Julgamento de Lula tende a ser político e não jurídico, dizem juristas
Sob um clima de pressão e tensão, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgará nesta quinta-feira (22) o pedido de habeas corpus preventivo apresentado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Por Dayane Santos
Publicado 22/03/2018 14:42
As cenas protagonizadas pelos ministros Gilmar Mendes e Luiz Barroso, nesta quarta (21), são apenas a ponta do iceberg que se transformou a Corte Suprema brasileira com a judicialização da política.
Depois de claras demonstração de resistência em tratar o tema, a presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, pautou o tema para às 14 horas desta quinta, mas a discussão só deve ocorrer depois da conclusão do julgamento sobre a proibição de doações ocultas para campanhas eleitorais, interrompida pelo bate-boca entre os ministros.
O Portal Vermelho entrevistou dois renomados juristas para avaliar as condições do julgamento do recurso do ex-presidente. Para o jurista e professor de Direito Constitucional da PUC-SP, Pedro Serrano, autor do livro “Autoritarismo e golpes na América Latina", a política é determinante no julgamento de Lula.
“Eu creio que a situação de Lula é permeada por uma avaliação política e isso fica refreável em qualquer tipo de julgamento dele. O que há no Supremo é uma queda de braço dos que querem aplicar a Constituição, a legalidade e fazer um julgamento jurídico, e dos que querem fazer um julgamento político e rejeitar o habeas corpus”, analisou o professor.
Segundo Serrano, se o fator político estivesse fora do julgamento no supremo, não há dúvida de que o pedido de habeas corpus da defesa seria acolhido.
“Trata-se de uma questão de não ser preso provisoriamente, após decisão de segundo grau. A Constituição e o Código de Processo Penal estabelecem que só pode ser preso depois do trânsito em julgado da decisão. É um direito dele como de qualquer outro cidadão que estiverem na mesma situação”, frisou.
O professor de Direito Constitucional afirmou ainda que, caso o Supremo negue o pedido, o dano que provocará a democracia será profundo.
“Essa situação leva a muitas injustiças, mas eu diria que vai se esvaziando o sentido da Constituição, através da prática de medidas de exceção. No momento que se tem a construção de um novo paradigma interpretativo, mais punitivista, portanto um paradigma de estado autoritário, a democracia vai sucumbindo”, advertiu.
Serrano salienta na entrevista que “democracia não é só votar”, mas ter direitos garantidos. “Mas a garantia de direitos está deixando de existir”, lamentou.
Rafael Valim, também professor da PUC-SP e doutor em Direito, diz que espera que o Supremo afirme a Constituição Federal e faça prevalecer a presunção de inocência até o trânsito em julgado da decisão, ou seja, depois de esgotados todos os recursos “não só no caso do ex-presidente como de toda e qualquer pessoa que esteja na mesma situação”.
“Há milhares de pessoas na mesma situação que o ex-presidente Lula. E todas as pessoas merecem a proteção da Constituição. Então, que a Constituição valha, independentemente das convicções políticas dos interpretes do Supremo”, afirmou Valim.
Os juristas apontaram que a pressão da mídia pela condenação do ex-presidente alterou até a ordem dos processos. Serrano cita o julgamento de duas ações declaratórias de constitucionalidade (ADC 43 e 44) em que se discute a possibilidade de execução da pena após a condenação em segunda instância. Isso porque o julgamento das ações teria efeito geral, ou seja, para todos os cidadãos, não somente para o caso de Lula.
“O certo seria julgar a ADC. Não foi posta em pauta já por uma pressão política. Como a mídia está pressionando o Supremo para que decida contra o Lula, eles quiseram colocar o caso do ex-presidente para tentar constranger”, afirmou o Serrano, enfatizando que será um “julgamento completamente atípico do que deveria ser”.
“O ruim é que deveria ter sido colocada em pauta a ADC (Ação de Declaratória de Constitucionalidade), o que resolveria o problema de toda a cidadania brasileira, pois não é um problema do Lula. A questão de ser preso provisoriamente depois de uma decisão de segundo grau é um problema de toda a sociedade”, reforçou Pedro Serrano.
Rafael Valim concorda com Serrano e afirma que a postura de postergar o debate sobre as ações declaratórias é “inadmissível”.
“O Supremo precisa julgar. A ministra achar que colocar esse tema seria apequenar o Supremo é algo risível, porque na verdade o Supremo se apequena se não coloca essa questão para ser discutida, visto que há milhares de pessoas que estão nesse momento atrás das grades, a depender da decisão do Supremo. Cada minuto é um minuto de liberdade a menos que esses ministros privam as pessoas”, destaca Valim.
Entidades que são parte nas ações que questionam no Supremo a prisão em segunda instância criticaram a decisão da presidente Cármen Lúcia de pautar apenas o habeas corpus do ex-presidente, e não as duas ações mais abrangentes que valem para quaisquer casos.
O conselheiro federal da Ordem Dos Advogados do Brasil, Juliano Breda, que assina a ação de autoria da OAB, afirmou que julgar um caso específico "prejudica" o debate sobre o que deve valer para todo o país. A entidade cobra um julgamento definitivo das ações, que foram julgadas em 2016, ocasião em que os ministros definiram, por 6 votos a 5, que é possível prender réus mesmo cabendo recursos nos tribunais superiores.
"Defendíamos que o STF julgasse o mérito da ADC (ação declaratória de constitucionalidade) em razão do efeito geral da decisão. A análise de um habeas corpus específico prejudica o debate teórico abstrato a respeito da constitucionalidade da regra que exige o trânsito em julgado para a execução da pena", disse o advogado Juliano Breda.
Na sessão, Cármen Lúcia rejeitou o pedido feito da tribuna pelo presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), advogado Técio Lins e Silva, para que ela definisse uma data de análise das ações. "Apelo, em nome das instituições, para que seja possível amanhã ou em algum momento ser submetido ao julgamento da corte uma matéria que comove o país", disse Técio Lins e Silva.
Tribunal midiático
Com a espetacularização dos processos, os ministros não escondem que a pressão midiática tem sido um fator de tensão no Supremo.
“A mídia brasileira acha que tem o direito de julgar as questões. Ela não quer apenas relatar e fazer a crítica da decisão judicial, mas quer substituir o juiz. Ela quer decidir”, aponta Serrano, destacando que esse é um comportamento sem precedente na história. “Isso é algo impressionante. Não há precedente no mundo disso”, disse.
Para Rafael Valim, o discurso de combate à impunidade propagado pela mídia para justificar a prisão em segunda instância segue a tese de que os fins podem justificar os meios.
“Todos somos favoráveis ao combate à impunidade. Agora, esse enfrentamento contra a corrupção e a impunidade tem limites. E os limites são estabelecidos pela Constituição. Então, não existe razão que justifique a superação da Constituição. Vamos montar um sistema de combate à impunidade e a corrupção? Sim, mas deve ser amoldar e se adequar aos limites da Constituição”, rebate Valim.