Bob Dylan se diz honrado em receber o Nobel de Literatura
Representado pela cantora e amiga, Patti Smith, na entrega do Prêmio Nobel de Literatura neste sábado (10), Bob Dylan enviou seu discurso para a Academia Sueca, responsável pela escolha dos agraciados. Ao contrário da indiferença que foi propagada, Dylan se mostrou muito satisfeito. Lamentou não estar presente e afirmou: "sinto-me honrado em receber um prêmio tão ilustre (…) é algo que eu jamais poderia imaginar ou prever".
Publicado 11/12/2016 14:39
Ao final Dylan afirma que "não houve uma vez sequer que eu tivesse tempo de perguntar a mim mesmo: “Minhas canções são literatura?” E agradeceu à Academia Sueca, "tanto por ter tido tempo para considerar essa questão, quanto, em última análise, por ter nos concedido uma resposta tão bela".
Bob Dylan faltou à cerimônia em razão compromissos prévios que o impediam de comparecer. Segundo a Fundação Nobel, o prêmio de Dylan será dado pessoalmente ao cantor em algum momento de 2017 na Suécia ou em outro país.
Leia abaixo a íntegra de seu discurso:
Boa noite a todos.
Quero trazer minha mais calorosa saudação aos membros da Academia Sueca, e a todos os outros ilustres convidados presentes nesta noite.
Lamento não poder estar pessoalmente com vocês, mas por favor, saibam que certamente estou em espírito, e sinto-me honrado em receber um prêmio tão ilustre. Receber o Prêmio Nobel de Literatura é algo que eu jamais poderia imaginar ou prever. Desde muito jovem eu vim a conhecer e a ler e a absorver as obras daqueles que foram considerados dignos desta honraria: Kipling, Shaw, Thomas Mann, Pearl Buck, Albert Camus, Hemingway. Estes gigantes da literatura, cujas obras são ensinadas nas salas de aula, preservadas em bibliotecas ao redor do mundo inteiro, e das quais falamos com tanta reverência, sempre produziram em mim uma profunda impressão. O fato de que agora junto meu nome aos deles, nessa lista, é algo que me deixa sem palavras.
Não sei se esses homens e mulheres chegaram a se imaginar a certa altura como futuros ganhadores do Prêmio Nobel, mas imagino que qualquer pessoa que escreva um livro, ou um poema, ou uma peça de teatro, seja onde for neste mundo, pode abrigar dentro de si esse sonho secreto, bem no seu íntimo. Talvez esteja guardado num lugar tão profundo que eles mesmos não se deem conta de que esse sonho está ali.
Se alguém me dissesse que eu tinha a mais remota possibilidade de ganhar o Prêmio Nobel, eu iria achar que essas chances seriam as mesmas de vir a caminhar na Lua. Na verdade, durante o ano em que nasci e mais alguns anos depois, não havia ninguém no mundo inteiro que fosse considerado bom o bastante para ganhar este Prêmio. Desse modo, reconheço que estou numa companhia extremamente seleta, para dizer o mínimo.
Eu estava em plena turnê quando recebi esta notícia surpreendente, e precisei de muito mais que alguns minutos para processá-la devidamente. Comecei a pensar em William Shakespeare, o grande nome da literatura. Pelo que sei, ele se considerava um dramaturgo. A idéia de que estava fazendo literatura não podia estar presente em sua mente. Suas palavras eram escritas para o palco. Eram palavras para serem ditas, não para serem lidas. Quando ele estava escrevendo “Hamlet”, tenho certeza de que estava pensando numa porção de outras coisas: “Quem são os atores ideais para estes papéis? Como a peça deve ser encenada? Quero mesmo ambientar esta história na Dinamarca?” Sua visão criadora e suas ambições estavam sem dúvida ocupando o centro de sua atividade mental, mas também havia problemas mais práticos a considerar e resolver. “A verba já chegou? Os patrocinadores vão ter boas poltronas? Onde consigo um crânio humano?” Sou capaz de apostar que a última coisa presente na mente de Shakespeare seria a pergunta: “Isto que eu faço é literatura?”
