Justiça relativiza direito garantido à defesa de Lula, diz jurista
“A decisão de proibir a defesa de gravar é a relativização do que está previsto na lei, que garante o direito da defesa de gravar, independentemente da autorização judicial”, afirmou jurista Leonardo Isaac Yarochewsky, professor de Direito Penal da PUC-MG e doutor em Ciências Penais pela UFMG, ao comentar a decisão do ministro Félix Fischer, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que negou o recurso da defesa do ex-presidente Lula de gravar o depoimento que concede em Curitiba.
Por Dayane Santos
Publicado 10/05/2017 14:30
A legislação brasileira, com base no princípio da publicidade dos atos processuais, determina que as audiências sejam públicas e assegura também aos advogados por qualquer das partes, "independentemente de autorização judicial”, de gravar a audiência. No entanto, o juiz Sergio Moro, responsável pelo processo da Lava Jato em primeira instância, negou o pedido da defesa, que recorreu ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), e ao STJ, que mantiveram decisão do magistrado.
Em entrevista ao Portal Vermelho, o criminalista Leonardo Isaac destaca que, “via de regra, as audiências são públicas” e que a decisão cria um precedente que contraria o Estado de direito.
“A lei diz que não precisa de autorização. Onde está a independência e autonomia? Infelizmente, no caso da Operação Lava Jato temos um processo cercado de exceções. Um processo penal do espetáculo onde se inverte o princípio da presunção da inocência, transformando em presunção de culpa. Um processo penal midiático onde não há garantias para o acusado e com uma série de violações”, argumentou Leonardo Isaac, enfatizando que a publicidade do processo não é mera formalidade, mas “uma garantia ao acusado”.
“As acusações secretas da Antiguidade e Idade Média eram terríveis, feitas nos porões em que o sujeito era inquirido de forma absurda, arbitrária e abusiva. A publicidade veio para restabelecer uma garantia para o cidadão. Qual é o medo de se permitir que isso seja gravado”, questiona.
“O ideal e o certo seria uma gravação na integra. O que me espanta e me causa espécie é o fato de que numa gravação particular da ex-primeira-dama Marisa Letícia com o seu filho, num momento de desabafo em uma relação privada, o conteúdo foi divulgado e o senhor juiz federal Sergio Moro justificou como de ‘interesse público’. Mas o interrogatório de um dos maiores líderes da América Latina, do ex-presidente mais popular do país não se permite essa gravação. Qual é o medo disso?”, questiona o jurista.
O professor também rebate a afirmação de Moro, feita no despacho que negou o pedido dos advogados de defesa, de que o objetivo do ex-presidente é “transformar o seu depoimento em um evento político”.
“Alegam que estão transformando isso num evento político, mas quando o senhor Moro, cometendo crime, gravou e divulgou a conversa da Presidente da República Dilma Rousseff com o ex-presidente Lula – que acabou impedido de tomar posse como ministro chefe da Casa Civil acusado de obstrução da Justiça -, isso não foi um ato político?”, indagou Isaac, lembrando ainda que, diante da usurpação de competência, Moro teve que pedir desculpas ao Supremo Tribunal Federal (STF), já que somente o Supremo poderia processar e investigar um Presidente da República, conforme estabelece a Constituição.
“Posso compreender que, em determinados casos, por questões de segurança e organização, o juiz transfira a audiência para um local maior, como já vi em alguns casos em que a audiência foi transferida para o tribunal do júri. Agora, não se pode impedir a gravação”, destaca.
Espetáculo midiático
Isaac fez questão de frisar que a publicidade do processo é muito diferente da publicidade feita pela grande mídia. “A publicidade feita pela grande mídia transforma o processo penal democrático num processo penal do espetáculo e inimigo das garantias fundamentais. A publicidade da mídia é opressora, seletiva e estigmatizada quando coloca apenas o que lhe interessa. Quando vaza ou é vazado somente aquilo que lhe interessa com uma interpretação que lhe convém. Nada mais correto, nada mais certo e transparente, para a garantia do devido processo legal, que haja uma gravação da integralidade do interrogatório para que a mídia não use apenas parte do que lhe convém”, enfatiza o professor.
Ele ressalta que o tratamento dado em reportagens sobre a Lava Jato segue um script em que aparece apenas o acusado ou o delator, e não se tem a visão ampla da sala de audiência. “Muitas vezes não dá para perceber, pelo menos para o grande público, quem está fazendo a pergunta, já que no caso de um acusado podem ser feitas perguntas pelo juiz, evidentemente, além do Ministério Público Federal, os co-réus e, por último os advogados de defesa”, explica.