira..”. Amado por todos, até mesmo pela vanguarda, que ele mais de uma vez hostilizou. É verdade, ele era um conservador em matéria de costumes e de arte. Pra se ter uma ideia, nunca aceitou o teatro de Nelson Rodrigues, por achá-lo um amontoado de perversão e perversidade. Mas isso pouco importa agora. O mais importante é destacar que ele era um humanista, um conhecedor de humanismo clássico, um homem cultíssimo, que falava sobre a literatura picaresca na Espanha antes de Cervantes. Um erudito que se disfarçava bem na fala de sertanejo, no sotaque pernambucano, nordestino entranhado.
No seu amor pelo povo, no nacionalismo que buscava o melhor da civilização brasileira, ele foi, é um exemplo a ser seguido por todos escritores brasileiros.