Quando comecei a escrever canções, ainda adolescente, e mesmo quando comecei a ganhar um certo renome com o meu talento, minhas ambições com essas canções só iam até um certo ponto. Eu pensava que elas poderiam ser escutadas nos bares e nos cafés, e talvez depois em lugares como o Carnegie Hall, o London Palladium. Se eu tivesse sonhos realmente grandes, talvez me imaginasse gravando um disco e depois ouvindo minhas músicas tocarem no rádio. Esse, sim, era o grande prêmio — aos meus olhos. Gravar discos e ouvi-los tocando no rádio significava que eu estaria atingindo uma grande audiência, e com isso poderia continuar a fazer aquilo de que gostava tanto.
Bem, já faz muito tempo que venho fazendo o que me propus a fazer. Gravei dezenas de discos e cantei em milhares de shows pelo mundo inteiro. Mas minhas canções são o centro vital de quase tudo que eu faço. Parece que elas encontraram seu lugar na vida de muitas pessoas, em diferentes culturas, e sou grato por isto.
Mas há uma coisa que preciso dizer. Como artista de palco, já cantei para platéias de 50 mil pessoas e para platéias de 50 pessoas, e posso garantir que é muito mais difícil cantar para estas cinquenta. Cinquenta mil pessoas têm uma persona singular, mas com cinquenta não é assim. Cada uma delas tem uma identidade própria, cada pessoa dessas é um mundo em si mesmo. Elas percebem as coisas com mais clareza. A nossa honestidade e o modo como nos relacionamos com os nossos talentos mais profundos são submetidos a um teste. O fato de que o comitê do Nobel é tão pequeno não me passa despercebido.
Mas, tal como Shakespeare, eu também vivo ocupado com a minha atividade criativa, e tenho que lidar com todos os aspectos práticos da vida. “Quem são os músicos ideais para tocar nesta canção? Estou gravando no estúdio mais adequado? Esta música está no tom certo?” Algumas coisas não mudam nunca, mesmo em 400 anos.
Não houve uma vez sequer que eu tivesse tempo de perguntar a mim mesmo: “Minhas canções são literatura?”
Assim, quero agradecer à Academia Sueca, tanto por ter tido tempo para considerar essa questão, quanto, em última análise, por ter nos concedido uma resposta tão bela.
Desejo a todos o que há de melhor.
Bob Dylan
Assista Bob Dylan interpretando Like a Rolling Stone:
A emoção de Patti Smith
A cantora Patti Smith fez uma emocionante interpretação de A hard rain's a-gonna fall, um dos clássicos da fase inicial do compositor Bob Dylan, durante a cerimônia de entrega dos Prêmios Nobel de 2016, em Estocolmo, na Suécia, neste sábado (10).
Inicialmente, Smith cantou acompanhada apenas de violão e uma pedal steel guitar. Perto do final da interpretação, de cerca de oito minutos, a Orquestra Filarmônica Real de Estocolmo se uniu a ela.
Com a voz trêmula, a cantora esqueceu a letra na segunda estrofe e se viu obrigada a interromper a apresentação. "Sinto muito, estou muito nervosa", disse Smith, pedindo para recomeçar e arrancando aplausos do auditório, onde estava também a família real, representada pelo rei Carlos Gustavo, a rainha Silvia, a princesa herdeira, Victoria, e o marido dela, o príncipe Daniel.
Na terceira estrofe, ela voltou a vacilar, mas conseguiu se recompor e encerrou a interpretação de forma emocionante. A hard rain's a-gonna fall é uma das canções mais emblemáticas da fase inicial de Dylan, marcada pelo folk e pelos hinos de protesto, e está no álbum The Freewheelin' Bob Dylan, de 1963.
Assista a apresentação de Patti Smith