Temer enfraquece Embraer e empregos no Brasil para beneficiar Boeing
“O efeito desencadeador de desmobilizar empregos no Brasil para mobilizar empregos em outro país terá severo impacto”, declarou Clemente Ganz, diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese). Segundo ele, esse pode ser um dos resultados da confirmação feita pelo governo brasileiro da fusão entre a empresa brasileira de aviação Embraer e a americana Boeing. “Um crime”, definiu Clemente.
Por Railídia Carvalho
Publicado 13/07/2018 18:16
“A pergunta aqui é: essas empresas, ao desenvolverem suas atividades produtivas, o fazem a partir de onde? E, ao fazer, fazem com que mão-de-obra?”, questionou o diretor do Dieese. “Será um engenheiro brasileiro que vai produzir para a Embraer do futuro ou será um engenheiro da Boeing? Esses empregos todos vão ser gerados na matriz onde a empresa estiver. Quando comprar um equipamento não será um feito pela empresa brasileira, mas com uma empresa que tenha relações com a Boeing”, esclareceu Clemente.
A Embraer é a terceira maior fabricante de aviões comerciais do mundo e a única fabricante brasileira de aviões, aliás, concorrente da Boeing. Apesar da Embraer ter nascido estatal, ela foi privatizada no governo de Fernando Henrique Cardoso. Atualmente, a União detêm uma ação de classe especial, chamada "golden share". Essa condição dá poder de veto em decisões estratégicas da Embraer. O governo Temer quer abrir mão dessa condição com justificativas (como geração de empregos e retomada da economia) que são contestadas por dirigentes sindicais.
“As consequências que vêm logo após a incorporação feita por uma empresa multinacional é precarização dos empregos, diminuição da massa salarial, perdas na economia nacional e regional e a completa falta de compromisso com o desenvolvimento do país e a produção de pesquisa e conhecimento”, enfatizou Marcelino da Rocha, presidente da Federação Interestadual de Metalúrgicos e Metalúrgicas (Fitmetal) e integrante do Movimento Brasil Metalúrgico, que reúne representantes de todas as centrais sindicais do país.
"Façam o que eu digo não o que eu faço"
Na opinião do dirigente, a “doação” da Embraer aos americanos feita pelo governo de Michel Temer é parte da política do governo de Michel Temer para entregar às multinacionais empresas como Eletrobras, Petrobras, Caixa Econômica, Banco do Brasil e Banco Central. “É tudo o que os governos de primeiro mundo pregam. Mas não praticam nos seus próprios países. França, Alemanha e Estados Unidos têm forte intervenção do Estado, mas propagandeiam para o resto do mundo que o livre mercado é uma necessidade”.
Marcelino lembrou que o Brasil Metalúrgico tem se posicionado em defesa de uma frente unificada em torno dos interesses nacionais, ameaçados desde o golpe de 2016 que derrubou a presidenta eleita Dilma Rousseff. Ele recuperou o impacto negativo de empresas nacionais que foram repassadas às multinacionais como Companhia Siderúrgica Nacional (CSA) e Companhia Vale do Rio Doce.
“Resultou em total esfacelamento da economia regional combinado com demissões, diminuição da distribuição de renda e consequentemente nenhuma preocupação com o meio ambiente como foi demonstrado recentemente no desastre na cidade de Mariana”, completou o metálurgico.
Em 2015, houve o rompimento de uma barragem de rejeitos em Mariana resultando no maior desastre ambiental do país. A lama atingiu mais de 40 cidades, entre Minas Gerais e Espírito Santo, e matou 19 pessoas. A Vale é uma das empresas que responde pela tragédia.
Destruição da engenharia nacional
A notícia da fusão entre Embraer e Boeing tem causado inquietação nos trabalhadores da empresa brasileira em São José dos Campos. São 15 mil trabalhadores sem a garantia de que manterão seus empregos ou as condições de trabalho em que produzem. Diferente do discurso público do governo, a direção da empresa não deu nenhuma garantia aos representantes do sindicato dos trabalhadores da Embraer em S. José dos Campos, Botucatu e Araraquara. A reunião ocorreu nesta sexta-feira (13).
"Não deu detalhes do que pretende fazer, se vai ter PDV (programa de demissão voluntária) ou demissão em massa. Mas o que ele falou foi: 'não posso garantir isso", declarou à reportagem da Rede Brasil Atual o vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, Hebert Carlos, sobre o que teria dito o presidente da Embraer, Paulo Cesar de Souza e Silva.
Na opinião do presidente da Associação de Trabalhadores Lesionados do Vale do Paraíba(ATL-Vale), Luis Fabiano Costa, as demissões em massa podem se transformar em uma realidade. Em entrevista ao Portal Vermelho, ele denunciou que os trabalhadores da Embraer mesmo antes de se concretizar a fusão vêm sendo demitidos. “Vários trabalhadores lesionados, em função do trabalho repetitivo na fábrica, mesmo com a garantia do emprego, têm sido demitidos. E há boatos de que haverá programa de demissão voluntária”.
Greve?
O dirigente lembrou que a ameaça se dá em torno da quantidade e também da qualidade dos empregos. “Aqui está a nata da engenharia da Embraer. Aqui é um pólo aeronáutico, a engenharia sai toda daqui. Instituições importantes para o país estão instaladas aqui como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Esse pessoal que é formado no Inpe é absorvido pela Embraer. A empresa oferece serviço de qualidade e boa remuneração e de repente esse setor de engenharia pode ser transferido para outro país e vai deixar de ter compromisso com o Brasil”, argumentou Luis Fabiano.
De acordo com ele, é necessário intensificar a mobilização dos trabalhadores da empresa para evitar que a fusão se concretize. A greve dos trabalhadores não foi descartada. “Se não houver participação efetiva do trabalhador nesse debate a empresa corre o risco de ser vendida e as demissões se concretizarem”, defendeu.
Clemente resumiu com ironia o cenário nacional: “Talvez o governo brasileiro devesse propor a mudança da sede do governo de Brasília para outras cidades como Londres, Frankfurt. Seria mais coerente o governo brasileiro governar desses lugares já que está transferindo tudo o que é nacional para outros países. Abrir mão da Embraer é abrir mão do setor mais dinâmico da indústria de ponta no mundo. O Brasil quer entregar mais um setor estratégico com presença forte no mundo. Destruímos a Petrobras, destruímos as empreiteiras, destruímos o setor agropecuário e estamos destruindo a engenharia nacional”.