Saída de posseiros pode demorar mais três meses, dizem Incra e Funai
Por Verena Glass (Carta Maior)
Prazo de um ano para retirada de não-índios da TI Raposa/Serra do Sol (RR) termina dia 15, mas, como o grosso dos cadastros será encaminhado esta semana, desintrusão pode demorar mais 90 dias. Segund
Publicado 12/04/2006 18:09
Um ano depois da homologação da Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol em Roraima, agora que se extingue o prazo estipulado pelo decreto homologatório para a retirada dos posseiros não-índios da área, Funai e Incra, os dois órgãos do governo que trabalham juntos nesta missão, explicam que o grosso do processo terá início nesta semana e poderá se estender por até 90 dias. Isso deverá atrasar a indenização dos casos considerados de boa-fé (posseiros que entraram na área antes de 1998, ano em que a Funai declarou a TI) e o reassentamento das famílias que se enquadram no perfil de clientes da reforma agrária.
Em números, segundo o governo, foram contabilizados cerca de 240 casos de posse de não-índios na TI, incluindo as grandes fazendas de arroz e a vila de Surumu (onde, junto com os brancos, também mora parte dos índios que se aliaram aos fazendeiros contra a homologação no ano passado). Das 240 posses, cerca de 170 estão aptas a receber todas as indenizações que lhes são devidas.
Segundo Artur Mendes, diretor fundiário da Funai, os casos mais complicados do ponto de vista da falta de informações são sete fazendas de arrozeiros e a vila de Surumu, onde a resistência à retirada dos brancos é grande. De acordo com Mendes, o governo deve pedir auxílio da Polícia Federal para finalizar o levantamento. No caso específico da vila, onde existem várias famílias mistas – indígenas casados com não-indígenas –, também será feito um cadastro especial sobre as que decidiram ficar e as que querem sair.
Desintrusão – Em reunião realizada nesta terça (11), Funai e Incra acordaram que, a partir desta semana, inicia-se um processo massivo de negociação e definição das indenizações. Na próxima quinta (13), será publicado na imprensa local um edital de convocação dos ocupantes da TI para que compareçam ao escritório do Incra, que apresentará os resultados da avaliação do governo sobre valores das benfeitorias e condições de desintrusão (saída da área).
Segundo Raimundo Lima, diretor de Programas para a Região Norte do Incra, existem quatro categorias de ocupantes da TI: o público da reforma agrária – no momento, 93 famílias –, pequenos agricultores que serão assentados em áreas do órgão e se beneficiarão de todos os programas da reforma agrária; pequenos e médios produtores não-familiares, mas que vivem exclusivamente da agricultura e que terão acesso a créditos especiais e áreas de reassentamento de até 500 hectares; produtores que não são clientes da reforma agrária, mas que estão na categoria de posseiros de boa fé, pois entraram na TI sem saber que se tratava de terra indígena (antes de 1998, quando a Funai identificou a área), e que receberão indenização pelas benfeitorias que construíram no local; e, por fim, os posseiros de má-fé, que entraram na TI sabendo que era área indígena – estes não receberão nada, afirma Lima.
Prazos – Durante este ano, desde a homologação, segundo a Funai, já foram indenizadas 52 famílias (num total de pouco mais de R$ 2,3 milhões). Outras 25 tiveram seus valores acertados – no total de R$ 754.498 –, mas não foram retirá-los. E para os novos acordos, a partir do dia 17 a verba para o início do pagamento das indenizações já estaria disponível.
Tudo isso, porém, não deve garantir a saída imediata dos não-índios da Raposa Serra do Sol. Podem ocorrer pequenos entraves como acertos para o realocamento e colheita das últimas roças, mas também ações jurídicas ou resistência pela força contra a desintrusão. Tudo isso pode levar o processo a se estender por mais 90 dias, ou até mais, afirmam a Funai e o Incra.
A Funai garante que não quer usar da força para retirar os posseiros da área, que “tudo será feito conforme os procedimentos legais”, mas afirma que, a partir do vencimento do prazo estipulado para a desintrusão – na prática, o próximo dia 15 –, o governo, através da Advocacia Geral da união (AGU), deverá estar pronta para entrar com processos contra possíveis resistências ao cumprimento do decreto homologatório.
“Não haverá, da parte do governo, maior tolerância. Os fazendeiros tiveram tempo suficiente para organizar a saída, e o governo pode endurecer”, afirmou Artur Mendes, ao ser questionado sobre possíveis diferenças entre o tratamento dado aos movimentos sociais em casos de despejo e aos posseiros da Raposa Serra do Sol.
Raimundo Lima garante que qualquer liminar será rigorosamente cumprida, mas lamenta a resistência dos fazendeiros e do próprio governo de Roraima em aceitar o processo de homologação. “Quando começamos a discutir a homologação, nós oferecemos ao estado e aos arrozeiros três áreas de 50 mil hectares cada. Na safra 2004/2005, Roraima teve uma área plantada de grãos de 35 mil há. Se tivessem aceitado a oferta dos três pólos, essa área seria de 150 mil hectares, um rendimento muito maior para o estado”.