Lucro bilionário de supermercados contribui para pobreza no campo

O lucro bilionário de grandes redes de supermercado contribui para a baixa remuneração e condições precárias de trabalho na cadeia de fornecedores de alimentos. A constatação é do relatório Hora de Mudar, lançado pela organização não governamental Oxfam. No Brasil, três grandes redes de supermercados concentram 46% do setor. Há produtos em que a fatia do preço final que fica para trabalhadores rurais e pequenos e médios agricultores é inferior a 5%.

laranja

Segundo o estudo, cujo subtítulo é “Desigualdade e sofrimento humano nas cadeias de fornecimento dos supermercados”, as grandes redes varejistas ficam com uma quantidade cada vez maior do dinheiro que seus consumidores gastam em suas lojas. Em alguns casos, esse valor chega a 50%.

Enquanto muitos trabalhadores rurais e pequenos agricultores vivem na pobreza, as oito maiores cadeias de supermercados de capital aberto geraram quase US$ 1 trilhão em vendas, US$ 22 bilhões em lucros e US$ 15 bilhões em dividendos a seus acionistas em 2016. As quantias vultuosas, contudo, são baseadas em baixos salários e trabalho precário, gerando uma crescente desigualdade, denuncia a ONG.

“O resultado é o sofrimento humano generalizado entre mulheres e homens que produzem alimentos para supermercados em todo o mundo. Do trabalho forçado a bordo de navios de pesca no Sudeste Asiático, passando pelos salários miseráveis nas plantações de chá indianas, até a fome enfrentada por trabalhadores das fazendas de uva na África do Sul, o desrespeito aos direitos humanos e trabalhistas é muito comum nas cadeias de fornecimento alimentar”, diz o relatório.

A consultoria de pesquisa Bureau for the Appraisal of Social Impacts for Citizen Information, contratada pela Oxfam, estudou a cadeia de 12 produtos de países em desenvolvimento que são vendidos nos supermercados europeus e norte-americanos. São eles: suco de laranja (Brasil), café (Colômbia), chá (Índia), cacau (Costa do Marfim), banana (Equador), uva (África do Sul), vagem (Quênia), tomate (Marrocos), abacate (Peru), arroz (Tailândia), camarão (Indonésia, Tailândia e Vietnã) e atum (Indonésia, Tailândia e Vietnã).

A conclusão é a de que pequenos agricultores e trabalhadores rurais nas cadeias de fornecimento desses produtos básicos de supermercados sofrem para conseguirem sobreviver com a renda obtida. Para alguns produtos, como o chá indiano ou vagem queniana, a renda média é menos da metade do que seria considerado ideal para assegurar uma vida digna.

Um exemplo assustador: seriam necessários mais de 4 mil anos para um trabalhador que atua no processamento de camarão na Indonésia ou Tailândia ganhar o mesmo que um típico executivo de um supermercado norte-americano ganha em um ano.

Segundo o relatório, atualmente, um em cada quatro copos de suco de laranja consumidos no mundo vem do Brasil. O preço do produto brasileiro aumentou mais de 50% nos supermercados americanos e europeus desde a década de 1990. No entanto, o valor pago a pequenos produtores e trabalhadores rurais no Brasil chega a apenas 4% do valor de venda final.

O documento é a base para uma nova campanha global da organização, que cobra mudanças urgentes na distribuição dos ganhos deste segmento, para melhorar a remuneração dos trabalhadores rurais e pequenos produtores, as condições de trabalho e a desigualdade de gênero na cadeia de fornecedores de alimentos na América Latina, África e Ásia.

A ideia é pressionar supermercados e governos de todo o mundo a atuarem com firmeza contra a precariedade do trabalho no campo, exigindo maior transparência sobre a procedência dos alimentos, fim da discriminação contra as mulheres e garantia de que agricultores e produtores recebam uma parcela mais justa do que é pago pelos consumidores no varejo.

A Oxfam informa ainda que, onde governos (como no caso de Vietnã, Equador, Marrocos e Peru) estabeleceram salários mínimos de pelo menos metade do PIB per capita mensal, os salários dos trabalhadores se aproximaram mais das referências de salários dignos. No Brasil, onde o piso salarial hoje é de R$ 954,00, isso daria em torno de R$ 1.316 por mês, em valores de 2017, um valor ainda bem distante do que é indicado pelo Dieese como ideal.

“Reequilibrar a distribuição de poder entre os supermercados, de um lado, e agricultores e trabalhadores, de outro, incentivaria uma divisão mais justa das enormes receitas da indústria e abriria espaço para o crescimento de alternativas ao atual modelo de supermercado”, afirma o relatório.