Gilmar sobre Lava Jato: Querem cometer abusos e não sofrer reparos
No espetáculo novelizado da Lava Jato, em que a mídia denomina os donos da lei e os que são contrários a qualquer conduta destes são os maus, a bola da vez é o ministro Gilmar Mendes. A decisão da Supremo Tribunal Federal (STF) de revogar a prisão “preventiva perpétua” imposta contra o ex-ministro José Dirceu continua repercutindo na grande mídia e o ministro, ao seu estilo faroeste, mantém o clima em temperatura elevada.
Por Dayane Santos
Publicado 09/05/2017 13:24
Em entrevista à colunista Mônica Bergamo, na Folha de S. Paulo, Gilmar Mendes disse que, para ter apoio da opinião pública, a Lava Jato faz de seus presos “reféns” e voltou destacar a importância da operação, mas não poupou críticas aos meios utilizados pela força-tarefa para justificar seus fins.
“Como tem sido divulgado [por integrantes da Lava Jato], o sucesso da operação dependeria de um grande apoio da opinião pública. Tanto é assim que a toda hora seus agentes estão na mídia, especialmente nas redes sociais, pedindo apoio ao povo e coisas do tipo. É uma tentativa de manter um apoio permanente [à Lava Jato]. E isso obviamente é reforçado com a existência, vamos chamar assim, entre aspas, de reféns. [Os reféns seriam] os presos. Para que [os agentes] possam dizer: ‘Olha, as medidas que tomamos estão sendo efetivas’. Não teria charme nenhum, nesse contexto, esperar pela condenação em segundo grau para o sujeito cumprir a pena. Tudo isso faz parte também de um jogo retórico midiático”, afirmou.
O ministro refere-se ao excesso de prisões preventivas decretadas pela 13º Vara de Curitiba, comandada pelo juiz Sergio Moro. Intencionalmente, a mídia faz uma confusão para que a população não entenda o que é prisão preventiva, temporária, da prisão decretada por sentença após o julgamento.
Assim, na esteira do discurso da impunidade, a mídia manipula as informações para dar a impressão de que se trata de uma decisão para acobertar, deixar de punir por um fato ilícito devidamente julgado, quando na verdade se trata de um direito constitucional assegurado a todos os acusados que ainda não foram devidamente julgados.
Foi o que tratou o julgado que libertou o ex-ministro José Dirceu, que teve prisão preventiva decretada, antes do seu julgamento. E, posteriormente, revogada diante da falta de justificativa para mantê-lo em prisão.
Gilmar Mendes é conhecido por tecer comentários ferozes contra o PT, portanto, José Dirceu está longe de ser um amigo. Mendes também é conhecido por suas manobras para atender interesses alheios, como foi o caso do pedido de vista que fez no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre o financiamento privado de campanhas eleitorais aos partidos. Seu pedido resultou em dois anos de atraso para voltar ao plenário para votação, quando seu voto era vencido, já que a maioria dos ministros decidiu pelo fim do financiamento.
Diante do histórico de Gilmar Mendes, a pergunta é: o que fez o ministro tomar uma decisão tão atinente aos preceitos constitucionais contra um notório adversário político? Na entrevista, o próprio Gilmar explica: “O Supremo tem uma doutrina centenária que diz que a prisão preventiva tem limites. Ela será sempre temporária. E isso decorre da Constituição. No passado inclusive a execução da pena só começava após o exaurimento de todas as instâncias [do Judiciário]. O tribunal só aceitava a prisão provisória em caso de crimes violentos e na possibilidade de continuidade delitiva. Celso de Mello argumentou que Dirceu pode continuar a cometer crimes. Esse debate se colocou porque Dirceu continuou a delinquir quando cumpria a pena [de prisão] do mensalão. Mas a tese que prevaleceu é que não haveria mais essa possibilidade já que o grupo político ao qual ele estava vinculado foi destituído do poder”.
Desde o início da Lava Jato, Gilmar Mendes, outros ministros e juristas renomados brasileiros têm apontado o ponto fora da curva da força-tarefa da Lava Jato. Não seremos ingênuos em acreditar que por traz da posição de Gilmar não existem interesses alheios, mas o fato é que, além de respeitar a Constituição, a posição de Gilmar Mendes não contradiz com o discurso sobre a prisão preventiva.
A contradição foi aberta em 2014, com um parecer de procuradores do Ministério Público Federal de Curitiba, dado em habeas corpus impetrados por réus investigados pela operação, que defendia a manutenção da prisão preventiva dos réus para influenciá-los a “colaborar na apuração”, numa clara distorção dos princípios constitucionais e violação das leis penais.
Segundo o procurador da República Manoel Pastana, que na época atuava em casos penais no TRF-4, a manutenção das prisões preventivas eram necessárias “na possibilidade de a segregação influenciá-lo [o réu] na vontade de colaborar na apuração de responsabilidade”.
“Não é a prisão preventiva que é determinante para a pessoa optar pela delação. E sim a perspectiva de pena. Quem praticou crimes de corrupção e lavagem de dinheiro vê no espelho a figura de Marcos Valério, condenado a 40 anos de prisão [no mensalão] e com perspectiva de não ter mais vida livre”, enfatiza ele à Folha.
E questiona: “Sem as prisões haveria as delações da Odebrecht e da OAS? Eu tenho a impressão que sim. Em muitos casos, especialmente nos que você cita, a força-tarefa já dispunha de elementos [de prova], tanto que foram anunciados como fundamento para as prisões. E a maioria dos diretores da Odebrecht que fizeram delação estava solta. Há um pouco de mito nisso tudo. E tem também a doutrina da Operação Mãos Limpas [realizada na Itália na década passada]. Aqui também há uma luta pela opinião pública. O apoio dela está associado a ter reféns desse grau”.
Questionado se os agentes da Lava Jato não teriam razão para temer pela operação diante do histórico brasileiro de impunidade, Gilmar resgatou o processo do mensalão que, segundo ele, é “uma contraprova absoluta”.
“Não ocorreu ao Supremo prender ninguém [antes de condenado]. Olhando da perspectiva do tribunal, a mim me parece que a Corte não pode transigir com tipos de doutrinas autoritárias. A nossa é uma Constituição de feição liberal e isso tem que ser cumprido”, afirmou.
Sobre o jogo midiático dos procuradores da Lava Jato, Gilmar lembra que sua decisão sobre o mandado de segurança que impediu a posse do Lula como ministro o transformou em “herói de determinados grupos e inimigo número 1 de outros” e que agora, no caso de Dirceu, foi o contrário.
“A tentativa de jogar a opinião pública contra juízes parece legítima no jogo democrático. Mas ela não é legítima quando é feita por agentes públicos. O que se quer no final? Cometer toda a sorte de abusos e não sofrer reparos. Há uma frase de Rui Barbosa que ilustra tudo isso: o bom ladrão salvou-se mas não há salvação para o juiz covarde”, disse ele, se referindo aos comentários do procurador Deltan Dallagnol nas redes sociais.
“Quem fica com medo de pressão e xingatório ou age para agradar a opinião pública, sabedor de que de fato a matéria justifica uma outra decisão, obviamente não está cumprindo o seu dever”, completou.