Che, 50 anos depois
Desde que Fidel anunciou que noticia era tristemente verdadeira, se passaram já 50 anos sem o Che. Para uma geração que tinha nascido para a militância política com sua presença muito próxima, suas palavras, seu exemplo, foi muito difícil assimilar a noticia.
Publicado 08/10/2017 16:45
Como continuar lutando sem que saber que, em algum lugar do mundo ele também estaria lutando? Sem contar com seu alento, com sua vontade, com sua enérgica presença, com sua indestrutível vontade de transformar revolucionariamente o mundo? No entanto Fidel nos convocava a tirar forças daquela pera.
Suas ultimas imagens nos dois muito, sentíamos que o tínhamos abandonado, que ele havia estado sozinho, cercado, sem possibilidade de romper o cerco estabelecido por forças monstruosas. Mas era preciso seguir adiante.
Não foi fácil, não foi simples, a reação imediata era dar continuidade no caminho aberto por ele, por Fidel e seus companheiros. Era uma perda duríssima, mas parecia que nada indicava para que as condições de luta tivessem mudado com aquela derrota.
No entanto, não foi apenas uma perda pessoalmente muito dura, eram também a derrota de um projeto de potencializar e coordenar desde a Bolívia os núcleos guerrilheiros existentes e os que começavam a se desenvolver. Tanto assim que, em uma reunião de seu Comitê Central, o Partido Comunista de Cuba tirava consequências daquela derrota de romper o isolamento de Cuba, buscando alianças em outro nível, que permitissem consolidar a vitória de 1959. Pouco tempo depois Cuba estabeleceria laços estratégicos com a URSS e com o campo socialista, apontando para a ruptura daquele isolamento, paralelamente à aposta na revolução latino-americana. Os prazos históricos se mostravam mais longos.
Surgiria em seguida a surpreendente experiência socialista no Chile, por vias muito distintas. Allende tinha um livro que o Che lhe tinha dado de presente, com uma dedicatória, em que dizia que os dois "lutavam pelo mesmo objetivo, por caminhos distintos".
O golpe no Chile fez com que a nova toupeira latino-americana – como eu menciones esse fenômeno no meu livro "A nova toupeira"- retomava o caminho anterior com a vitória da guerrilha na Nicarágua e o surgimento de movimentos armados similares em El Salvador e na Guatemala. Poderia parecer que a via guerrilheira ganhava novo impulso.
Mas uma transformação de dimensões muito maiores, em escala mundial, faria com que os caminhos da esquerda latino-americana tivessem que virar uma pagina. O fim da URSS fechava um período histórico e colocavam a hegemonia imperial norte-americana como um fenômeno mundial, aparentemente sem limites. Os movimentos guerrilheiros salvadorenho e guatemalteco tiraram as consequências e trataram de se reciclar para a via politica institucional. Mais recentemente as guerrilhas colombianas fariam algo similar.
A esquerda latino-americana voltaria a aparecer como forca determinante na nossa história na resistência ao neoliberalismo e na construção de alternativas ao novo modelo hegemônico do capitalismo. Seus novos lideres se reconhecem nos lideres do período anterior, entre eles sobretudo em Fidel e no Che, mas sabem que as condições de luta tinham mudado se tornaram mais difíceis, com caminhos mais complexos a trilhar.
A esquerda do século XXI é antineoliberal, luta pela profunda democratização do Estado, a ideia de revolução adquire outro sentido, como argumenta Alvaro Garcia Linera. Caso alguma forca politica da esquerda latino-americana apelasse para o enfrentamento armado, seria seguramente liquidada. O aprofundamento revolucionário da democracia, transformando seu próprio caráter, é a via que segue a esquerda latino-americana do século XXI.
O Che viveu profundamente a via guerrilheira, como caminho de ruptura revolucionaria, de que a Revolução Cubana é a melhor expressão vitoriosa. Mas sua imagem segue vigente para a esquerda do século XXI
Antes de tudo, seu exemplo de dedicação militante, com tudo o que um ser humano tenha de melhor, à luta pela transformação revolucionaria das nossas sociedades. Indissoluvelmente vinculado a isso o caráter profundamente ético da vida de um militante e de um projeto de transformação do mundo. Em terceiro lugar, a consciência de que o objetivo dessas transformações é a ruptura com o capitalismo e a construção do socialismo. Tudo isso no marco do internacionalismo, da solidariedade com a luto de todos os povos do mundo.
Não por acaso a imagem do Che, essa foto impressionante quando ele está olhando para os destroços da ação terrorista que voo pelos ares um navio de origem belga no porto de Havana, que levava armas para que Cuba pudesse se defender das agressões norte-americanas, é a foto mais vista do mundo. No seu olhar, o vigor de sua forma de ver as coisas, essa imagem que acompanhou e segue acompanhando a todos os que lutam e são solidários com todos os que lutam por um mundo melhor, mais humano, mais à medida dos valores que o Che inculca, com seu exemplo, com suas palavras, com sua vida ainda 50 anos depois daquela dolorosa noticia.