Publicado 13/12/2017 09:53
O artigo 45 da Constituição define que o sistema eleitoral do Brasil é o proporcional ao estabelecer que “A Câmara de Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal”.
Com isto qualquer alteração do sistema eleitoral, como a adoção do distrital misto, só pode ser feita por emenda constitucional. Todavia, por um passe de mágica os defensores deste sistema querem impô-lo pela via de projeto de lei.
A razão é evidente: as dificuldades para aprovação de um novo sistema eleitoral por emenda constitucional. Sem considerar a Constituição o texto aprovado altera os artigos 10 e 59 da lei 9.504/77, que estabelece normas para as eleições.
O artigo 10 dispõe que “Cada partido ou coligação poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as assembleias legislativas e as câmaras municipais no total de até 150% (cento e cinquenta por cento) do número de lugares a preencher”. Para tentar introduzir o distrital misto por lei ordinária o Senado deu ao artigo 10 a seguinte redação “Cada partido poderá registrar um candidato por distrito eleitoral para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais”.
O projeto aprovado criou o parágrafo 2º do artigo 59 da lei estabelecendo que “Na votação para as eleições proporcionais, o eleitor registrará, para cada cargo em disputa: I- o voto no candidato do respectivo distrito; II- o voto partidário”. Ao incorporar o voto no candidato do distrito como parte das eleições proporcionais fica evidente a tentativa de passar “gato por lebre” já que o voto distrital é majoritário.
Tais emendas incorporam o voto distrital contra expressa disposição constitucional sobre o sistema proporcional. Para tentar burlar o texto constitucional o Capítulo IV da lei que aprovou o distrital misto alterou seu título “Da Representação Proporcional” para “Da Representação Proporcional em Distritos Uninominais”.
Trata-se de um completo contorcionismo pretender que o sistema distrital misto seja caracterizado como Proporcional em Distritos Uninominais. É a tentativa de ganhar no “tapetão” os votos que não conseguem para a aprovação de uma emenda constitucional.
O Senador José Serra, autor da proposição, a justificou como alternativa aos problemas do atual sistema eleitoral. E destacou que “a extrema pulverização dos votos beneficia as minorias organizadas vinculadas a associações de classe, sindicatos e grupos de interesse”. Aí reside a antidemocrática justificativa para a adoção distrital misto, passando por cima da Constituição.
O Senador defende o sistema alemão, afirmando falsamente que ele “combina o voto proporcional com o voto distrital e o resultado das eleições irá refletir as proporções do voto partidário, em obediência ao que determina a Constituição”. A Constituição não se refere a proporções do voto partidário e sim que a eleição parlamentar se faça através do sistema proporcional.
O relator da matéria, Senador Valdir Raupp, justifica a adoção do sistema eleitoral distrital misto ao afirmar que a cidadania não se sente representada no Parlamento, argumento também utilizado pelo autor da proposição. Todavia nem o autor da matéria nem o seu relator se referem à causa fundamental da crise do sistema político, ou seja, a influência do poder econômico no processo eleitoral. E aí reside a causa da rejeição da sociedade a um Congresso insensível às aspirações do povo e com muitos de seus integrantes envolvidos em corrupção.
O argumento segundo o qual o sistema distrital misto preserva o sistema proporcional por assegurar que todas as cadeiras sejam distribuídas conforme a proporção dos votos obtidos pelos partidos é falacioso. Na verdade, a metade dos parlamentares é eleita pelo sistema majoritário e a outra metade eleita pelo sistema proporcional. O distrital misto é, portanto, um outro sistema eleitoral, exigindo, emenda constitucional para sua introdução.
Segundo o constitucionalista José Afonso da Silva “a Constituição acolheu o sistema proporcional para a eleição de Deputados Federais (Art. 45) o que significa a adoção de um princípio que se estende às eleições para as Assembleias Legislativas dos Estados e para as Câmaras de Vereadores (Câmaras Municipais)”.
Há consenso na sociedade sobre a necessidade da alteração do atual sistema eleitoral para assegura maior representatividade junto ao povo. Porém a melhor alternativa é a adoção de um novo sistema, como distrital misto, ou o aperfeiçoamento do sistema proporcional atualmente em vigor?
Segundo o constitucionalista José Afonso da Silva “Afastar pura e simplesmente o sistema de representação proporcional significa afastar um instrumento importante para a consecução de uma democracia social porque esse sistema é o único que possibilita a democratização da representação parlamentar, com a eleição de representantes mais afinados com os interesses populares. O que é preciso é corrigir-lhe os seus defeitos”.
Já o constitucionalista Paulo Bonavides afirma que o sistema proporcional torna “a vida política mais dinâmica e abre à circulação das ideias e das opiniões novos condutos que impedem uma rápida e eventual esclerose do sistema partidário, tal como acontece onde se adota o sistema eleitoral majoritário, determinante da rigidez bipartidária”.
Analisando as consequências da adoção do sistema majoritário constata-se que ele acarreta graves consequências para o processo democrático:
Assegura a manutenção das oligarquias regionais; provoca a exclusão de importantes segmentos políticos da sociedade, distorcendo a vontade popular; aniquila ou fragiliza as minorias; golpeia o voto de opinião; ao regionalizar o processo eleitoral o sistema distrital afasta o debate dos grandes temas nacionais; agrava a influência do poder econômico nas eleições porque possibilita a concentração de recursos em determinado distrito aumentando assim a influência de quem tem mais recursos e possibilita a manipulação na delimitação dos distritos.
No sistema distrital misto os males do voto majoritário se repetem. Nele a metade dos parlamentares é eleita pelo sistema distrital e a outra pelo sistema proporcional de lista pré-ordenada. O eleitor dá dois votos. Um para o representante distrital e o outro para o representante proporcional. Na disputa distrital é eleito o mais votado. Na proporcional somam-se os votos e é eleito o primeiro da lista partidária.
Os males, já vistos anteriormente, se manifestam na eleição majoritária de 50% das vagas. A disputa pelas outras 50%, cujos parlamentares serão eleitos pelo sistema proporcional, fica influenciada pelo voto majoritário no distrito, controlado pelos dos caciques locais.
E o quociente eleitoral para a eleição de parlamentares pelo sistema proporcional é dobrado dificultando a eleição de candidatos com votos dispersos na sociedade, os votos de opinião.
O distrital misto é, assim, um sistema eleitoral elitista pois não tem por base a soberania popular, fundamento da Constituição brasileira. Ele não se volta para procurar expressar a diversidade política do país.
É importante ter presente que a tentativa de impor a alteração do sistema eleitoral, por meio de projeto de lei, faz parte dos golpes que estão sendo desferidos contra a Constituição de 1988. Da ofensiva para substituir o Estado do Bem-Estar Social, de afirmação da soberania nacional e da democracia da nossa Constituição pelo estado neoliberal de corte de direitos sociais, quebra da soberania nacional e do estado democrático direito.
É grave constatar que importantes segmentos da esquerda, influenciados por concepções neoliberais, têm apoiado a alternativa do distrital misto sem se dar conta de seus males para a democracia e para o movimento popular. A afirmação do Senador José Serra de que este sistema “beneficia as minorias organizadas vinculadas a associações de classe, sindicatos e grupos de interessados” dá uma ideia do real significado desta proposição.
A Reforma Política Democrática, com o financiamento púbico de campanha, o sistema proporcional de lista pré-ordenada, a paridade da representação das mulheres nas litas e o fortalecimento dos mecanismos de democracia direta, é essencial para o avanço das reformas estruturais democráticas do Estado brasileiro.