Se Guimarães era informante, por que não aparece nos grampos de Moro?
Nesta terça-feira (21), a Polícia Federal cumpriu uma ordem de condução coercitiva e mandado de busca e apreensão contra o autor do Blog da Cidadania, Eduardo Guimarães. O jornalista foi levado para depor por ordem do juiz Sergio Moro, que queria saber quem vazou para o blogueiro a informação de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva seria alvo de um mandado, também de condução coercitiva, no dia 4 de março de 2016.
Por Dayane Santos
Publicado 22/03/2017 13:33
A justificativa de Moro só não é uma piada porque o assunto não merece nem mesmo essa ironia. Vazamento é uma marca da Operação Lava Jato. Delações, investigações, operações são minuciosamente repassadas à imprensa quase que em tempo real.
Sobre o mesmo fato, o editor-chefe da revista Época, Diego Escosteguy, que se gaba nas redes sociais por ter informações privilegiadas da Lava Jato, publicou em seu perfil no Twitter, no dia da operação: “contagem regressiva. Quase duas da manhã. Poucas horas para um amanhecer que tem tudo para ser especial, cheio de paz e amor”.
E segue: “Vamos observar com atenção as próximas horas. Elas não serão fáceis. Notícias concretas assim que possível…”, escreveu logo depois, às 1h53.
Apesar disso, a condução coercitiva de Moro foi somente contra Guimarães, que também teve o celular e o computador apreendidos pela força-tarefa da Lava Jato. Em nota, a Justiça Federal do Paraná justificou que o jornalista “não é jornalista”, pois seu blog se destina a propaganda política.
“Não é necessário diploma para ser jornalista, mas também não é suficiente ter um blog para sê-lo”, diz a nota.
A defesa de Eduardo Guimarães rebateu: “A nota, de maneira autoritária e contrariando o STF, pretende definir quem é e quem não é jornalista de acordo com juízos de valor sobre as informações e opiniões veiculadas em determinado meio de comunicação”.
Alguns especulam que a estratégia da força-tarefa da Lava Jato é tentar justificar que o jornalista atuou como informante do ex-presidente Lula facilitando a suposta destruição de provas, obstruindo, assim, a ação da Justiça. A tese não se sustenta, assim como muitas das “convicções' dos investigadores da República de Curitiba.
Lula estava sob a vigilância da Lava Jato. Entre 19 de fevereiro e 7 de março despachos do juiz autorizaram grampos telefônicos contra 39 números, de 13 pessoas e entidades ligadas ao ex-presidente. Cada interceptação duraria 15 dias, mas algumas foram prorrogadas por mais 15.
Moro gravou tudo, até uma conversa de Lula com a presidenta Dilma Rousseff realizada no dia 4 de março, data em que Luiz Inácio Lula da Silva sofreu condução coercitiva pelos investigadores da força-tarefa.
Para se ter uma ideia da extensão dos grampos, as conversas gravadas apenas com Roberto Teixeira, advogado do ex-presidente, foram feitas em grampo a partir do telefone central da sede do escritório do advogado. Com isso, conversas de todos os 25 advogados da banca com pelo menos 300 clientes foram grampeadas.
Também foram grampeados os telefones dos filhos de Lula e de diretores do Instituto Lula. Em 7 de março, ele autorizou que fosse grampeado o número da ex-primeira dama, Marisa Letícia. Até o caseiro do sítio em Atibaia, Elcio Pereira Vieira, também foi grampeado, com o objetivo de tentar esclarecer quem é o real proprietário do sítio.
Mas o jornalista Eduardo Guimarães, que Moro acusa de ser o informante, não aparece em nenhum dos grampos citados.
Ao justificar a autorização dos grampos, Moro disse que, “apesar de o MPF [Ministério Público Federal] ter reunido um acervo considerável de provas, especialmente em relação ao apartamento e o sítio, a complexidade dos fatos, encobertos por aparentes falsidades e pela utilização de pessoas interpostas, autoriza a utilização da interceptação telefônica para a completa apuração dos fatos (…) Talvez ela possa melhor esclarecer a relação do ex-presidente com as empreiteiras e os motivos da aparente ocultação de patrimônio e dos benefícios custeados pelas empreiteiras em relação aos dois imóveis”.
Em entrevista ao site Nexo, Rodrigo Nitrini, defensor público em São Paulo e mestre e doutorando em direito constitucional na Faculdade de Direito da USP, frisou que em 2009, o Supremo decidiu ser inconstitucional a exigência de diploma para exercício do jornalismo.
“Não parece fazer muito sentido garantir o sigilo de fonte para um empregado de empresa jornalística, mas não fazê-lo para alguém que atua graciosamente para um jornal ou portal de notícias, de propriedade alheia ou sua. Entendo que não faz sentido garantir o sigilo de fonte pela ‘qualidade’ da pessoa, mas sim pela análise da atividade que ela exerce; se essa atividade é análoga ao jornalismo”, destaca o jurista.
Segundo ele, a atividade informativa, mesmo compreendida como jornalismo, pode ser exercida não apenas por blogs, mas por livros históricos ou biográficos, documentários ou mesmo pesquisas acadêmicas. “Esse parece ter sido o sentido, inclusive, da decisão do Supremo que ‘liberou’ as biografias não autorizadas. Por isso, entendo que a aplicação da regra constitucional de proteção ao sigilo de fonte cabe para todas as situações em que alguém exerça uma atividade sistematizada e comprovada de apuração de informações de interesse público”, enfatizou.