Em ato de solidariedade a Boulos, lideranças defendem luta por moradia
Apesar da chuva incessante, famílias de trabalhadores sem teto deixaram a casa de parentes nos extremos da capital paulista e cruzaram a cidade para lotar, na noite de ontem (19), o auditório do sindicato dos professores da rede estadual, a Apeoesp, na Praça da República, no centro. “Estou decepcionado com nossos governantes.
Publicado 20/01/2017 11:56
Com outras 700 famílias, perdi meu barraco na ocupação Colonial, em São Mateus. Havia idosos, crianças, pessoas deficientes, gestantes. Fomos despejados como se a gente não fosse ser humano, com direitos. A gente está na luta pelo direito de moradia que não tem. É culpa de quem? Dos governantes. E fui detido como se fosse bandido. Mas fui levado preso com muito orgulho porque eu estava na luta”, disse José Ferreira Lima, o Zé Ferreira.
O trabalhador e sua mulher, Talita, foram se juntar a outros trabalhadores e lideranças em ato contra os despejos, a criminalização dos movimentos sociais e em apoio ao coordenador do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST) Guilherme Boulos. Boulos foi detido juntamente com Zé Ferreira na manhã desta terça-feira. Ambos foram levados para a delegacia e liberados no final do dia, sendo indiciados por resistência.
Embora a ocupação não fosse coordenada pelo MTST, Boulos foi prestar assistência às famílias e tentava negociar com a tropa de choque da Polícia Militar de Geraldo Alckmin (PSDB) uma alternativa à desocupação violenta naquela manhã chuvosa, em curso mesmo antes da abertura do fórum regional, impedindo assim o ingresso de algum recurso judicial.
“Foi uma barbárie. Uso de blindado, de aparato de guerra para tirar pessoas que não tinham para onde ir. Infelizmente, isso não é um fato isolado: é regra, e não exceção, numa clara ameaça ao que resta do pouco da democracia que tivemos”, disse Boulos, que promete barrar outros despejos que devem acontecer em fevereiro e março. “Para cada despejo que vamos denunciar, faremos novas ocupações.” Um dia após o despejo na ocupação Colonial, em ato simbólico, 1500 pessoas ocuparam a Secretaria Estadual da Habitação.
A violência do despejo realizado cinco anos após o do Pinheirinho, em São José dos Campos (SP), e a detenção de Boulos, num claro recado do governo paulista para intimidar os movimentos sociais, uniram lideranças que defendem a unidade na luta. “Os governos de Michel Temer (PMDB) e de Alckmin usam de violência porque querem desestimular a luta e a resistência contra essa agenda agressiva aos trabalhadores”, afirmou o deputado federal Paulo Teixeira (PT).
O parlamentar vai cobrar audiência com o governador Alckmin, que havia se comprometido a recebê-lo, mas acabou cancelando. No encontro, pretende discutir a repressão e violência policial. “Um governo autoritário, sem sensibilidade social, que não entende que questões sociais, como moradia, se resolve com diálogo”, disse, lembrando a comunidade de São José dos Campos.
"Não existe direito sem luta e não há luta sem sofrimento. Vivemos um processo histórico de acirramento das lutas. E este é mais um episódio grave. Não foi o primeiro e não será o último", disse o juiz Alberto Muñoz, da Associação Juízes para a Democracia.
Solidariedade
"Houve truculência e a polícia tentou politizar a questão, dizendo que a ação de Boulos é ideológica. É claro que é. E nossa ideologia tem princípios, sendo a solidariedade uma das principais. Vamos continuar denunciando toda essa atmosfera de repressão e de campanha contra aqueles que lutam por direitos" – Douglas Izzo, presidente da CUT-SP.
"Não vamos desistir da luta contra esse estado de exceção que está se colocndo" – Juliana Cardoso, vereadora (PT).
"Essa situação não é nova. São 500 anos de latifúndio, 300 de escravidão. Vivemos tempo de tempestades, mas quem tem raízes não teme tempestades. A luta de classes vai se intensificar em 2017. Serão muitas batalhas e espero que muitas vitórias" – Gilmar Mauro, coordenador do MST.
"O MTST teve papel de destaque na luta de professores e alunos em defesa da educação, quando ocuparam escolas em 2015 contra a reorganização de Alckmin. Toda solidariedade. Vamos tomar as ruas. O enfrentamento vai ser cotidiano" – Maria Izabel de Azevedo Noronha, a Bebel, presidenta da Apeoesp.
"Ser despejado é uma experiência muito difícil. Você ocupa um prédio abandonado, resiste ao frio, ao calor, aos ratos, às baratas, sob a ameaça de despejo. Precisamos não só de solidariedade, mas também de unidade na luta porque a desigualdade vai aumentar e o trabalhador não tem outra alternativa senão a luta", Miriam Figueroa – coordenadora da Central dos Movimentos Populares (CMP).
"Vamos seguir resistindo contra essas ações criminosas de despejos", Guilherme Fregonese, integrante do DCE – Livre da USP.
"Resistir faz parte de nós, mas foi um circo dos horrores. O estado não garantiu o direito daquelas famílias e havia oportunistas passando orientações contrárias aos interesses dessas famílias. E a PM sequer esperou o fórum abrir justamente para impedir que se esgotassem as possibilidades. E agora a subprefeitura de São Mateus está se negando a cadastrar as famílias. Não tinha nada da prefeitura. Nada, nem assistente social", Luciana Helth, da coordenação do MTST.