Publicado 18/12/2017 10:26
Foi em meio a protestos de médicos, psicólogos e coletivos pela luta antimanicomial que o Ministério da Saúde (MS) aprovou, na quinta-feira (14), mudanças na política de atendimento em saúde mental. Entre as principais medidas aprovadas, em reunião tripartite da comissão de gestores do Sistema Único de Saúde (SUS) em Brasília, está a suspensão do fechamento de leitos em hospitais psiquiátricos.
Segundo especialistas, a mudança é um retrocesso em relação à Reforma Psiquiátrica, Lei nº 10.216, de 2001, que deu início a um processo de redirecionamento do modelo assistencial em saúde mental, fechando gradualmente os leitos em manicômios e ofertando vagas em Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e hospitais gerais. Dados do MS mostram que em 2002 eram 53 mil leitos em hospitais psiquiátricos. Já em 2015, o número havia sido reduzido para 18 mil. Com a aprovação da minuta pelo MS, os hospitais psiquiátricos voltam a ser reconhecidos como parte da rede de atendimento.
Para a psiquiatra Ana Carolina de Souza Pieretti, professora da Universidade Federal de Pernambuco e integrante da Rede de Médicos e Médicas Populares, a medida aproximará o cenário do tratamento de saúde mental daquele que o país tinha durante a ditadura militar.
“Não dá para a gente retroceder 20 anos em uma política extremamente exitosa, que vem sendo internacionalmente reconhecida. Tínhamos uma história de internação de longa permanência em hospitais psiquiátricos, algo que parecia mais encarceramento do que tratamento. A gente teve na época da ditadura um aumento muito grande no número de leitos nos hospitais psiquiátricos, então a gente tinha empresários que ganhavam com a indústria da loucura. Estamos vendo que isso vai acontecer novamente”, afirmou.
A afirmação de Pieretti diz respeito à outra mudança aprovada na minuta do Ministério da Saúde, que prevê o aumento no valor pago em diárias de internações nas chamadas comunidades terapêuticas. Até então, esse tipo de estrutura, que na sua maioria são vinculadas a entidades religiosas, recebiam o financiamento apenas do Ministério da Justiça. Agora, o MS também passará a financiá-las, aumentando o número de vagas ofertadas nessas comunidades de 4 mil para 20 mil.
De acordo com Pieretti, há um interesse político e econômico por trás das mudanças, que, na sua opinião, faz parte de um contexto de austeridade.
“A gente percebe claramente que isso vem em um contexto do governo golpista que coloca uma PEC de teto de gastos públicos [Emenda Constitucional 95] desmonta a saúde e a educação, e vai desmontar o público e fortalecer o privado. Isso, nas localidades, vai privilegiar os grupos políticos e religiosos detentores dessas comunidades”, disse.
Além das críticas em relação ao conteúdo da minuta, a forma como a mudanças foram aprovadas também suscitou protestos. De acordo com Ronald Ferreira dos Santos, presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), presente na reunião, os representantes da sociedade civil que compõem o conselho não tiveram espaço para criticar a minuta. Após a leitura da proposta da nova resolução, a discussão e votação duraram apenas dez minutos
“Nós havíamos oficializado, por meio de um memorando, a solicitação de que a resolução não fosse pactuada enquanto o debate não fosse mais aprofundado. Não foi considerada nossa solicitação e tampouco nos foi dada a palavra. Nós temos convicção de que os usuários e trabalhadores também tem que ser ouvidos nessa discussão e no aperfeiçoamento, que é o que não ocorreu e é nossa principal questão”, afirmou.
De acordo com Santos, o CNS continuará acompanhando as reuniões tripartite, e estimulando a discussão sobre os caminhos para a saúde mental no país em conferências nacionais de saúde. Procurado pela reportagem, o Ministério da Saúde não se pronunciou sobre o tema.